quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

   
                                              Camaleões

Camaleões são pertencentes à família Chamaeleonidae tem como
Característica o mimetismo, e são seres solitários.









A jornalista olhou fixamente, e perguntou de chofre:
        
        -Como surgiu a ideia das anotações? E se foi a partir dessas anotações, bizarras ainda, no meu entender, que o senhor chegou a tão elevada casta de escritores conhecidos e lidos mundialmente?
O Jovem escritor participava de uma mesa redonda, no canal liberdade, organizada, no intuito de debater arte, programa este voltado ao público jovem e estudantes em geral.
         
      -Bom só para pontuar, eu não acho as anotações bizarras. Acho sim, bastante infantil, e lutei com unhas e dentes para não serem impressas. Mas o valor que a editora ofereceu foi irrecusável!
        -O senhor pode falar esse valor aproximado?
        -Impossível! Aí serei pego pelo imposto de rendas e acossado pelos credores. Aqui ele deu uma gargalhada.
        -Mas continuando... aquilo tudo é inerente a todo jovem daquela idade.
Aqui uma psicóloga questionou:
        -O senhor não foi prematuro?
        -Com o ato de escrever?
       -Não! Sexualmente falando.
       -Não! Olha para a platéia, Não creio. Sorri novamente. A platéia apóia.
      -E sobre seus desenhos? O que diz deles?
       -Bom... coça a cabeça, -eu sempre gostei de desenhar, saía assim de forma livre. Se tem alguma pertinência com o que eu escrevia? Acho que sim. É o micro cosmo no macro, entende?
        -E quanto a história das anotações? Volta a perguntar a jornalista.

        - Bom... A história é longa e remete bem ao início de minha vida como ser, vivente, de homo sapiens.
A jornalista sorriu. Os dentes brancos. Vestia uma saia azul escuro, que apertava suas ancas, e uma camisa masculina branca de linho quase transparente e dela brotava uma fragrância inebriante.
O escritor se ajeita na cadeira. Veste um terno cinza em corte italiano. No pulso um relógio suíço, os cabelos pretos e curtos e bem aparados na nuca.
          -Bom, por mim eu ficaria ouvindo-o por horas a fio, mas o senhor há de convir que um programa com duas horas de duração, terá que fazer uma síntese, e creio não terá dificuldade alguma pelo que já falei... Seu nível de escrita, seu gabarito...  Com certeza no final tudo ficará esclarecido.
        -Tudo bem. Vamos lá. Eis as anotações.
Ele entregou a ela um calhamaço de papel roto, enrolado em fitas crepe.
O título em caneta esferográfica:
     “Anotações, desenhos e qualquer coisa de minha vida”.
Embaixo em vermelho:   Isso é segredo de confissão.


“A turma havia marcado uma reunião urgente. Saí cedo de casa, o local era longe, no bar de Seu Nilson. Seu Nilson é o apoiador de nosso time e responsável pela guarda de nossos troféus. Fica sobre a geladeira e enrolados em plástico azul, para os mosquitos não sujarem nosso orgulho. E tínhamos bastante, nosso time era endiabrado. Todos diziam.

Era final de março e o sol forte no azul do céu limpo, como gema de ovo em prato vazio.  Puta que pariu! Merda de sol tava de lascar. Escaldava os pés. Um inferno aberto. No centro. Abrasador. Olho a própria tristeza.  Para dentro e debaixo. Fecho os olhos para não cegar. Faço caretas. Uma bola de fogo.  Os paralelepípedos quentes sem dó.  Nem uma alma na rua. Só eu, maluco. Pareço preá fugindo sobre os lajedos. Fugindo dos carcarás. Fugindo do Belzebu.
      -Vixe!
Corro de um lado a outro caçando sombra para não queimar os pés. Tenho pressa. O convite foi curto e grosso: “Reunião urgente”, Só. Eram assim as mensagens da turma quando ia discutir alguma coisa. Só tivera uma antes.
