sexta-feira, 15 de julho de 2016

É golpe!

                                              É golpe!    




“A virtude moral é uma conseqüência do habito. Nós nos tornamos o que fazemos repetidamente. Ou seja: Nós nos tornamos justos ao praticarmos atos justos, controlados ao praticarmos atos de autocontrole, corajosos ao praticarmos atos de bravura.”
Aristóteles

                                                        


A

pesar da penumbra, apesar do som ambiente, apesar do vinho, apesar da lingerie que a esposa usava e o fez arrancar com os dentes, sim com dentes Julinho!, ela disse, apesar do Viagra, apesar disso e daquilo o amor programado dessa noite não aconteceu.

É verdade até que ele se preparara o dia todo. Bebeu pouco no clube, fumou um só charuto, não jogou nem tênis nem golfe e não fez nada que poderia lhe afetar, afinal não era nenhum garoto e sim um senhor de setenta anos, avô e pai de cinco filhos com a primeira mulher.

Na piscina olhou-a querendo devorá-la e elogiou-a as pernas torneadas e as panturrilhas. Brincou até dizendo que o personal trainer estava sendo bem pago, que ela estava um tremendo tesão.

É certo que ela é uma mulher fenomenal, por onde passava os olhos voltava-se sobre ela, e ouvia sempre nos outros a indagação, o que ela viu no coroa, com certeza um grande golpe, não gostou até quando passava numa manifestação na avenida paulista contra o panelaço, e gritavam: É golpe! É golpe! É Golpe! Olhavam diretamente em seus olhos, Ele quis se voltar contra o público, ela não deixou, seria exterminado, saíram rapidamente, não dava à mínima, a inveja é uma merda, o que importa é: Eu, eusinho, sou quem come mais ela. Esses favelados! Uns borras botas!

Agora ela foi bem compreensiva, não falou a frase broxante que seria: Isso acontece! Ponto para ela.

Ela simplesmente vestiu a calcinha minúscula, acendeu um cigarro e deitou em comprido deixando-se mostrar, o que ele admirava a pele alva e macia de pêssego, os seios rígidos e a elevação latente entre as coxas.

Fumou calmamente. Tragando devagar. A fumaça subiu rente a parede e na janela curvou-se para fora. 
Era o tempo para arrumar alguma desculpa, sei lá, excesso de trabalho. Sempre achou que eu trabalhava demais, batia na mesma tecla...

         -Júlio! Oh!Júlio! Você trabalha demais! Precisa viajar mais. Depois morre e fica tudo por aí... -Lembra daquele natal em Nova York estávamos tranquilamente, na quinta avenida extasiados pelas luzes, pelo movimento da cidade, por tudo. O carro abarrotado de compras! Que felicidade!

         
           -Sim! Sim! Como posso esquecer...Naquele ano ganhei minha primeira  promoção. Estava muito feliz.

           - E você não me deixou em paz , lembra, beliscando minha bunda, dizendo piadinhas, até entrarmos em um pequeno hotel, lembra! Aqui ela parava e puxava um trago comprido. E continuava...- e começamos dentro do carro mesmo, passamos pelo elevador. Você me fudeu na sala mesmo  sobre a mesa de jantar, Lembra? Como foi bom...

Silvia foi à janela. Puxou a persiana. Estava uma noite morna, o trânsito lá embaixo fluía normalmente, o mar calmo, as ondas devagar sobre a areia branca iam e voltavam.
Voltou séria.

         -Júlio você tem uma amante? Sim é isso não é meu bem?

Júlio levanta-se. A idade do sapo. As pernas finas, barriga saliente e braços finos. O físico de quem trabalha em escritórios.
          -Não!!! Que ideia!
          -Não precisa mentir, meu bem.  Eu sei que um homem com seu posto, sua posição na sociedade, vivem rodeados de belas mulheres, acho até normal. Aliás, uma amante dá até um tempero no casamento, sabia?

         -V você acha Sílvia?

         -Sim meu bem. Todos os seus amigos têm. As mulheres deles mesmo comentam. Não se preocupe! Sou esclarecida para saber dessas coisas.

Júlio surpreende-se com a esposa, mas o problema não era esse, aliás, ele era tarado nela, no jeito de fazer sexo dela na bunda dela na xoxota dela.

A verdade é que saía com as outras só para tirar as tensões do dia dia, provar coisas novas. O problema era outro e estava com medo dela não aceitar.

                -Não! Não é uma amante! Ele disse quase gritando.

Silvia senta-se a beira da cama. 

Nunca a viu mais linda. Os pelinhos das coxas apontavam a beira da calcinha. Os seios redondos colocados no melhor cirurgião. O umbigo parecia o buraco negro,  perdição total.
          -Lembra de Paris! Ah! Paris. As luzes, a torre Eiffel. Você seu danadinho me fez sair com um vestido preto sem nada por baixo, e fizemos amor ali mesmo.

