quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Rubro

Manha de domingo, sol claro de setembro.

Um homem se levanta.

Esses movimentos, muitos fazem, semelhantes. Uns apressados outros devagar, uns tristes outros alegres, movimentos ordinários do dia a dia. Indefesos.

A cidade sorria, a natureza em flor. Tudo era felicidade.

O sangue circulava satisfeito por suas artérias e veias, levando calor e vida aos extremos.

O domingo lhe doía mais.

Vai ao banheiro e se observa no espelho. Cerra os dentes num gemido rouco. Seria humano? Essa pessoa ou coisa? Talvez um bicho, desgarrado de sua manada. A barba por fazer, a mente em turbilhões, uns olhos frios de murchar roseira.

Passa a espuma no rosto, pega da navalha, mas não consegue se barbear. Sente uns torpores, umas tristezas, dificultando-lhes os movimentos, como nos pesadelos infantis.

O monstro noturno se aproxima cada vez mais rápido e ele lento como ao correr sob água parada tirava-lhe a forca para o escape, e sentia-se presa fácil, inerte se entregava a sua destruição. Mãos bolinaram-no no escuro.Envelhecera.

Seus músculos, nervos e tendões, não o obedeciam como antes. A campainha toca, mas ele não se move. A luta era desigual. Ele contra as forcas ocultas. Como vencer o medo do obscuro?

O cérebro, um amontoado de nervos e massa cinzenta, inoculada de sangue mal. Impregnava-o

Baixa lentamente a cabeça e observa os pés: Estavam fincados ao chão, como raízes. Como fugir do passado tão preso nas entranhas?

Ver-se no espelho de soslaio. Irreconhecível.

Cadê o ser juvenil de outrora? E o riso na cara larga? E todas as suas mascaras? Agora se sentia uma ilha, na solidão do banheiro. Só. Agora era ele contra si. A solidão lhe doía n’alma.

O chuveiro ligado caia pingos brilhantes e escorria ao ralo.

A campainha insiste e tudo o que ele faz e fechar a porta do banheiro.

Trepado em uma perna, sacode a outra num esforço pesado, e estronda a porta atrás de si. Pega a navalha, olha-se fixamente no espelho e corta as carótidas. A água no ralo se tingem de vermelho. Rubro.

O velho e a onda



O homem chegou ali, mancando, trôpego, sentindo na carne o bafo da antiguidade. Tinha quase um século de vida. Depois de sentar-se, jogou como fazia todos os dias, pão aos pombos.

Perdidos por ali voavam, juntos com as aves marítimas, atrás de comida. Lixo que os turistas mal educados deixavam para trás.. Final de tarde.

A brisa soprava macia. Ajeitou-se na cadeira e fitou o horizonte.

Uma gaivota voou mansa, planou contra o vento, parou por um instante, e mergulhou na onda azul. Trouxe a presa no bico.

Viu alem um grupo de jovens em algazarra.Pardais coloridos. Vieram-lhe recordações. Os doces beijos da juventude.

Abriu o jornal, leu algumas linhas, deixou cair sobre os olhos fechados. Cochilou. Uma voz despertou-o.

-Miro e o senhor?

Defronte uma jovem cheia de carnes e cores. Usava biquíni. Sobre, uma mini transparente.

-Valdomiro... Enrugando a testa,....Miro para os íntimos. Qual sua graça? (Sorriso nos lábios).

-?...

-Como se chama?

-Vilma, mas pode me chamar de Vivi.

Olhou-a no fundo dos olhos azuis.

-Valda me falou do senhor...Posso chamá-lo de Miro?

-Era segredo. Prezo por isso.

-Sou amiga, sua melhor.

-O que ela lhe contou? Baixando o jornal e dobrando-o sobre os joelhos.

-Tudo. Todas as brincadeiras. O velho tremeu as mãos, sorriu nervoso.

-Era segredo de tumulo.

O pezinho enfiou-se na areia, jogando um pouco para os lados, baixou a cabeça sem graça.

-Sonhava com esse momento... O velho pensativo tirou os óculos. Uma couraça se formou indelével como nos lobos.

-O que você quer?

-O mesmo.

Suores cobriram-lhe o rosto

-Mais você e só, uma menina.

-Preciso.(carente)

-O perigo ronda perto.

-Sou um tumulo.

A boca seca dificultava a fala.

-Não sei...

De onde estava via o mar sobre as coxas. Um azul profundo.

