Maioridade
Odeio natal e ano novo. Essas datas me dão
ojeriza e depressão. Não é de agora não. É desde que me entendo por gente mais
ou menos quando eu fiz seis anos. Naquele dia lembro bem eu esperava meu pai
chegar da rua com uns doces que ele prometeu e assim eu planejava esperar o Papai Noel cheio de guloseimas.
Não sei se por um golpe do destino ou outra
coisa qualquer, só sei que ambos me deram bolo, mas fiquei com mais raiva foi
do meu pai. Depois o perdoei quando soube que ele tinha sido abatido por uma
bala perdida.
Papai Noel demorei perdoar. Só quando um amigo chegou pra mim e abriu
meus olhos. Ele disse bem assim, na minha cara:
-Deixa de ser tonto! Papai Noel e
nosso pai são as mesmas pessoas.
Como assim
eu pensei. Ele completou:
-Papai Noel é invenção! Quem nos dá
presente é nosso pai mesmo.
Foram duas
tristezas juntas. Perdi ambos.
Eu fiquei
puto. Por isso nunca havia ganhado o que pedia. Eu pedia uma bicicleta e aí
ganhava um carrinho de plástico. Papai
Noel com classe social perdeu toda a
magia para mim.
A partir
daquele dia essas festas representam tristeza, só tristeza e aborrecimento. Ao
invés de solidariedade essas datas expõem nossas diferenças. Como chagas
abertas. É só olhar as mansões e as favelas.
Nem do Homem
pregado na cruz se lembram mais.
E agora para
mim essas festas não representam nada. É zero à esquerda. Uma bosta qualquer. Uma oportunidade desses filhos das putas gananciosos
mostrarem seus poderes. Os filhinhos
deles lotam os shoppings, enchem a fila do Mac Donald e as lojas de importados.
Para nós a chance é mínima, o que
podemos fazer essas noites é sair e apreciar as vitrines como os cães com as máquinas
de assar frango. Desejar somente.
A única coisa bem aproveitado nessa data é o indulto de natal. Temos
oportunidade de rever os velhos companheiros.
Estou ansioso.
-Seu Manuel mais uma gelada, por
favor!
Seu Manuel é um português gordo. O bigode
dele tapa toda a boca para encobrir os dentes podres. Quando ele fala o bigode
balança. É Calvo também. Os dentes não são lá essas coisas. São acavalados.
Ele traz a
garrafa pelo gargalo. Eu acho engraçado. Segundo ele é para
não congelar. Metido esse portuga, eu digo. Ele ri.
-Estupidamente gelada, ele diz.
- Até mofada, eu digo.
Eu aprovo.
Ele encheu meu copo. Com colarinho.
Coloca no
isopor.
-E aí, onde vais romperes o ânus? Ele diz
isso com todo mundo. É pegadinha.
-Eu vou romper o ano por aqui mesmo.
Estou esperando dois amigos do peito. E você rompe o seu onde?
-Aqui no bar mesmo. Solta uma
gargalhada.
Esses
portugas sabem viver. Ri de tudo e de todos. Eu não. Eu sou enfezado. Não é
porque sou só no mundo. Longe disso. Gosto até. Pais às vezes enchem o saco.
Sufoca sabe.
- Quem vem?
-Birita e Epaminondas.
-Tudo nos conformes então?
-Melhor estraga eu digo. Minto. Nunca
estamos na melhor. Fingimos felicidade a todo momento.
-Chegam que horas?
-Birita vai chegar mais cedo já que
ele está aqui na penitenciária da barra funda. Doze horas mais ou menos. Já Epaminondas vai chegar só amanhã,
pois ele esta na penitenciaria federal.
-Homicídio ou roubo?
-Os dois! Mas tão de boa. Não precisa
se preocupar.
- Toma jeito filho! Os meganhas essa
época ficam de olho.
-Tô sabendo seu Manuel. Estamos atentos. Os
dois passaram o ano pianinho na cadeia e vão sair por bom comportamento. Não
querem mais problemas. Passar o natal e ano novo com a família. A família deles
sou eu. Conhecemos-nos na casa de recuperação, sabe?
