A luz no fim
Mesmo
com uma tremenda dor no peito o homem consegue chegar à porta do hospital. Faz
menção de passar pela sala de espera e seguir pelo corredor até onde devia se
encontrar o médico que esperançoso daria alívio as suas dores. Quando um braço
o segura, um guarda apontando com o dedo:
-
Espere ali, que a moça vem fazer a triagem, diz secamente.
-Que
não demore diz, pois estou perto da morte de tanta dor.
Um instante, diz o guarda, andando até o final do
corredor, e depois voltando lentamente. - não vai demorar, e oferece a cadeira
ou uma água gelada o senhor queira beber.
Não quero diz o homem, agradeço imensamente mas o
que eu desejo é ser atendido prontamente e depois ir embora para casa.
O guarda dá uma risada. Um humor indesejado claro, àquela hora. Diz
sério: Tem muitos que não voltam! Depois
ficou se explicando: -Não me deseje mal,
apenas cumpro ordens, e continuou fazendo suas palavras cruzadas.
Quando sentia alguma dificuldade, ficava olhando
para o teto tentando recordar, a palavra
certa.
Tinha um bigodinho preto e bem aparado, as
costeletas quadradas, e o cabelo que saía pelo quepe, repuxava alguns fios de
cabelo para cima.
O homem rugia de dor, e levantou-se com as mãos na
cabeça.
-Por
favor, senhor, me leve à presença do bendito médico! Não vê que estou morrendo?
-Meu caro pode me chamar pelo nome. Seu Adamastor as
suas ordens.
O homem na sua humildade achava que a saúde devia
ser acessível a todos, sem exceção, afinal ele pensava consigo, “os impostos
nos enforcam o ano todo.
O guarda tentou ganhar tempo e começou a fazer alguns interrogatórios. De onde o homem vem se
tem família se é aposentado. Era seu trabalho manter a ordem. Vai até o final
do corredor. Voltou desanimado. “Ainda não posso te liberar”.
Quando o
médico se encontrar a disposição aquela luz lá do fundo vai se acender avisando
que posso mandar entrar outro com certeza.
Inconformado o homem fala para si. Depois que eu
morrer, deve ser.
Ouvem-se gritos de crianças. Todo dia nasce. A perpetuação
da espécie.
Depois o
guarda fala do clima, e de uma novela romântica das oito e meia, que a atriz
principal não tem vergonha alguma, que constantemente fica nua com os homens,
uma conversa sem pé nem cabeça, indiferentes, conversa de banqueiros quando não
querem emprestar dinheiro.
De vez em quando sai de trás da escrivaninha, pega o
cassetete, feito de madeira dura, própria para não quebrar quando precisar
bater no lombo das pessoas, e vai batendo na palma da mão no ritmo lento de
seus passos até o final do corredor dá uma olhada e volta na mesma cadência.
O homem nesse ínterim parou de suar e a dor
abrandou. Assim ele levantou-se com cuidado e foi até a porta da rua. O sol
brilhava lá fora, carros passavam a toda, em busca de algo que não sabiam.
Volta à cadeira pega água e toma sofregamente. Desde pequeno não tinha sorte
disse o homem. Vivo em volta de médicos. Primeiro foi uma apêndice, depois um
corte na sobrancelha, depois fui atropelado por um jumento. Agora essa dor
infernal no peito.
De tanto observar o
guarda, de sentir seu cheiro de cebola,
tinha ate acostumado, Mas detestou o jeito do guarda passar os dedos pelo bigode a toda
hora. Isso o exasperava.
Súbito o homem sentiu a vista escurecer, e por
momento ele pensou que era a noite chegando, mas as pernas lhe faltou, e no
último recurso olhou para ver se a luz acendia no corredor, alguém chamava bem
longe, uma voz apagada e sentiu que chegara sua hora de ir para a terra dos pés
juntos.
Acenou ao guarda com cheiro de cebola, que disse de detrás da escrivaninha mesmo:
-O que queres ainda
homem, não vês que cumpro ordens! E alisou o bigode.
-Leva-me,
para dentro para que eu morra em paz, disse o homem por último.
Não deu tempo. Morreu ali mesmo.
-É
sempre assim, não entendem que apenas cumpro ordens.
O
guarda empurrou a maca até o fim do corredor e a luz acendeu.