Foi o ano passado. Birita nos chamou na rua até a casa em ruínas. Aquela casa abandonada da esquina. Pois então.
A casa dos cheiros estranhos, de fezes, de urina, de água parada. Lugar onde os vadios e pedintes faziam suas necessidades. Era uma casa em construção, parada a muito, tinham batido só a laje, os tijolos nus, sem piso e sem janelas. Algumas ramas de melão de são Caetano entraram e a abraçava por todos os lados. Era fácil encontrar a sabiá laranjeira comendo melões ou fezes pelo chão. Pegávamos para vender. No alçapão. Dava um bom dinheiro. A gente aguentava aquela podridão por que ficava perto do rio, e dali a gente via as lavadeiras nos afazeres diários. A partir daí virou ponto de encontro onde podíamos discutir qualquer coisa longe dos adultos.
Lembro vagamente, pois a memória falha e não fixam cenários, somente alguns cheiros e cores, como um sonho, as coisas de trás pra frente atemporal.
Naquele dia, entramos com cuidado olhando os cacos de vidros no chão e quando subimos na laje deu para ver o rio correndo, tal uma cobra serpenteando no vale brilhando como espelhos. Birita pediu silêncio. Era assim quando era algo secreto.  Nosso coração batia forte. Apontou o rio. As lavadeiras chegando. Foram deixando as roupas sobre as pedras e levantavam as saias para não molhar. Algumas ficavam de roupas íntimas ou nuas na correnteza. Aguçava nossa curiosidade. Ficávamos olhando um bom tempo. “Minha mãe não!”, gritou Jeguinho. O negrinho perebento que gostava de jumentas. Birita jogou uma pedra nele. E quem quer olhar sua mãe? Têm outras muito melhores!
O céu azul e o sol derretendo. As lavadeiras batiam a roupa na pedra dura e a sujeira saia. Como temos sujeiras. Haja sabão para limpar tudo. Depois colocaram no quaradouro para ficarem branquinhas.
Birita acocorou-se. Ele tinha os pés chatos e curtos, sujo de poeira, sempre descalços, o braço forte de menino de recados, de quem trabalha na roça, cabelo loiro e crespo como vassoura de piaçava. Os olhos eram escuros e sem brilhos de quem já viu tristeza. Pai desconhecido.
A mãe de Jeguinho apareceu perto da casa, nua em pelo, bem na margem, o sol brilhava em sua pele escura e molhada cintilando brilhos multicores, e aí Birita olhou fixamente, arriou o calção, os olhos vidrados.
      -Ninguém vai bater para minha mãe não! Gritou novamente Jeguinho. –
      -Deixa, deixa Jeguinho, disse Tonhão, vamos esperar o motivo dessa reunião e depois vamos vê!”Tonhão era daqueles moleques magro e comprido e o rosto cheio de espinhas.
      -Isso é por mode de que não é sua mãe!
Aí vimos Birita abrindo a boca e fazendo contorções invulgares.  Sorria e seu rosto estava meio pálido. O que é que ele queria pensei.  Ele cuspiu mais na mão e manipulou vertiginosamente.
      -Eita porra, falei. O que é isso outro dissera na ocasião.
      -Olha aí isso, gritou novamente Jeguinho. -Ele ta fazendo para minha mãe! Isso é sacanagem. Vou bater uma para sua irmã também!
Dei um cascudo para ele calar-se. Agora a mãe de Jeguinho andou de costas.
Nisso Birita ficou fazendo umas caretas esquisitas, parecia que ia desmaiar igual o seu Jorge quando caia na rua com epilepsia e ficava estrebuchando.
Depois rindo chamou todos:
-Olha aqui!
-O que, perguntei.
-Isso ó! Branco que nem leite!
-E que é que tem?  
-Não vê que já sou homem?   -Já sou homem porra!
Quiabo até ali calado disse debochado:
      -Era isso que queria mostrar para a gente? –Já era meu chapa! Todos aqui temos!  Rimos da cara dele.  
-Isso não é novidade para a gente.
Ele fechou a cara e gritou:
      - Ah! É? Então provem!  
