É golpe!
“A virtude
moral é uma conseqüência do habito. Nós nos tornamos o que fazemos
repetidamente. Ou seja: Nós nos tornamos justos ao praticarmos atos justos,
controlados ao praticarmos atos de autocontrole, corajosos ao praticarmos atos
de bravura.”
Aristóteles
A
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pesar da
penumbra, apesar do som ambiente, apesar do vinho, apesar da lingerie que a
esposa usava e o fez arrancar com os dentes, sim com dentes Julinho!, ela disse, apesar do Viagra, apesar disso
e daquilo o amor programado dessa noite não aconteceu.
É verdade
até que ele se preparara o dia todo. Bebeu pouco no clube, fumou um só charuto,
não jogou nem tênis nem golfe e não fez nada que poderia lhe afetar, afinal não
era nenhum garoto e sim um senhor de setenta anos, avô e pai de cinco filhos
com a primeira mulher.
Na piscina
olhou-a querendo devorá-la e elogiou-a as pernas torneadas e as panturrilhas.
Brincou até dizendo que o personal trainer estava sendo bem pago, que ela
estava um tremendo tesão.
É certo que
ela é uma mulher fenomenal, por onde passava os olhos voltava-se sobre ela, e
ouvia sempre nos outros a indagação, o que ela viu no coroa, com certeza um
grande golpe, não gostou até quando passava numa manifestação na avenida
paulista contra o panelaço, e gritavam: É
golpe! É golpe! É Golpe! Olhavam
diretamente em seus olhos, Ele quis se voltar contra o público, ela não deixou,
seria exterminado, saíram rapidamente, não dava à mínima, a inveja é uma merda,
o que importa é: Eu, eusinho, sou quem
come mais ela. Esses favelados! Uns
borras botas!
Agora ela
foi bem compreensiva, não falou a frase broxante que seria: Isso acontece! Ponto
para ela.
Ela
simplesmente vestiu a calcinha minúscula, acendeu um cigarro e deitou em
comprido deixando-se mostrar, o que ele admirava a pele alva e macia de
pêssego, os seios rígidos e a elevação latente entre as coxas.
Fumou
calmamente. Tragando devagar. A fumaça subiu rente a parede e na janela
curvou-se para fora.
Era o tempo para arrumar alguma desculpa, sei lá, excesso
de trabalho. Sempre achou que eu trabalhava demais, batia na mesma tecla...
-Júlio! Oh!Júlio! Você trabalha
demais! Precisa viajar mais. Depois morre e fica tudo por aí... -Lembra daquele
natal em Nova York estávamos tranquilamente, na quinta avenida extasiados pelas
luzes, pelo movimento da cidade, por tudo. O carro abarrotado de compras! Que
felicidade!
-Sim!
Sim! Como posso esquecer...Naquele ano ganhei minha primeira promoção. Estava muito feliz.
- E você não me deixou em paz ,
lembra, beliscando minha bunda, dizendo piadinhas, até entrarmos em um pequeno
hotel, lembra! Aqui ela parava e puxava um trago comprido. E continuava...- e
começamos dentro do carro mesmo, passamos pelo elevador. Você me fudeu na sala
mesmo sobre a mesa de jantar, Lembra?
Como foi bom...
Silvia foi à
janela. Puxou a persiana. Estava uma noite morna, o trânsito lá embaixo fluía normalmente,
o mar calmo, as ondas devagar sobre a areia branca iam e voltavam.
Voltou
séria.
-Júlio você tem uma amante? Sim é isso
não é meu bem?
Júlio
levanta-se. A idade do sapo. As pernas finas, barriga saliente e braços finos.
O físico de quem trabalha em escritórios.
-Não!!! Que ideia!
-Não precisa mentir, meu bem. Eu sei que um homem com seu posto, sua posição
na sociedade, vivem rodeados de belas mulheres, acho até normal. Aliás, uma
amante dá até um tempero no casamento, sabia?
-V você acha Sílvia?
-Sim meu bem. Todos os seus amigos têm.
As mulheres deles mesmo comentam. Não se preocupe! Sou esclarecida para saber
dessas coisas.
Júlio
surpreende-se com a esposa, mas o problema não era esse, aliás, ele
era tarado nela, no jeito de fazer sexo dela na bunda dela na xoxota dela.
A verdade é que saía com as
outras só para tirar as tensões do dia dia, provar coisas novas. O problema era
outro e estava com medo dela não aceitar.
