O anúncio
Vende-se
romance escrito no século passado. O mesmo abarrotado de fatos e mitos relevantes
sobre a humanidade: paixões, intrigas, guerras e principalmente desamores.
Odiar é
nossa especialidade. Li e gostei muito.
O romance em si é sobre a vida de personagens que
trombamos nas esquinas do dia a dia, das vizinhanças e que acaso passaria
despercebidos se não fosse o olhar atento do poeta que anotou e cantou suas
poesias e o fixou em folhas de pergaminho diariamente.
Inédito e único. Pronto para ser publicado. A
não ser que o felizardo comprador queira mudar personagens e título. O título
está bem ao gosto do público atual. “ A pobre
vida rica do Sr. Y”.
Saliento que em tempos normais eu mesmo a
publicaria. Mas estamos passando tempos difíceis onde a direita escoiceia e a
esquerda rumina. E como a ideia da obra é instigante e alem do seu tempo, temo
ser perseguido pelos fins do meu dia.
Então o comprador terá de ter duas virtudes essenciais: Coragem e poder.
Então o comprador terá de ter duas virtudes essenciais: Coragem e poder.
Além disso,
sou avesso a fama, por mim o jogaria no fundo de uma gaveta da cômoda velha que
ocupa o lado esquerdo do meu quarto, bem perto da janela onde todo dia vejo o
sol morrer. Mas eu acho um descalabro
deixar a arte assim presa, arte tem que ser livre como o vento, que às vezes
sopra mansinho e ameno outras vezes vem como um furacão levantando o mofo e a
poeira escondidos.
Por isso estou pondo a venda essa relíquia
citado em várias obras como uma lenda.
Os títulos foram diversos, por exemplo: A relíquia, O grande romance, O abutre
e tantos outros se pesquisarem com
afinco as escritas do tempo de Hamurabi lll na coleção de Alalaque
ou nas literaturas indiana, chechena e
russa.
O único ser
vivo que folheou essa escritura foi a senhora X que era esposa do senhor Y. E Se ela foi personagem, penso que sua vida
foi um escândalo feliz.
Dizem que ao ler o primeiro parágrafo ela olhou fixamente para um canto, deu um gemido e em seguida lágrimas transbordaram em borbotões pela face pálida. Depois leu dia após dia até o ponto final, quando por fim o escritor deu o trabalho por terminado. Isso levou justos oitenta e seis mil e quatrocentas horas, que foram marcadas na lateral de cada página com um traço de sangue . Quando chegou ao fim, ela olhou pela janela, e viu que já entrava o outono o cheiro da primavera já se esvaíra e o vento sacudia a copa das árvores as folhas caindo murchas pelo chão.
Dizem que ao ler o primeiro parágrafo ela olhou fixamente para um canto, deu um gemido e em seguida lágrimas transbordaram em borbotões pela face pálida. Depois leu dia após dia até o ponto final, quando por fim o escritor deu o trabalho por terminado. Isso levou justos oitenta e seis mil e quatrocentas horas, que foram marcadas na lateral de cada página com um traço de sangue . Quando chegou ao fim, ela olhou pela janela, e viu que já entrava o outono o cheiro da primavera já se esvaíra e o vento sacudia a copa das árvores as folhas caindo murchas pelo chão.
Quanto tempo se passou ali, perguntou-se. Não houve resposta. Assim ficou mais dez anos em transe pensando na morte da
bezerra. Nesse dia fazia um calor descomunal ventava muito. Seus gemidos foram abafados pelo barulho das cigarras de
outono. Desconfio que romance tocou-lhe n´alma.
Penso até em
suas digressões:
“Como pode
alguém se perder assim na vida sem uma obra construída, cega as coisas que
aconteceram ao redor, onde andava o grande amor, os filhos os
netos, as guerra?
O que fazer com essa dor, essa solidão que a devorava e que fazia olhar insistentemente por uma janela talvez a ver a luz surgindo todo dia no horizonte?”.
