A arte imita a vida
O menino escutou a notícia pela tia. Valha meu Deus!, Seu Manuel sofreu um derrame e agora está na mesa de cirurgia. Tá morre e não
morre.
Esta notícia o abateu, justamente na hora que ia jogar a
bola de gude à valer. Tinha apostado
tudo, coitado. O dedo tremeu na hora do último buraco.
Pedrinho aproveitou e
gritou limpo!, O burro quando viu que ia errar era só ter gritado
sujo!
E aí tinha alguma chance. Mas não! Perdeu. O adversário rindo. Entregou as bolinhas que amava.
Também pudera! Seu
Manuel era seu pai.
Nem terminou o jogo,
coitado. Saiu correndo esquecendo-se até dos chinelos, tinha consertado no dia
anterior com um prego.
“Filho não fique por aí, estude, estude, é a única coisa que
vai te diferenciar dos outros!”. Martelo na cabeça. Ouvia.
Quando chegou a casa, encontrou a mãe, na cozinha,
esfregando as mãos uma na outra, as tias sentadas no sofá, os primos
esparramados pelo quintal, sem respeitar seu canto, e a chaleira de café no
fogo. Ela o abraçou e danou a chorar.
Nos olhos tudo. A tristeza.
É a vida ! É a vida! Diziam.
É bom dizer que Silvio era meu melhor amigo, e depois que um
tio dele disse-lhe “esse menino no mínimo vai ser um escritor, ele é detalhista!”,
ele passou a agir como tal e anotar tudo.
Ele tinha um caderno de capa grossa que não deixava ninguém,
mas ninguém mesmo chegar perto. E quando ele se viu em casa esse dia, trancou-se
no quarto.
Agora são 10h e 30m “Meu pai sofreu um derrame! Agora é
esperar a vontade de Deus disse minha mãe!” Esperar é o que resta. Ajoelhei e
rezei.
O dia logo chegou ao fim e no outro dia foi visitar o pai.
14 h - “Meu pai parecia um robô de guerra nas
estrelas. Tinha tubo enfiado na boca e no nariz. No monitor corria uma linha
trêmula acompanhado pelo som de um bip. O som da respiração era de filme de
terror, quando a mocinha estava com medo. Minha mãe não quis comer comida de hospital e eu tirei a barriga da
miséria”.
6h- uma semana depois- “Trouxeram meu pai numa ambulância.
Antes já tinham preparado o quarto com uma cama de ferro daquelas de hospital e
colocado penico embaixo”.
11h-“O quarto do meio ficou sendo o mais
visitado. Numa mesinha de cabeceira ficava entupida de remédios e cheiro de
álcool”.
15 h -Um dia,um mês, não lembro- “Depois de um tempo indo
até a porta e voltando, tive coragem de entrar, aproveitando que meu pai estava
só. Nesse dia segurei em sua mão, a que não estava amarrada. Faziam isso,
segundo eu soube, era para ele não se machucar. Ele apertou muito e eu quase
chorei. Os olhos dele estavam parados, ausente. Dizem que ele pode saber tudo,
tenho minhas dúvidas”.
16h- "Uma esperança pousou. Ela ficou na janela um tempo, veio voando do jardim e entrou no quarto pela janela entreaberta. Esse fato nos deixou sorridentes".
16h do outro dia- "Ele faz fisioterapia para recuperar algum movimento".
09h mês de junho- "Ele não recuperou nenhum movimento. Alimenta-se por sonda, faz xixi por um cano. O cabelo branqueou todo. Deve ser por que agora não pode pintá-los.
16h do mesmo dia- "Não te conto nada! Hoje ao escurecer veio um camaleão e comeu a esperança.
18h três meses depois- "Plantei um feijão num copo dois dias atrás. Hoje olhei. Tem uma folhinha e umas linhas que deve ser raiz. Acho que brotou. A árvore só precisa de água para viver. A gente é muito complexo.
09 de domingo- "Plantei o feijão no jardim. Ele agora tem duas folhas."
09 h segunda feira- " O pé de feijão perdeu uma folha. Estava nas costas de uma formiga. Fiquei com ódio dela! Vou ficar mais de olho".
09 h primeiro dia de férias- A rama do feijão invadiu as roseiras, e subiu a janela do quarto. Meu pai não viu. No tempo que ele andava ainda, era responsável em tirar todas as ervas daninhas".
12 h segundo dia de férias- "Tudo depende de cuidados. O jardim, as plantas e principalmente meu pai".
16h- "Uma esperança pousou. Ela ficou na janela um tempo, veio voando do jardim e entrou no quarto pela janela entreaberta. Esse fato nos deixou sorridentes".