Seu Manuel sabia
de minhas tramoias. Era metido a dar conselhos. Quer ser paizão. Não quero. Conselhos
se fosse bom era vendido, é ou não é?
-Bom. O melhor dessa vida são os amigos
ele diz.
-Dinheiro também eu digo.
-E
mulher ele completa.
-Mulher não pode faltar eu digo.
Ele chega
mais. Enxuga as mãos numa toalha imunda.
-Tem uma mulatinha ali na esquina hum!
Ele segura a
orelha com um jeito engraçado.
-Daqui ó.
-Ah! Sim conheço. Não é a mulher do
Baiano?
-Isso mesmo. Ela vem todo dia aqui
buscar o pão com aquele shortinho apertadinho, uma diabinha. Fica bem
divididinha a danada.
-Cuidado seu Manoel que o baiano é
doido.
-É doido mesmo. Eu com um pitéu daquele em
casa não deixava sair por nada. Eu dava
casa comida e roupa lavada, netflix, Sky e tudo para mantê-la em casa.
-Tem razão. Mas Sabe seu Manuel que tem homem que gosta
de oferecer a mulher pros outros?
-É verdade? Se for eu dou pra ele o
valor que ele pedir. Só um dia com ela.
-E
se ele for desses, hem seu Manoel? Com todo esse dinheiro que o senhor tira
daqui dá até para...
Eu coloco lenha no fogo. Vejo os olhos dele
brilharem.
-Não brinca comigo meu chapa, sou
capaz de dá um enfarte.
Algo chama a
atenção dele na TV.
Olha ali.
Escuta ele, diz mostrando.
A TV fica num ponto estratégico. Entre o santo Expedito e um troféu do tempo
que o time da rua ganhou o torneio municipal.
No jornal
dois homens bem vestidos, de terno e gravatas são levados pela polícia federal.
-A vida ta braba até para os
colarinhos brancos veja!
Eles
tão algemados. Não tapam o rosto como nós fazemos. Não sentem vergonha ou a
ficha ainda não caiu.
-É nosso governador! Diz o seu Manoel colocando a mão na cabeça. -Onde vamos parar?
-Eu quero que eles explodam!
Tomo o copo de cerveja em dois goles.
Lembrei de Epaminondas. Um dia ele disse pra mim que a família dele é acostumada
com fartura. Não entendi bem, pois quando o conheci ele era um borra bostas, não
tinha onde cair morto e aí ele completou: É muita fartura: Farta feijão, farta arroz, farta carne, farta tudo.
Eu ri de me
deitar no chão.
Ele é
engraçado. Ele tem voz rouca de tanta nicotina. Às vezes fuma maconha também.
Vive chapado.
Fui tirar a
água do joelho. O banheiro fede. Uma latrina.
Tinha umas bostas de três dias pregadas na parede do vaso. Tentei limpar
mirando neles. Não consegui.
A cordinha da
descarga tava encardida pra dedéu e senti o maior nojo.
Aqui só vem gente da ralé, pensei.
Peguei um
pedaço de papel e puxei a cordinha e aí a merda rodou umas duas vezes e desceu
pros esgotos.
Esse país ta uma bosta. Desde de cima até
embaixo.
Eu quando
entro nesses pés sujos eu abro a porta sempre com o cotovelo. Precaução. Nunca
se sabe. Têm vermes por toda parte. Verme nas coisas, vermes no ar, vermes na
política, em todos os espaços.
Quando
voltei Birita estava na mesa . Dei o
maior abraço nele. Gritei para seu Zé trazer mais uma.
-Tá diferente! Birita disse me olhando de frente.
Baixei os
olhos sem encarar. Ele é daqueles pretinhos que se ficar no escuro só vemos os
olhos. Usa o cabelo baixinho. Mas tem bom físico. Quase virou jogador. Um
problema no joelho bateu esse sonho. Agora anda mancando da perna esquerda.
Ele tava
careca. Os olhos um pouco apagados.