A gente tava tudo suado, além do sol esta de escaldar tinha a emoção de ver um monte de mulher peladas. Olhamos entre si.
-Vamos provar sim! Eu disse.
Aí tiramos nossos calções, cuspimos em cima e tocamos uma verdadeira sinfonia.
      -Duvido quem joga mais longe! Gritei.
A parede ficou branca. Birita com raiva pegou a gosma e jogou em nós. Apesar de ele ser meu melhor amigo aquilo tinha sido demais. Não pensei duas vezes. Plantei um chute na bunda dele. Ele quase chorou. Era para aprender a respeitar os mais velhos. Ele era o mais novo. Gritamos na época.
      -Chamou a gente para isso? - Perder nosso tempo! Ele quis correr.
      -Agora tem que pagar prenda! Gritei.
      -Não! Não! Ele dizia. Todos aprovaram!
      -Têm sim, os outros gritaram.
      -Então uma prenda fácil! Ele disse. Eu pensei numa coisa que ninguém tinha feito. Pedi silêncio. Votamos! Uns queriam que ele chupasse nosso pau, outros que ele comesse um naco de merda, mas o que ganhou foi meu palpite E falei:
      -Ele tem de provar da gosma! Ele quase chorou.
      -Isso não! Isso não! Ele gritava. Dissemos juntos.
      -É melhor pagar a prenda senão vai tomar cascudo de todos!
 Ele pensou, pensou e resolveu:
      -Tá bom!  Com muito custo ele passou o dedo na gosma e enfiou na boca.  Fez cara de vômito. E falou:
      -Olha! Bater uma é muito bom! E quando temos a porra é muito melhor! Diz meu tio que se fizer demais fica magro e nasce cabelo na palma da mão.  Mas a sensação é boa demais! Parece um desfalecimento, é como tomar refrigerante com muita sede, sentimos milhões de bolinhas subindo nossas cabeças.  Não vou parar não! Pode nascer cabelo, ficar magro, nem quero saber.
Aí olhou para Jeguinho. Prosseguiu.
      -Ainda mais vendo uma mulata daquelas!
Jeguinho partiu para cima querendo briga, mas a turma apartou e tudo ficou bem. Aí ele completou:
      -Agora o gosto dessa porra! Puta que pariu, que coisa ruim... Parece detergente!
Caímos na gargalhada.
      -Agora chupa aqui, mostrei.  
Aí ele saiu correndo. Corremos atrás e mergulhamos no rio.
Depois dessa, o melhor era refrescar a cabeça.
Desde esse dia que ficamos estranhos. Queríamos andar sozinhos, mais calados, mais na solidão. Senti um elo se arrebentar, deixei para trás as histórias da carochinha que tanto gostava e os meus velhos gibis. Aprendi o prazer solitário, passei a ser mais egoísta e ter mais maldades. Os sonhos agora eram reais, tinha cheiro, gosto e gozo. E a vida ficou divertida.
Quando não tinha nada para fazer, era só ir num lugar deserto pensar numa mulher, nas coxas dela, nos peitos e na penugem negra delas e arrebatar-se.
A partir desta descoberta aflorou em mim uma vontade de escrever coisas, e passei a anotar no caderno.
 Caderno de anotações:
“Agora que me tornei homem, a visão de qualquer fêmea dá-me arrepios e pensamentos obscenos”.

     
Realmente eu estava mais circunspecto e furtivo. Era como olhar uma montanha e ter o desejo de não só admirá-la, mas chegar perto, subir até o cume, escalá-la por inteira. Descobri que se você tiver na ponta da língua o nome da garota e sussurrar baixinho, o gozo é mil vezes maior.
Atravessei correndo a praça.  Vejo vultos nas janelas. Cada casa tem seus membros, cada membro suas vidas e toda vida seus sofrimentos. Não podia perder tempo com mandados ou prosas. Por isso passo batido. Os mais velhos gostam de pedir favores. Vai ali ao mercado, trás para mim um fubá ou um maço de cigarros, dá um recado a seu tio, pequenas coisas que eles não gostam de fazer. Eu gostava, pois ganhava uns trocados.