O que fazer com essa dor, essa solidão que a devorava e que fazia olhar insistentemente por uma janela talvez a ver a luz surgindo todo dia no horizonte?”.
Não tenho
certeza se os lamentos de X , foram esses,
se mesmo as lágrimas enfim, foram provocados pelo romance. Sei que o
primeiro parágrafo o mestre usou a técnica que para mim soa perfeito, a
métrica, o ritmo e cita algo vago como a eternidade, o amor, esse tipo de coisa
que foge entre nossos dedos, mas, que é forte chamariz dos que virão, e sem ao
menos avisar, preparar, escreve o último parágrafo, como um êxtase e nos planta um soco no estômago e quando a dor vem e ficamos tontos nos fala
de coisas reais e indescritíveis como a morte,
para no parágrafo seguinte falar de sonhos, sonhos e sonhos. Ah como sonhamos! A vida só vale pelos sonhos que tivemos. Os realizados ou não, não importa. O que importa a estrada.
Se tirarmos os
sonhos de nossas vidas o que restaria?
Somado isso
ele nos leva pela mão com segurança e até certa volúpia e desdém nós, os pobres
e comandados leitores. Somos uma corja de apaixonados. Ovelhas nas mãos de
lobos. O uivo do poeta nos chama de longe, como um encanto. E caímos em suas garras. Gostamos até de sermos devorados, estrangulado, até a última gota de sangue.
Há de se
imaginar também que tais lágrimas poderiam ser devido ao açoite do vento na
vidraça ou a imagem das folhas caindo murchas ao chão ou o ciclos interminável
da natureza, inverno, outono, primavera e verão, dia e noite, noite e dia, ou pelos cabelos brancos em desalinhos do
velho escritor sentado de costas trabalhando
arduamente em vão como as estrelas que não aparecem de dia, abafadas pela luz do sol e ele no
limbo a espera de uma rima que não vinha ou pela crise existencial, esse lobo
que uiva sem parar nas noites de lua cheia ou o trote do tempo que lá vai
rápido como um potro negro.
Isso tudo
são algumas imagens fúteis que ela nos traz com seu olhar condescendente. O
importante está na alma. As imagens são construídas pela alma. Quem dá cor à
cena é o sentimento. A felicidade é colorida e as imagens são grandes e
próximas. A tristeza é cinza. Sentimos tão pequenos quando cinza.
Encontrei
esse calhamaço de papel numa viagem ao Egito. Numa pirâmide ainda desconhecida
pelo grande público. Trouxe escondido numa mochila correndo todos os riscos. O
fiscal da alfândega olhou para mim e falou algo, eu fiquei em silêncio e parado
como um soldado em posição de sentido. Pois sei que a fala nos corrompe e a
escrita nos entrega.
Assim foi.
Fiquei um
ano sem saber o que fazer com aquela obra original.
Escrevo
algumas crônicas em jornais e tenho o meu blog na internet, mas juro por deus, jamais,
digo jamais escreveria uma obra dessas. E as também hoje pessoas preferem as redes sociais às
convivências reais. É fato. Tudo parece
está dominado. Na rua não se cumprimentam. Andam como robôs ouvindo coisas nos
fones de ouvidos. E o tempo cavalga em galope rápido e constante como um jovem
potro negro.
E arte meus
amigos, ela olha-se para dentro, e busca no seu interior sua própria mensagem.
Se uma criança sorrir é por que é o que ela tem de expor. Se alguém chora é que
foram tocadas em suas feriadas. Arte é espelho que reflete sua alma.
Assim, em
virtude disso exposto, ofereço a quem der mais, as mil e uma laudas escritas
por grande mestre, vaticinando o futuro,
que essa obra, sem sombra de dúvidas, será o maior sucesso de público.
Ofereço total
segredo para que o comprador possa mudar personagens, título e assinar da forma
que quiser como sendo sua a obra e usufruir os louros da fama.