-Não! Não é uma amante! Ele disse
quase gritando.
Silvia
senta-se a beira da cama.
Nunca a viu mais linda. Os pelinhos das coxas
apontavam a beira da calcinha. Os seios redondos colocados no melhor cirurgião.
O umbigo parecia o buraco negro, perdição total.
-Lembra de Paris! Ah! Paris. As
luzes, a torre Eiffel. Você seu danadinho me fez sair com um vestido preto sem
nada por baixo, e fizemos amor ali mesmo.
-Como lembro! Aquela viagem foi para
comemorar a segunda promoção. Passei a ser um dos diretores.
-E Londres! Itália lembra! Que vinhos! E as massas!
Hum! Dá até água na boca. Os Italianos
me cantando na praça e você rindo! Uns enxeridos!
-Ah! Os negócios estavam indo de vento
em popa! Eu diretor, os acordos, as...
Ela levanta-se
faz menção de acender outro cigarro, põe entre os lábios.
-Não me diga que você quebrou? Foi à
bancarrota? É um Zé ninguém?
Ele
equilibrando-se para vestir a cueca.
-Os imóveis, iates, terras gados, aviões
etc e etc tudo em nome de laranjas.
-E eu não sei? Exigir que colocasse no nome de toda minha
família, nunca se sabe né?
-Pois então! Até aí tudo bem! O pior foi
toda aquela dinheirama que sobrava das campanhas lembra? Dinheiro é uma coisa
danada...pausa, influenciado pelos contadores resolvi abrir firmas no exterior... Essas... Holdings, Offshore...
-Como não sei! Ela sorri. Acende o
cigarro. Mas isso não é problema! Ou é?
De início
não era, o ambiente era propício, tempo de carteirada, governo do nosso lado...De
repente a política mudou...O Brasil, puta que pariu...
Ela com os
olhos arregalados
-Ssim!
Ele fica de
costas.
-Não quebrei! Se é isso que você tanto quer saber... Aliás estou muito mais
rico! Riquíssimo!
-Mas...O que então? Matou alguém?
-Indiretamente talvez... Muitos. Mas não vem ao caso.
-O que é então? Fala homem! Desembucha!
Tira-me desta aflição!
Ele coça a cabeça vai no guarda roupa joga o jornal sobre a cama.
-Estou na lista... Descobri hoje á
noite. Veja!
- Lista de que homem??
-Da lava a jato! Pronto contei...
Fez-se
silêncio.
Ela
aproxima-se por trás.
-Vamos perder tudo? Tudinho! Faz bico
como tirasse uma Self.
-Bom, temos os melhores advogados do
mundo e sabe como é que é, eles protelam...protelam...Há muita brecha nas
leis...com o tempo saímos de evidência, da mídia, e também tem muita gente
poderosa atolado nisso, sabe...Eles me devem favores...Estão todos
juntos...Medo de uma delação premiada,
sabe, a boca no trombone, merda no ventilador... acho que logo... logo... nos esquecem... Ainda temos
presidente interino... Desordem na câmera, no senado, bate boca no supremo... Acho,
acho não, tenho certeza, que com tudo isso logo logo estaremos curtindo toda a nossa
dinheirama das propinas em algum paraíso
fiscal.
Ela enlaça-o
pelo pescoço. Beija-o longamente. Ele aproveita e a aperta-lhes as nádegas.
Ela pega-o
pela mão. Vão à varanda. O burburinho tinha aumentado na avenida atlântica. Hora
do rush. Ela debruça-se no parapeito de modo que a bunda ficasse gigante, como
a cabeça de um touro,movimenta-se como estivesse dançando funk, e pede:
-Vem amor me enraba aqui, todo mundo
vendo, me bate vai, me chama de safada.
Ele rígido
como nunca antes, viril, másculo e rico... Rico...
-Safada! Puta! Putinha! Minha putinha!
Lá embaixo
uma onda vermelha gritava:
-É golpe! Golpe! Golpe!
Obs: Na época
da ditadura os filmes brasileiros de maior sucesso foram a pornochanchada,talvez
fosse um tipo de retaliação. Não sei.
Hoje quis
homenageá-la (A pornochanchada claro, que me deu tantas alegrias), com esse
conto. Os tempos são outros, porém similares. Os falsos moralistas não vão
gostar. Nem os de moral. Os de direita nem de esquerda nem de centro. Os que
talvez gostem, os jovens, por causa da testosterona. Nem todos. Nem...