Lembro do dia que meu avô pediu-me para eu comprar pão. Essa é boa. Vai escutando. Ele disse: Toma o dinheiro, segura com cuidado e trás o troco certinho. O dinheiro andava difícil. O sertão estava todo seco e as criações morriam. Era uma tristeza só. Eu saí correndo. Sempre fazia as coisas correndo. Passei a casa de seu Manoel, graças a Deus o cachorro tava preso na corrente, o sino tocou nove vezes um som metálico fino e seco.  Salto as raízes das castanheiras que fica em volta da praça, quase atropelei uma bicicleta, olha por onde anda moleque gritei, ele me respondeu, vai tomar no cu, olha que eu te pego moleque seu fiduma rapariga gritei e peguei duma pedra e joguei com toda força. Por um triz, eu não furei a cabeça dele, o filho de uma égua. Ia dá problema, mas eu não era de fugir de problemas; eu era o problema. Mas deixa para lá. Isso não interessa a ninguém. Cheguei à padaria. Quero seis pães e o troco, disse. A atendente tinha uma calça apertada. Os cabelos pretinhos. Ela era bem branquinha. Enquanto ela contava os pães eu a olhava. Era bem fresquinha. Uma marca pequena da calcinha. Tentei adivinhar a cor. Entregou-me os pães e sorriu. Um dente quebrado.  Azul eu disse. O que? Ela perguntou. Nada. Falei sem querer. Fui saindo. Ela pensou e chamou. Parei estupefato. O troco menino.  As abelhas voejavam sobre os pães doces. O cheiro dela era doce.  Lembrarei desse cheiro. Do dentinho quebrado também. Era assim que eu fazia. Coletava dados para criar a personagem para meus sonhos. Um umbigo, um cheiro, um olhar, um pelo, qualquer coisa para ter verossimilhança. Mais o nome estaria completo. Por isso eu voltei cabisbaixo e perguntei.
      -Qual seu nome?
Ela sorriu de novo. O dente quebrado.
      -Para que você quer saber meu nome? Quer me namorar é?
A voz esganiçada. Pegou no meu queixo. As unhas pintadas de vermelho. Uma diabinha ela. Eu quase corri. Deu vontade. Mas fiquei calado, acabrunhado, o rosto esquentando.
      -Já sei!  Você quer me namorar?
Observei também que ela tinha suor debaixo do braço assim bem lá nela. E mais: penugens no sovaco. Ela deve ter seus quinze anos, calculei. Eu já sabia que mulher com essa idade já tem um amontoado de pentelhos cobrindo a fenda. Eu já vi nas revistas.  Em posições espetaculares. E cortavam os pelos de vários padrões. Muitas vezes ficava só uma tirinha bem fininha. As poses nas revistas eram principalmente para mostrar os orifícios. As negras são roxas. As outras rosadas. Eu prefiro poses comportadas. Ficam bem mais legais mais humanas. Tem que ser como contar uma história. Eu faço assim: Inicio com uma frase simples, pode ser até sem sentido algum, como quem não quer nada e depois vai soltando devagar, tipo comendo pelas beiradas, entende? E quando menos se espera chego ao final. Pode ser um final espetacular ou deixar em aberto. Isso atrai mais curiosidade. Prende mais a atenção. Gosto da poses comportadas, as pernas devem esta juntas, o olhar deve simular algo, para que nossa curiosidade fique mais instigada. É lógico que eu sei que as revista vendem mais quando mostram tudo. Tem umas que parecem flores. É bom ficar alisando assim uns pentelhos como se fosse um gato angorá.
       -Não é?
A voz de Amanda trouxe-me à realidade. Na maioria das vezes sou assim, oitenta por cento sou ilusão. Sou um menino como disse minha professora de religião, introspectivo. Ela disse isso quando falava de Adão e Eva no paraíso, que eles andavam pelados, ainda não tinham vergonha de nada, depois que experimentaram da fruta proibida, que caíram no pecado. Eu fiquei pensando que essa história era do mesmo quilate dos que falam que masturbação cresce pelo na palma da mão, emagrece, essas coisas para nos colocar freios.   