-Deve ser o cabelo que estou deixando
crescer, eu disse.
-Não. É outra coisa que eu ainda não
notei.
Ele tinha um
tique nervoso também. Depois que ele foi preso pela primeira vez com uma grande
quantidade de crac. Essa porra é louca.
Quem usa perde o equilíbrio, anda
parecendo que está dando curto circuito. Ficou magro. Olhos fundos.
Eu levantei
os braços e coloquei sobre a cabeça. Fiquei rindo esperando o que ele ia dizer.
-Pentelhos porra! Tá cheio de pentelhos
na cara e no sovaco.
Olhamos
surpresos de onde vinha aquela voz.
-É o Epaminondas! Gritamos juntos.
Saímos correndo até o passeio.
Epaminondas
tinha jogado a mochila no chão e tava de braços abertos para nosso lado.
Corremos e abraçamo-lo. Um abraço demorado.
-E a voz ta parecendo homem, Birita
completou. E caímos na gargalhada.
Tomamos umas
quinze cervas e comemos umas porções de torresmo. Tínhamos muito que planejar.
Colocamos as novidades em dia. No fim penduramos a conta. Seu Manuel chiou, mas
pendurou.
Birita fez
sinal imitando uma arma. Insinuando um assalto.
Eu balancei
a cabeça em negativa eu disse que seu Manoel era parça.
-Deixa pra lá, Epaminondas disse.
Hoje é só festejar.
Epaminondas
tava meio estranho. Algo frio no olhar. Ficou olhando para o final da rua um
tempão. Depois falou mudando completamente a cara.
-E aí o que você andou fazendo perguntou Epaminondas olhando pra mim.
O olhar dele
era de um velho. A pele branca, seca e pálida. Tinha os dedos marrons de
nicotina.
Eu respondi
que estava limpo. Mas que o dinheiro do último assalto ainda estava escondido e
muito escondido na quebrada.
-Temos de aumentá-lo disse
Epaminondas.
Birita
acenou com a cabeça.
-Bom, mas a festa só está começando
disse Epaminondas. -Hoje eu quero é
comer umas bocetas. To seco. Onde tem um local por aqui?
-Ali ó, no puxadinho da Marlene eu
disse, apontando a esquina depois do ponto de ônibus. - Só tem uma coisa... Ela
tem uma filha de quinze aninhos o maior pitéu, mas nem chega perto tá. Estou de
olho faz tempo.
Ele ficou sério.
Eu olhei para eles. Dez anos trancados. Pareciam
dois Zumbis.Só agora que conseguiram uma saída provisória.
-Porra, você deve tá só na punheta em
viado! Tá cheio de espinhas! Disse Epaminondas com a voz rouca.
-Deve bater uma todo dia prá filha da
Marlene completou Birita.
-Vixe. Uma de manhã e uma a noite eu
disse. Não podia achar ruim com a brincadeira.
Houve um
silêncio pesado.
-Sabia que quem bate muito, nasce
pelos nas mãos, disse Birita rindo.
É uma brincadeira antiga, mas eu caí. No
reflexo eu olhei.
Eles caíram na risada.
Eu pensava
em estudar. Sabia que a vida de bandido durava pouco ou nada. Seria o ultimo serviço.
Subimos o
morro rindo, um brincando com o outro e quando chegamos ao topo o sol se
escondia atrás da montanha. No lado oposto, uma linha dourada dividindo o céu e o mar.
-Vou tomar um banho, colocar uns
panos massa e um pisante na moral e caprichado.
Deitei na
cama. Depois eu ia também. Fiquei olhando o teto um tempão.
-Quem é o manda chuva aqui no morro agora, perguntou Epaminondas
saindo do banheiro.
-Tem dois. Um é o nêgo
Dendê eu disse. Sabe o cabo Hildebrando? O nêgo Dendê pegou ele numa
tocaia e cortou todinho de bala.
Passei o
rodo no banheiro. Detesto tomar banho em banheiro molhado.
-E o outro perguntou Epaminondas.
Limpei o
cabelo do sabonete. Tive que tirar com a unha.