Tenho a
absoluta certeza que esses personagens ganharão
o mundo. E eles que em suas vidas normais não foram citados em colunas sociais(
notas que só alcança o ego das bestas) em conhecendo-se suas desventuras,
amores, paixões e morte, serão de grande
relevância na história.
E o dono do
título com certeza o levará ao tão
cobiçado premio Nobel de literatura, ficando ainda com a parte que a maioria
deseja( improfícuo em minha opinião ), terá
direito ao fardão na academia, o chá das
tardes com os iguais, notas em jornais, mulheres fáceis e dinheiro.
Podem até
acharem que é utopia vendê-la dessa forma, uma resma escrita à mão. Escrito muitas vezes á luz de velas como já
disse o escritor, “ouvindo estrondos de bombas caindo ao redor quando
participei da primeira guerra mundial como soldado raso, guerras que eu não arranjei, mas combati com afinco
e escrevi algumas linhas dessas com o coração disparado à espera da hora correta de subir as trincheiras e
estripar o inimigo. Não é glória estripar alguém como a um porco. Mas fazemos assim mesmo,com sangue
frio.
Outras vezes
escrevi no lombo de um camelo em caravanas pelo deserto do Saara. Participei
até de uma viajem com “El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha” e
ouvi de sua boca, “Senhor, uma andorinha só não faz verão.” Por um mês andei
assim o seguindo em suas batalhas. Por fim quando cansei de sonhar ele me falou
com sua figura triste: “Cada um é como Deus o fez e ainda pior muitas vezes”.
A partir
desse ponto seguimos calados uns duzentos quilômetros. Foi quando ele parou no
cimo de um monte e soltou essa: “Esse meu mestre, por mil sinais, foi visto como um lunático,
e também eu não fiquei para trás, pois sou mais pateta que ele, já que o sigo e
o sirvo, se é verdadeiro o refrão que diz: ‘diga-me com quem anda e te direi
quem és’ e o outro de ‘não com quem nasce, mas com quem passa’.”
Eu já não pensava
direito, via imagens nas planícies. Então para não enlouquecer decidi seguir
sozinho. Ele ainda disse: “A liberdade,
Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Com ela
não podem igualar-se os tesouros que a terra encerra nem que o mar cobre; pela
liberdade, assim como pela honra, se pode e deve aventurar a vida, e, pelo
contrário, o cativeiro é o maior mal que pôde vir aos homens.” Sancho
ouvia tudo calado.
A imagem deles
que ficou comigo foi de dois pobres diabos ricos em sonhos. Nunca mais nos
cruzamos novamente.
Outras vezes escrevi na cabine de um navio,
singrando mares com um capitão louco para matar uma baleia. Quase morremos
sendo comido por canibais.
O Conto de
Genji é considerado o primeiro romance literário do mundo, de autoria atribuída a fidalga
Murasaki Shikibu, escrito no começo do século XI, durante o Período Heian da
história do Japão. Mas com essa descoberta tudo cairá por terra. E isso, só
isso trará muitas confusões, abalará estruturas, egos e etc.
Faço tais citações
para saberem o quanto é grandiosa a obra.
Para que vocês
fiquem certo que esse negócio é certo pois nessas páginas encontrarão sangue, suor e lágrimas.
São muitas noite solitárias. E o comprador terá livre arbítrio de colocar
os capítulos na maneira que lhe aprouver. Assim ficará livre do ônus da obra.
Principalmente das críticas. Terá o nome cantado em canções e operetas. Até Camões, não sei como como, escreveu
certas coisas que confrontados hoje, parecerá plágio.
Fernando
pessoa, veja bem, na criação de suas personalidades teve com certeza influências.
E pop fim o comprador fundamentalmente não terá obrigação nenhuma com a arte, pois será
mera mercadoria, - um produto comercial, -um escambo e assim como disse o
escritor no prefácio, “Cedo-vos o alimento da alma, cedes-me o alimento do
corpo.
E ficamos
quites.
Está aberto
o leilão.