      -Quer namorar comigo não é? Fui acordando novamente. Meu rosto pegava fogo. Eu queria cair num buraco e sumir. Mas não arredei pé. Nem quando ela falou o nome no meu ouvido e deu-me um beijo na face.  
      -Amanda! Chamo-me Amanda!
Caderno de Anotações:
                 “É imprescindível nomear os personagens.”

           
Meu calção aumentou o volume. Fechei as pernas para esconder. Aí corri como um coelho. Amanda! Amanda! Amanda! Ia repetindo para não esquecer. Acho que ela ainda me chamou. Nisso trombei com um velhote. Ele fedia a cigarro de rolo. Disse para eu tomar cuidado por que a pressa é inimiga da perfeição. Eu parei e fiquei contando às moedas que tinham caído no chão. Uma a uma. O velhote aproximou e perguntou por que eu não jogava aquelas moedas no coelho. Eu ainda falei olhando para o chão que não via nenhum coelho por ali, aliás, aqui só tem preá.  Ele era cambista do bicho aí eu entendi. Que coincidência, eu pensando no coelho, correndo igual coelho e o velhote fala isso para mim, deve ter alguma coisa aí. E sorte como diz minha mãe vem uma vez. Joguei. Todas as moedas na cabeça. Coelho.
Passei o dinheiro para o homem. Ele passou um papel para mim. Depois disse que era para eu esperar uns cinco minutos que já ia correr. Muita gente aproximou. Era uma casa de jogo de frente ao mercado central. Tinha gente de todo tipo principalmente as lavadeiras que voltavam do rio, pescadores, aposentados e pequenos comerciantes. Giraram a roda. Passava os bichos rapidamente. A águia, o avestruz o burro, a borboleta, cachorro, cabra, camelo, cobra aí meu coração disparou. Passou a primeira vez pela minha cabeça e se eu perdesse, por que não pensei antes, meu avô me mata, nisso passou o coelho novamente, o cavalo, o elefante, o galo, o gato, jacaré, leão, e a roda ia perdendo velocidade, o velho acendeu um cigarro, os dedos amarelos da nicotina, e ficou pitando num canto, tremia os dedos, de novo passa o macaco, o porco, minha mão suava, o volume de meu calção baixou e era só silêncio na sala.  Só o tec tec tec tec da palheta da roda batendo nos metais que dividiam os bichos, todos coloridos. Passou agora o pavão, o tigre o urso, minha cabeça rodava, Amanda era o nome dela e passou o viado, passou a vaca, aí escureceu minha vista. Quando voltei o cachorro passava e eu segurei na grade para não cair e a roda foi perdendo velocidade. Cabra, carneiro, cobra, camelo, e coelho! Gritaram: Deu coelho na cabeça! Eu tremia que nem vara verde. Minha mão suava. A maioria do povo rasgava os papéis.  Fui ao balcão e mostrei o bilhete ao banqueiro. Ele arregalou os olhos!
      -Quem te vendeu menino!
O velho estava quase dando um troço.
      -Fui eu patrão o outro falou. Desculpou-se. -Eu jurava que era dinheiro fácil!
      -Mas você não sabe que criança não pode jogar? E agora? E agora o que é que eu faço?
Eu balancei o papel e gritei!
      -Paga! Todo mundo riu. Até o velhote. Ele não teve alternativa.
Quando cheguei à casa de meu avô ele tava deitado na espreguiçadeira. O penico cheio de urina. Estava bem fedorento e amarelo. Dava-me asco. Ele abriu os olhos. Perguntou-me o porquê da demora.
      -Cadê os pães que te pedi?
      -Coloquei em cima da mesa.
Puta merda. Estava suando.
       -E o que é isso? Meu avô apontou para o pacote. Entreguei o pacote.
      - Ganhei no bicho! Coelho na cabeça!