-O outro é a milícia. São duas
facções. Vivem trocando bala quando se encontram, disse. Quando sai ele estava enrolado na toalha. Abriu a mochila.
-Aí, pega essa camiseta azul. Coloca
aí. Jogou para mim.
Eu coloquei.
Olhei no espelho. Ficou bacana.
-Fica pra você ele disse. Pega esse
tênis também.
Era um Nike
preto. Calcei. Olhei.
-Porra demorô eu disse.
-Agora sim ele disse. Tá parecendo um
moleque de responça. Toca aqui. E batemos as mãos.
Birita veio
do quarto.
-Falta isso.
Birita pegou
um vidrinho de perfume e esguichou em nós.
O cheiro de
perfume tomou conta do barraco.
-Mulher gosta de homem cheiroso ele
disse.
-Não, quem gosta de homem é viado.
Mulher gosta de dinheiro, disse Epaminondas sorrindo.
Entramos na
casa da Marlene. Rolava um funk batidão e umas minas dançavam na pista. Outras
espalhadas pelo salão.
Sentamos nos
fundos. A luz escura.
Uma delas
aproximou-se e ofereceu um show de Striper. Era uma morena com a bunda
avantajada.
Pedimos três
caipivodcas .
A morena subiu ao palco. Acendeu uma
luz sobre ela.
Uma luz
começou a piscar e ela começou a dançar segurando numa barra de ferro. Rodopiou
um tempão. Tirou as botas de cano longo.
Ficou de ponta cabeça para mostrar em detalhes sua anatomia. Eu
acompanhava a música com a cabeça. Tum
Tum Tum Tum . Um som tão alto que doía o coração.Depois de várias voltas e fingimento enfim ela tirou a blusa. Jogou em
nossa direção. Os peitos tinham as auréolas pretas e bicudos. Puro silicones eu pensei.
Hoje as
mulheres são artificiais eu pensei. É difícil achar uma natural. Os peitos ficam duros e quase inertes, sem gravidade.
Ela segura
os seios com as duas mãos. Dá um rodopio e fica de costas.
Faz um
alongamento tocando as palmas das mãos no chão. Sobe lentamente e começa a
tirar a calcinha preta fio dental. Quando tira escancara a bunda para nosso
lado. Deve ser isso que os ginecologistas olham todo dia. Devem ficar enjoados.
Quando chegam em casa nem querem trepar. Os pentelhos dela era um emaranhado de
fios enrolados, mas ela tinha uma estética das antigas estátuas gregas. Vi
algumas nas praças públicas.
Epaminondas põe a língua para fora. Birita
finge que está gozando. Eu viro minha vodka goela abaixo.
Sinto um calor subir.
Terminado o
show Birita falou alguma coisa no ouvida dela e sobem a escada se manipulando.
É foda vida
de puta, eu penso. Não tem escolha.
Eu e
Epaminondas ficamos por ali jogando conversa fora.
-Vocês não querem se divertir? Marlene se aproximou fumando um cigarro. Epaminondas
empurrou uma cadeira com o pé. Ela sentou-se. Vestia-se com uma mini saia
justíssima.
Era uma
coroa bastante enxuta. Cabelos pintados de louro. Vê-se que não é loura legítima pelas
sobrancelhas.
-O menino aí deve querer ele me aponta
para mim.
Ela
levantou-se e sentou-se sobre as minhas pernas. Faz um movimento erótico.
A perereca deve ter pelos escuros, pensei. Querem
parecer loiras, pois a fama é que as loiras são mais quentes. Se enganam os otários. Quem faz a mulher é o homem.Elas não me
enganam não.
Tomo mais
uma. Era para dá coragem. Seguro-a pelas coxas. Puxo a mini-saia um pouco para
cima.
-Que mãos frias ela diz, para
completar logo depois, -mas coração quente. –E você garanhão ?
-Eu quero algo mais, disse Epaminondas
balançando o gelo no fundo do copo.
-As garotas daqui estão todas espalhadas
pelo salão disse Marlene. Se tiver que sair da casa tem que pagar o dobro.