          -Como lembro! Aquela viagem foi para comemorar a segunda promoção. Passei a ser um dos diretores.

          -E Londres!  Itália lembra! Que vinhos! E as massas! Hum!  Dá até água na boca. Os Italianos me cantando na praça e você rindo! Uns enxeridos!

         -Ah! Os negócios estavam indo de vento em popa! Eu diretor, os acordos, as...

Ela levanta-se faz menção de acender outro cigarro, põe entre os lábios.

        -Não me diga que você quebrou? Foi à bancarrota? É um Zé ninguém?
Ele equilibrando-se para  vestir a cueca.

        -Os imóveis, iates, terras gados, aviões etc e etc tudo em nome de laranjas.

        -E eu não sei? Exigir que colocasse no nome de toda minha família, nunca se sabe né?
        -Pois então! Até aí tudo bem! O pior foi toda aquela dinheirama que sobrava das campanhas lembra? Dinheiro é uma coisa danada...pausa, influenciado pelos contadores resolvi abrir firmas no exterior... Essas... Holdings, Offshore...

        -Como não sei! Ela sorri. Acende o cigarro. Mas isso não é problema! Ou é?

De início não era, o ambiente era propício, tempo de carteirada, governo do nosso lado...De repente a política mudou...O Brasil, puta que pariu...

Ela com os olhos arregalados

         -Ssim!

Ele fica de costas.

         -Não quebrei! Se é isso que você tanto quer saber... Aliás estou muito mais rico! Riquíssimo!

         -Mas...O que então? Matou alguém?

         -Indiretamente talvez... Muitos.  Mas não vem ao caso.

         -O que é então? Fala homem! Desembucha! Tira-me desta aflição!
Ele coça a cabeça vai no guarda roupa joga o jornal sobre a cama.

          -Estou na lista... Descobri hoje á noite. Veja!

          - Lista de que homem??

          -Da lava a jato! Pronto contei...

Fez-se silêncio.

Ela aproxima-se por trás.

        -Vamos perder tudo? Tudinho! Faz bico como tirasse uma Self.

        -Bom, temos os melhores advogados do mundo e sabe como é que é, eles protelam...protelam...Há muita brecha nas leis...com o tempo saímos de evidência, da mídia, e também tem muita gente poderosa atolado nisso, sabe...Eles me devem favores...Estão todos juntos...Medo de uma  delação premiada, sabe, a boca no trombone, merda no ventilador... acho que  logo... logo... nos esquecem... Ainda temos presidente interino... Desordem na câmera, no senado, bate boca no supremo... Acho, acho não, tenho certeza, que com tudo isso logo logo estaremos curtindo toda a nossa dinheirama  das propinas em algum paraíso fiscal.

Ela enlaça-o pelo pescoço. Beija-o longamente. Ele aproveita e a aperta-lhes as nádegas.
Ela pega-o pela mão. Vão à varanda. O burburinho tinha aumentado na avenida atlântica. Hora do  rush. Ela debruça-se no parapeito de modo que a bunda ficasse gigante, como a cabeça de um touro,movimenta-se como estivesse dançando funk, e pede:
         -Vem amor me enraba aqui, todo mundo vendo, me bate vai, me chama de safada.
Ele rígido como nunca antes, viril, másculo e rico... Rico...

         -Safada! Puta! Putinha! Minha putinha!

Lá embaixo uma onda vermelha gritava:
        -É golpe! Golpe! Golpe!

Obs: Na época da ditadura os filmes brasileiros de maior sucesso foram a pornochanchada,talvez fosse um tipo de retaliação. Não sei.
Hoje quis homenageá-la (A pornochanchada claro, que me deu tantas alegrias), com esse conto. Os tempos são outros, porém similares. Os falsos moralistas não vão gostar. Nem os de moral. Os de direita nem de esquerda nem de centro. Os que talvez gostem, os jovens, por causa da testosterona. Nem todos. Nem...


Canção de fé




Canção de fé

...E séculos e séculos sem fim,
Muito aquém de mim,
Muito além de nós
Civilizações inteiras decorrerem
Gregos,  troianos, incas e maias
Muita água debaixo da ponte,
Tanto e a tal maneira,
Que uma vida inteira,
Mil mundos inundariam,

Estaremos  a tua espera!

Desde a grande arca que singrou os mares,
Enfrentou correntezas,
Monstros de sete cabeças,
Até o pouso da pomba,
Trazendo o graveto,

Assim nossa espera!

E mesmo na tumba fria
Cheio de alegorias,
Deitados quietos,
Nossos despojos,
E além do pó,

Estaremos a espera!