Trinta vezes mais o que ele me deu.
      -Você ganhou no bicho? Arrumou-se na espreguiçadeira como quando queria ser bem entendido. E olhou-me com aquela cara magrela. E ficou rindo com a boca sem dente. A dentadura tava dentro de um copo com água.
      -Pega um pão ali e come menino.
      -Não vô eu já comi em casa!
Que nada eu tinha era nojo da urina no penico e da dentadura no copo. Ele enfiou a mão no pacote tirou duas notas e me entregou.
      -Você merece.
Eu coloquei dentro do calção e saí correndo. Depois guardei junto com meus gibis.
Caderno de anotações:
“Amanda é o amor da minha vida! Tenho vontade de abraçá-la, de beijá-la. Até por sinal teria coragem de chupá-la toda. Dos pés a cabeça.”
                   
 As cabras pastavam a grama esturricada enquanto os chocalhos tocavam no como um cortejo. Era para não fugirem. Quem fugiria dali?  Enfrentar esse calor, a caatinga, os gemidos das cigarras que nos deixava tontos?
Mais na frente avisto o filho de Nego Chico em sua cadeira de rodas. Pastorando o feijão que secava ao sol. Era toda a riqueza da família. Era para o ano todo. Cumprimento-o com um aceno. Passo agora a padaria. As abelhas voejam em volta do açúcar e dos bagaços de cana. Amanda lá dentro atendendo os fregueses. Eu passo sempre aqui na frente. Faço uma volta grande só par vê-la. Virou amor platônico. Tenho coisas para falar para ela, mas estou criando coragem. Ela acena para mim. Eu aceno de volta. Por enquanto isso basta. Alguns porcos pela rua deitados no esgoto a céu aberto. Chuto o traseiro de um para me dá passagem. É um “cachaço” dos grandes. Quer me morder. Ôxente! Corro.  Salto o muro do cemitério. Caio sentado do outro lado. Uns carrapichos agarram na minha mão. Tiro de um em um. Sempre pego esse atalho. Todos fazem isso para chegar ao morro do “galo assado”. Passo entre as cruzes do finado Silvestre e de Dona Ana. Dizem que viraram fantasmas. Mas não tenho medo de assombrações.  Nem ligo. Os mortos não me metem medo. Mesmo por que aqui reina silêncio e paz.    Quando passo correndo, um ventinho arredio levanta algumas folhas a minha passagem. Paro numa sombra para descansar. Um juazeiro bem no meio da planície. É como um oásis. Foi minha professora que disse: O açude Mãe d’água é um oásis no sertão. Nunca mais esqueci.
Devo explicar esse amor platônico se por acaso amor tem explicação. Quando vi Amanda tudo bateu. O rosto dela, aquele sorriso, as mãos, os dedos compridos, as pernas grossas, e o cheiro dela. Aí minha vida virou ao avesso. Quando ia para escola pegava o caminho mais longo só para vê-la. Colocava as chinelas, estava aprendendo a andar com elas, e a camiseta por dentro do calção como via nos filmes de Mazzaropi. Meus pés suavam e as chinelas saíam e meu andar era de urubu no frio. Aí passava todo sisudo, na padaria, acenava para ela, ela para mim.
Na missa de domingo a via passar com aquele pano na cabeça a coisa mais linda a caminho da comunhão. Para comungar com Deus primeiro tinha que se confessar, disse minha mãe. Eu queria também.  Então no sábado eu ajoelhei na frente do padre e contei meus pecados: “Eu falei mal minha mãe de nomes feios, desejei que se meu pai fosse vivo ele morresse da pior morte possível e ontem eu desejei... desejei... desejei...” Pode completar dissera o padre, “-tudo que se fala na confissão torna-se segredo. Aí eu falei:
-Eu desejei muito uma menina. Calei emocionado. Como consegui dizer isso!
O padre abanou a cabeça e mandou rezar três Aves Maria e dois Padres Nosso.