Eu pego na
xana dela por cima da calcinha.
Ela era uma
mulher tarimbada. Continuou.
-Aqui mantenho todas as mulheres gabaritadas
e saudáveis... falava como se fosse produtos. Aponta com o dedo mostrando a unha
longa.
-Tem uma novinha da Bahia ali e a outra
acolá do Espírito Santo. Todas filé mion. Peitinhos pequenos, xoxotas
depiladas, xaninha apetadinhas e fazem boquetes como ninguém...
-Quero novidade disse Epaminondas.
Nisso a
filha de Marlene veio até ela pedir alguma informação. Tiro ela do meu colo.
-Oi Soninha eu digo.
Soninha vestia-se
com uma calça legue preta. “Essas porra dessas calças deixam as mulheres muito
gostosas eu penso. Aumentam o bumbum e dá um volume extraordinário a perseguida.
Fica parecendo um capô de fusca tala larga ano meia nove e todo envenenado.
Acenou com
um sorriso para a gente e saiu o mais rápido possível.
-Não disse que tinha escondido, disse Epaminondas sorrindo.
Marlene
ficou vermelha.
-Essa, meu filho, vai ser doutora ou
juíza, não é para o seu bico, disse.
-Pois fique sabendo que amanhã
estarei rico e aí veremos.
-Essa não tem preço, disse Marlene
ficando de pé. Disse ainda para nos aproveitarmos e saiu para o bar.
Bebemos até
o cu fazer bico.
Voltamos
para o morro.
Lá para as
tantas, Epaminondas saiu.
Bicho doido
pensei. Fui dormir novamente.
Soube depois
que ele tinha ido direto para casa de Marlene.
Quando ele
chegou o salão ainda tinha luz, música e risadas. Assim ele aproveitou e cruzou
todo o jardim. Foi até a última janela e forçou um pouco e ela cedeu.
Segundo ele Soninha
lia algo na cama. Era o livro de poesia
que dei para ela.
Ele não deu
tempo e pegou-a por trás. Ela tomou um susto e tentou gritar. Ele abafou sua
boca. Fica quieta ele disse apertando uma faca em seu pescoço. Se for boazinha
e cooperar sai dessa numa boa.
Talvez ela
tenha dado um soluço nesse momento. Vai saber.
Durou uma
meia hora ela falou, quando ouviu os passos de sua mãe na escada. Aí ele
vestiu-se rápido e saltou pela janela ganhando a rua. Ele contou tudo isso numa
galhofa.
Madalena
ainda viu um vulto passar pela janela, mas se entreteve em vê Soninha aos
prantos.
-O que aconteceu minha filha? Ela
perguntou apavorada.
-Nada mãe, esquece!
Ele havia
dito para ela que se contasse para alguém, voltava e matava as duas. Mãe e
filha.
-Quem saiu daqui, foi aquele amigo de
Felipe?
Com muito
custo Soninha contou.
-Foi sim.
-Te machucou filha?
-Não mãe!
Soninha não
parava de chorar.
-Aquele miserável me paga gritou
Madalena!
Epaminondas
aquela noite ainda andou a esmo por mais duas horas nas ruas. Quando chegou a casa
eu comia um pão com salame vendo um programa na TV.
-Come aí parceiro eu ofereci.
-Tô sem fome, ele disse.
Olhei-o de
esguelha.
-E aí saiu ontem?
-Ah! Sim.
-Foi onde?
-Na boate de Marlene.
-Viu Soninha?
-Não só vi, mas ficamos numa boa
moleque!
-Conta como foi?
-Subi pé ate pé até o quartinho dela...
-E aí? Mordi o pão com força.
-A bonequinha estava só de legue
preta.
-Caralho porra! E aí?
-Fui pra cima dela. Porra não te
conto. Era virgenzinha.
-Puta que pariu e você comeu?
-Tudinho atrás e na frente.
-Porra! E ela deixou?
-Não queria...
-Porra não te avisei caralho! Quando Marlene souber vai te matar.
