Os dois violinos
Na noite em que completava dez anos
de casamento e que acabara de receber um buquê de flores vermelhas, Luíza recebera
um telefonema em que uma mulher dizia peremptoriamente: “Seu marido é um
monstro. Eu o reconheci hoje na televisão. É um torturador frio e sórdido!”.
A mulher não diz mais nada e desliga.
Luíza senta-se para não cair. Abaixa o fogo das trempes e põe as mãos na
cabeça.
Justo agora que Francklin recebera a medalha de honra ao mérito e
estavam tão bem. Parecem coisas de invejosos, pensa.
Vai até a mesa de centro e reler o
cartão:
Parabéns para nós e para nosso casamento! Você é a esposa
mais querida, fofa e amorosa que algum dia poderia imaginar ter na vida. Sou
feliz ao seu lado e tenho certeza que sempre serei. Te amo, meu bem.
Assinado:
Francklin Moura Scarpa
Luíza é uma mulher bela de trinta e três
anos, arquiteta e dona de casa exemplar. Conheceu Franklin quando ele apareceu
no escritório dela em busca de um projeto. Foi amor a primeira vista. Desses de
novela ou contos de fadas.
Conheceram-se em janeiro e casaram em
maio do mesmo ano no mês das noivas, escolha dela, numa capela simples de um
pequeno povoado. Só amigos mais chegados escreveram no convite.
Volta à cozinha a tempo de evitar um
acidente iminente. A filha de três anos
que deixara sozinha para atender ao telefone. Estava atarantada.
Grita:
- Camila! Já te falei mil vezes para não fazer isso! A
filha assustou-se. Continua:
-Não pode fazer isso entendeu? Entendeu?
Justo na
hora que Franklin chegava da corrida e
a viu chacoalhando a filha daquele jeito.
-O que aconteceu?
-Essa maluca quase se queimou no
fogão! Por um triz!
Acontece que
ele sabia conquistar qualquer um, principalmente a filhinha dele.
-Monta aqui no papai vai! Fica de
quatro.
Camila de
primeira não quis. Mas sabe como é criança.
-Vem
senão o “vavalo” dá um coice!
Fingiu
acertar a ponta do pé na filha. Uma loirinha encantadora de três anos.
Ela abriu o sorriso e montou nele.
Brincou um tempão.
Franklin pensa: “Que diacho deu
nessa mulher? Ela nunca tratou a filha dessa maneira!”.
Subiu as escadas correndo.
A mulher vai atrás. Fecha a porta do
quarto.Liga a televisão.
-Você ainda não viu? Veja você mesmo.
Uma mulher falava para um jornalista,
o quanto sofrera na mão de um torturador. Contava em detalhes como fora
torturada, dias a fio, e se encontrava arruinada física e psicologicamente pelo
homem chamado “Chacal”. Tinha a foto do homem.
Seu querido Franklin, amor da sua vida, seu marido.
Franklin desligou a TV. Não fala nada, pega a
toalha, entra no banheiro, pede que Luíza coloque um vinho na mesa e prepare
algo saboroso para comerem. “Do chuveiro diz simplesmente: Sou inocente. Vou
provar”.
Luíza preocupada desceu para a cozinha,
ficou pensando, enquanto preparava algo, se por acaso conhecia a fundo o seu
marido. A resposta não veio assim de pronto, verdade sejam ditas, existem
pessoas que não se deixavam conhecer, se surpreendeu saber que Franklin era
uma incógnita para ela.
Não, não o conhecia.
E agora não podia fazer muito, estava
na casa da praia um chalé construído sobre uma rocha sólida. Ele comparou essa
casa com o casamento deles. Como disse seu marido orgulhoso quando comprou, longe
de tudo e de todos, mas o importante é que nosso quintal abre-se para o mar.
Realmente uma vastidão de mar.
Preparou a mesa para dois. Dois
pratos dois talheres um vinho e duas taças de cristal.
Esperava agora na cabeceira da mesa
arrependida de não ter colocado um sonífero no vinho. Ele pegaria no sono e ela
e a filha escaparia incólume.
Mas por outro lado, precisava
acreditar nele, ouvir ao menos a história dele, dá um voto de confiança, afinal
todos são inocentes até se provar o contrário.
Isso a confortou
momentaneamente.
Porém
não restava dúvida que uma noite de amor não teria nenhum sentido. Assim não
colocou nada diferente, por exemplo: nos anos anteriores tinha comprado lingerie
novas e cremes massageadores.
Assim Franklin chegou de roupão. O perfume do shampoo encheu o ambiente. Colocou uma
música ambiente para não acordar Camila. Escolheu a “Sinfonia da despedida” de
Joseph Haydn. Tem uma pequena história sobre. Ele vai contar.
Encheu as taças de vinho e brindaram
a saúde, à vida e ao a amor enquanto a sinfonia
dava os primeiros estribilhos.
Franklin sempre fez questão de contá-la para as pessoas: Ele se
orgulhava de conhecer a maioria das obras clássicas. Olhando para o fundo da taça começou:
“Havia uma
lei no império húngaro para que os músicos fossem ao palácio de Esterhaza
no início do verão, sozinhos sem famílias para várias apresentações. Eles
ficavam o verão inteiro sem vê-los e morriam de saudades dos seus. Inconformados,
pediram que Haydn intercedesse de alguma forma ao príncipe.
Então ele fez essa obra
prima como protesto político. Durante a obra os músicos vão saindo e quase no
final Haydn também deixa o palco e ficam somente dois violinos quase inaudíveis.
Assim o príncipe entendendo o recado
diz:
“Meu caro
Haydn, entendi a mensagem! Os músicos têm saudades de casa... Muito bem! Amanhã
fazemos as malas...” e liberou os músicos.
Com essa pequena estória a música fica mais bela. Prestamos mais atenção.
A música
assim se eternizou pelos séculos.
Agora é tarde para arrependimento
pensou Luíza.
Franklin já havia tomado duas taças. Ele veio em sua direção. Ela
ficou em pé esperando-o. Ele a agarrou pelo queixo e a beijou na boca e nos
seios. Com a volúpia dos violinos.
Colocou a cara no meio de suas coxas.
Mordeu, lambeu,beliscou e babou. Num impulso arrancou a calcinha. Ela está
fria. Seca de sentimentos. A flor não acolhe, encolhe.
Notando isso Franklin pega seu
membro como se fosse um arco de violino
e como um exímio violinista, que antes de tocar, passa o breu, que tem o efeito
de produzir o atrito entre as cerdas e as cordas, gerando o som, ele passou
lubrificante em seu membro rígido e a penetrou a força.
Os violinos estão agora alucinantes. O breu
fez o efeito desejado. Ele gozou. Gozou dentro da ferida recém aberta.
Depois separam-se rispidamente. Um para cada lado.
Os instrumentos vão parando um por
um.
Como fora bom o sexo outrora, Luíza pensou.
Agora só sentiu asco. Nojo dele e de si mesma.
Ele veste-se e entorna na boca o resto
do vinho.
Sobe as escadas, lento, ouvindo as últimas estrofes. Em fá maior.
Depois desce transtornado.
Descabelado.
Os violinos rugem como um choro. Um lamento.
-Onde ela... O que houve? Nossa filha?
Luíza pergunta chocada.
Tudo terminado, ele diz. A última
sinfonia. Podemos ir para casa.
Vem em sua direção. Coloca as mãos em
seu pescoço e vai apertando...Apertando. Ela desfalece.
Agora só a voz dos violinos em
uníssono.
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