16h do outro dia- "Ele faz fisioterapia para recuperar algum movimento".
09h mês de junho- "Ele não recuperou nenhum movimento. Alimenta-se por sonda, faz xixi por um cano. O cabelo branqueou todo. Deve ser por que agora não pode pintá-los.
16h do mesmo dia- "Não te conto nada! Hoje ao escurecer veio um camaleão e comeu a esperança.
18h três meses depois- "Plantei um feijão num copo dois dias atrás. Hoje olhei. Tem uma folhinha e umas linhas que deve ser raiz. Acho que brotou. A árvore só precisa de água para viver. A gente é muito complexo.
09 de domingo- "Plantei o feijão no jardim. Ele agora tem duas folhas."
09 h segunda feira- " O pé de feijão perdeu uma folha. Estava nas costas de uma formiga. Fiquei com ódio dela! Vou ficar mais de olho".
09 h primeiro dia de férias- A rama do feijão invadiu as roseiras, e subiu a janela do quarto. Meu pai não viu. No tempo que ele andava ainda, era responsável em tirar todas as ervas daninhas".
12 h segundo dia de férias- "Tudo depende de cuidados. O jardim, as plantas e principalmente meu pai".
16h seis meses depois-“Domingo passado ele recebeu uma
visita, e quando essa visita entrou no quarto meu pai caiu no choro. Foi a
primeira vez que o vi chorar. Meu tio ficou desconsertado”.
18h-“A verdade é que meu pai e esse tio
têm uma rixa antiga, coisa de família”.
12h- cinco anos depois- “Meu pai alimenta-se por sonda. É a
dieta que o médico passou. Creio que é para dar-lhe saúde. Aprendi saber se tudo esta normal. Sua urina é
bem clara, sinal que está bem tratado, bem hidratado. A respiração calma, a
pele lisa sem feridas. Ah! Ia me esquecendo. Fiz quinze anos hoje.
1h da manhã-“Meu pai acordou soluçando. A
cuidadora falou que não precisava se preocupar. Era somente um sonho triste”. Esse
dia eu não consegui dormir. Fiquei pensando na eternidade. Alguém teria uma
vida tão boa que desejasse a eternidade?
6 da manhã de um dia qualquer- “A cuidadora estava
dando banho nele. Era para ter higiene, para não dá feridas, para ele ficar
mais confortável. O corpo parado ele fica doente. Quando morto deteriora”.
12h- 10 anos depois -A
casa voltou à normalidade. Todos entram e sai, conversam sobre qualquer
assunto, dão risada, eu me acostumei com ele deitado, os olhos fixos, o volume do corpo sob os lençóis brancos, os
cabelos branquinhos...
Meia noite de um dia de lua
qualquer: Agora passo os dias
trancado no quarto.
“Numa manhã ao despertar de sonhos
inquietantes, Gregor Samsa, deu
por si na cama transformado, em algo indeterminado”.
18h- Hora do Angelus,
com a ave Maria de Gounod – A canção rompe as barreiras,
atravessa os muros, os corações...
12 h de uma manhã fria-
Minha mãe bateu á porta. Filho
venha comer algo! Não fique nesse quarto o dia todo fechado! Pode adoecer! Ela
estava pálida. -Sim minha mãe, estou lendo um pouco, daqui a instantes irei.
Aquela voz suave! Gregor, teve um choque ao ouvir a sua própria voz
responder-lhe, inequivocamente a sua voz, é certo, mas com um horrível e
persistente guincho chilreante como fundo sonoro...
17 de setembro- Aniversário
de meu pai- A casa era silencio. Só o
tic e tac do relógio da sala. Oitenta e
seis anos. Manhã fria de setembro. Eu estava na sacada lendo. Minha mãe falou: Coitado, faz 12 anos...12 anos... Toda uma
vida! Ficamos calados. Depois ela saiu.
Continuei a leitura.
Pensou na família com ternura e amor.
A sua decisão de partir era, se possível, ainda mais firme do que a da irmã.
Deixou-se ficar naquele estado de vaga e calma meditação até o relógio da torre
bater as três da manhã. Uma vez mais, os primeiros alvores do mundo que havia
para além da janela penetraram-lhe a consciência. Depois, a cabeça pendeu-lhe
inevitavelmente para o chão e de suas narinas saiu um último e débil suspiro.
13h – Uma quarta feira santa- Um telefonema:
"-Mamãe...
-O que é que tem? -
-Ela...
-Fala!
-...
-Nossa mãe se foi...”
Nota do autor:
Encertos do conto A metamorfose de Kafka.
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