-Eu acho que quem ta se doendo é você mermão!
-Não é isso caralho, a mina é gente boa
e a mãe não queria que ela entrasse na vida!
Epaminondas
se levantou. Empurrou-me sobre a parede. Eu chutei seus culhões.
-Quando Marlene souber vai mandar te
matar seu Mané!
-Já soube parceiro! Ela quase me pega no
flagra. Só deu tempo de vestir a calça e correr. Até deixei a cueca para trás.
Birita
entrou empurrando nós dois.
-Puta merda! Que porra é essa?
-Esse porra aí, estuprou a Soninha!
-E o que tem isso seu babaca? Um dia
ou outro ela ia transar.
-Mas com quem ela queria otário! Filho
da puta!
-E quem disse que ela não quis? Ela
vivia com roupas curtas pra cima e pra baixo...
-Isso não é de sua conta seu bosta eu
disse com ódio.
-Bom,
não quero falar mais disso. Vamos pegar
os trabucos e ir para o trampo disse Birita.
-A hora é boa disse Epaminondas.
Colocamos
umas toucas ninjas no bolso, o trabuco no meio das pernas e vestimos uns
blusões para disfarçar.
Fazia frio.
Roubamos o
carro do primeiro otário que parou no
sinal cutucando o celular.
-Perdeu! Perdeu! Eu gritei. Eu estava
com ódio de tudo. Era capaz de matar qualquer um.
O cara
assustou-se e saiu correndo. Largou o celular em cima do banco.
Eu peguei a
direção. Eu olhei o celular do cara no banco. Uma mensagem piscava.
Dizia: O que
foi amor? Parou de falar repentinamente? Aconteceu algo?
O cara tinha
um amor. Eu não.
Nada bem. Estou no transito. Mais tarde te ligo.
Escrevi.
Escrevi excitado. A garota estava em meu poder.
Birita
olhava o transito. Epaminondas jogado no banco de trás.
Vejo a
mensagem dela:
KKKKKKKKK!
Eu mandei um
coraçãozinho vermelho.
Encostamos
no Carro forte e Epaminondas com o trabuco para fora:
-Encosta
Encosta ele gritou. Perdeu! Perdeu!
Encostaram. Não eram trouxas. Saltei do
carro ainda em movimento e quase caí de cara no asfalto. Encostei o cano da
metranca na portinhola e gritei que se não abrissem ia atirar na lataria até ela ficar furada igual escorredor de arroz.
Abriram a porta traseira e eu peguei o que pude. Dois sacos com dinheiro até a
boca. Birita também pegou. Epaminondas demorou. Tava mamado o puto.Quando ele
voltava correndo eu já tava acelerando
foi quando ouvi o pipoco. Bum. Foi escopeta eu gritei. O segurança se escondia
atrás de um poste. Epaminondas rateou as pernas com o buraco que fez nele bem
no meio das costas. Levantou os braços e caiu em câmera lenta. Dobrou os
joelhos e deu de cara no asfalto. Aí eu acelerei. Bem feito pensei.O segurança ainda
deu mais dois tiros. Bum bum. Eu dobrei a esquina em duas rodas. Não vi mais
nada. No oitavo quarteirão Birita saltou
na quebrada. Tínhamos combinado assim.
Dirigi mais
ou menos uma meia hora pela zona sul. A polícia acha que em bairro de rico não tem
pilantras. Só tem.
Quando veio
o silêncio, nenhuma sirene nem helicópteros parei perto de um condomínio e
peguei novamente o telefone. Ela ainda estava on line. O namorado não teve
tempo ainda de bloqueá-lo pensei.
Escrevi: Oi
amor!
Um porteiro
acenou para mim abrindo o portão eletrônico. Esses bostas não podem ver um
carro importado. Balancei o dedo dizendo que não ia entrar. Ele fechou
imediatamente.
“Oi” a
mensagem piscou na tela. Dei um tempo.
“Vamos nos
encontrar?” Escrevi.
“É o que
mais quero, mas sua mulher não ia chegar hoje?”