Lembrou-se da mulher.Não gostava do litoral. “A areia lhe pinicavam a pele, deixavam-na sem brilho e alem disso a envelhecia”.

Os filhos cada qual para seu canto: O mais velho engenheiro de uma multinacional e a filha advogada de renome.Os netos quando vinham, aborrecia-o com suas pirraças.Gostava de viver só. Era ele e a empregada que lhe fazia a comida e era uma verdadeira enfermeira. Aposentou-se do serviço publico como juiz federal.

Cansado das aglomerações se refugiava na praia. Um longo silencio.

-E a Valda , por onde anda?

-Caiu na estrada com um caminhoneiro.

-Sempre fora louca...E os parentes?

-Estão a mingua.

-Que pena... Esta esfriando. Vou subir.Quer substitui-la?

-Não sei se mereço.

-Seus olhos...Sofridos.

Levantou-se devagar, olhou em volta, segurou-a pelo queixo.

-Talvez...Talvez...

-Na vida há enganos. Com as mãos faz trancas, feito criança.

-Onde posso te encontrar?

-Por ai... O chicle no canto da boca.

Pega do jornal e sai batendo nas pernas ritmicamente, acompanhando seus passos um após o outro. Alcançou o calçadão. Dois olhos tristes seguem-no. De longe acena.

Ela corre como se perdesse o ultimo ônibus. Aproxima sôfrega.”Obrigada”.Ele olha para os lados com o dedo no silencio dos lábios.

-Sobe pelos serviços. Apartamento 304.

Na sala sentada no sofá se deslumbra com o luxo. Pega biscoitos sobre a mesa e come avidamente. Miro acende o charuto. O cheiro invade a sala.

-Pega meus óculos ali, indicando a estante. Liga o som. Dança para mim.

-Minhas pernas...

-O que tem?

-Gosta? Estica-as quase o tocando com as pontas dos dedos.

-Tão macias...

-De-me um beijo.

-Não. Sou difícil.

-Já transou?

-Nunca. Sou virgem.

-Guarda para quem?

-Hum... Para um príncipe. Quiseram-me penetrar quando criança...Na ultima hora ele arrependeu-se... Irmão não serve para isso... Depois foi meu pai. Fugi de casa.

-?!

-Sua mulher como ela e?

-Ela tem cabelos brancos como eu.

-Toma conta do senhor?

-Do dinheiro somente.

A paixão arde como fogo diz a canção.

A voz rouca ainda mais aflita:

-A blusa, tira? Ela sorrir pensativa.

-Meus seios não são grandes coisas...Envergonhada.

-Não me incomodo...Dos menores frascos as melhores fragrâncias...

Toca-a com os dedos trêmulos.

-Os bicos são rosas.

-Quantos anos têm?

Cobre-os com as palmas.

-Deixe-me vê-los.

Pêssegos maduros. Prensa entre os dedos os mamilos.

-Quero-a para mim.

-Todos querem. Arfa o peito como uma pomba. Ao longe o estrondo das ondas.

Distancia-se.

-Vamos brincar de boneca?

-Vamos começar que e tarde.

-Sou seu filhinho

-Venha mamar

-Quelo sim. E suga-a aflito.

-Dispa-se. Trás a maquina e o tripé.

-Empine o bumbum. Isso. Agora mostre sua flor. Ma-ra-vi-lho-sa! Deixe-me toca-la.

-Não!

-Te chuparei como a um picolé...Farei-te sentir mil gozos...Sem tirar pedaço algum...

-Tenho medo

-Da-me um beijo, pois posso enlouquecer...E na loucura não sei o que será de ti...Cheiro fresco de fruta. Que lindos são os seus botões de rosas.

Os pés pequenos, o esmalte vermelho descascando.Ela levanta-se e faz pose com as mãos na cintura. Carinha sapeca. O púbis preto de pelos sedosos.

-Agora chega! Veste-se rapidamente. Voltou a cara triste.

-O que foi? Ele te ama como eu?

-Muito alem...

-Pago bem.

-Não tem preço...

-Amanha, talvez? Agarra-a pela cintura beijando-a com sofreguidão. Desvencilha-se dele. Pega as notas e some no elevador.

******

Lá fora o namorado a espera, aborrecido.

-E o velho, se portou bem?

-Como todos, uns cínicos. Fedem as maresias.

Mostrou as notas novinhas.

-Vamos! E saíram correndo. As gaivotas assustadas voaram pra longe.

Da janela o velho os observa. Entra, veste o roupão, e baixa as fotos na internet.

O desejo corre o mundo.