Porra e essa
agora eu pensei. O cara é casado com outra. Pilantra hem!
Cliquei na
foto dela. Garota linda. Não tinha mais de quinze anos. Calculei.
“houve um
contratempo”, escrevi.
Rapidamente
apareceu um coração vermelho pulsante.
Mandei uma
carinha sorrindo.
“Posso te
pegar agora”, escrevi. Temos a noite inteira pela frente. Ela só chega amanhã
ao meio dia.
“Você deve
estar brincando!”
Não estou
respondi. Mandei um coração também.
Estou no
meio de uma aula.
É só dizer
que vai ao banheiro e sair, escrevi.
Já fui.
Inventa uma
desculpa qualquer...
Demorou uns
segundos:
Então me
pega na lateral do colégio.
Um
quarteirão depois eu disse.
Ela mandou
uma mãozinha curtindo.
Esqueci o
nome do colégio.
Colégio
Esfinge a mensagem dizia.
Olhei no
GPS. A voz disse para seguir pela esquerda. Eu segui. Levei dez minutos.
Ela entrou e tomou um susto. Tinha
cheiro de hortelã. Mascava chiclete e parou.Travei as portas. Falei para não
gritar. Não me mate ela disse. É só você não fazer besteira eu disse.
Tomei a
direção das praias. As ondas vinham branquinhas quebrarem na areia. A saia azul
escuro dela um palmo acima dos joelhos. Mulher que usa saia acima dos joelhos é
vagabunda dizia minha mãe que Deus a tenha.
Eu não acho. Ela tem cara de inocente.
Entrei num motel. Quando entramos no quarto é que deu para
observar a garota. Não era feia. Era linda. Vestia uma camiseta branca meio
transparente. Mandei ficar pelada. Tirei
minha roupa também. Obriguei ela entrar na banheira comigo. Coloquei a metranca
em cima duma mesa.
-Vem, faz um oral em mim eu disse. Se
morder eu arrebento sua cara.
Enquanto ela fazia eu pensava em Soninha.
Quando senti que ela estava bem mais relaxada mandei sentar em minha rola e
mexer devagar. Ela tinha os movimentos precisos. Não deixava sair totalmente e
sentava-se devagar até ir no fundo. Segurei o gozo umas duas vezes.
Fomos para a cama.
-Está com medo de mim eu perguntei.
Ela não
queria conversa. Eu gritei:
-Quando faço sexo quero que olhe para
mim!
Aí ela
olhou.
Me beije eu
disse.
Ela me
beijou.
-Tá com medo tá?
-Agora não mais ela respondeu.
Quando a
enforquei antes de morrer eu vi a decepção nos olhos dela.
Fui direto
para a casa de Marlene. Escondi a grana no quarto e saí para dá fim no carro.
Deixei bem longe e voltei de metrô.
Na estação
ouvi o repórter policial falar sobre o assalto, que morreu dois bandidos e o
terceiro evadiu-se. Porra eu disse. Vão com Deus parcas. Deram mole.
A grana
agora é só minha pensei. Não tenho ética. Não tenho moral. Não tenho nada.
Tenho dinheiro.
Voltei para
o quarto. Marlene contou o que eu já sabia sobre a filha e Epaminondas.
Eu digo que
ele teve o que mereceu. Contei da morte dele. Um tiro nas costas que atravessou
ele. Vou ao quarto de Soninha. É um quarto todo rosa de princesa. Quando chego ela se joga em meus braços e chora.
Não vejo
diferença entre a Soninha e a garota.
Nunca mais
vou ter condições de amar ela dizia. A carne dela toda tremia. Eu também.
Com o tempo
se esquece eu falei sem convicção.
O cheiro
dela era bom. Eu podia aproveitar dela. Ela estava frágil. Ela deitou perto de
mim e pediu para eu fazer cafuné. fiz dormir. Eu digo para ela que agora tenho
dinheiro e que o dinheiro era nosso e que sou de maior e que o futuro estava a
nossos pés.
Não sei se ela escutou. Ela ajeitou o corpo no
meu e dormimos de conchinha até as dez.