No domingo fiquei na fila esperando receber o corpo de cristo. Mas os olhos eram para Amanda. Ela de mãos postas. As unhas pintadas de vermelho os seus dedos compridinhos. O padre colocou o corpo de cristo na minha boca.
      -Mainha como faz para receber, a hóstia eu perguntei no dia anterior.
      - Você fica sério, abre a boca e estica a língua, não tanto, só um pouco. O mais importante. Não pode mastigar.
Eu esqueci e mastiguei. Tinha o gosto de pão. Eu pequei. A missa terminou e a gente ficava brincando no pátio, em volta da igreja. Numa dessas voltas eu vi Amanda beijando um cara mais velho. Parei estupefato, dei meia volta e fugi para casa.
-Foi por que eu pequei meu Deus! Fui chorar no banheiro.
Depois para me vingar cuspi na mão e fiquei manipulando devagar, para cima e para baixo e quando na hora h eu falei bem assim: “Ai Amanda meu amor, minha vida, do dentinho quebrado e do cheiro doce”. Foi bom demais.
Caderno de anotações:
           “Você morreu para mim! Vou esquecer-te para sempre”.

    
Agora desço um morro íngreme, passo a curva da grande aroeira onde gosta de pousar os gaviões, e depois o rio. Atravesso a ponte suspensa e chego ao bar de Seu Nilson. Vou cumprimentando todos tocando na mão e sento na cadeira escolhida para mim.  Na cabeceira da mesa.  O radio está ligado e todos em volta. Os meus feitos dão-me certa autoridade. Pensa bem. Eu que saltei primeiro da torre do açude. Eu que roubei as hóstias do Padre Rafael. Eu que primeiro beijei de língua. Eu que imitava a assinatura nos boletins, eu que matava mais passarinho. Tudo isso conta num grupo de meninos.
 Seu Nilson tinha colocado uma jarra de Qsuco sobre a mesa. Pão doce também.
      -Vai começar o jogo?
O radio estava sobre a mesa. Era a válvula. Seu Nilson disse que pegava até rádios do estrangeiro. E era verdade. Um dia a noite ele ligou. Tinha gente do outro lado falando outra língua. Eu sabia que era japonês por que já tinha visto muito filme de guerra e eles eram o inimigo
Ficamos calados atentos a escalação.  
“O excrete canarinho vai jogar essa partida final com a Itália, no estádio, Azteca, um lindo estádio de futebol aqui na cidade do México. Faz uma temperatura agradável e a seleção canarinho vem assim escalada: No gol Félix, Tonhão sorriu. Quando ele pegava uma bola gritava, agarra Félix! O locutor prosseguia: Carlos Alberto Brito, Piazza, Clodoaldo, Everaldo, Jairzinho, Gerson, tostão Pelé e Rivelino.
Nosso Rivelino era Birita. Quando ele ia chutar todo mundo saía da barreira. Ele chutava de bicudo. “As duas seleções em campo, mais de cem mil pessoas, o estádio lotado para essa partida que ficará na história.
 Roia minhas unhas.
“Deu início à partida. O locutor parecia emocionado. “Tostão toca para Pelé, ele carrega a pelota toca para Everaldo, Everaldo para Tostão que chuta por cima da baliza. Tiro de meta para Itália”.
      -Brasil vai ganhar de dois, eu disse.
“O que você acha do jogo até agora meu caro!” O locutor para o comentarista.
Comentarista: “Olha nesse início o Brasil jogando para frente, mostrando toda a sua categoria, mas tem que ter cuidado, pois a Itália é traiçoeira. E não chegou a final por acaso”.
“Piazza domina no peito coloca a pelota no chão, toca para Clodoaldo, Clodoaldo dribla um e toca para tostão, chutaaaaaaa! Para fora. No estádio Azteca cidade do México o relógio marca o tempo... dezessete minutos do primeiro tempo! No placar Brasil zero, Itália também zero.”
Tá foda hem! Se fosse eu, disse Birita, driblava um, cortava para a esquerda e dava um bicudo no ângulo.
“Lançamento para Tostão, domina a pelota sai pela lateral. Bate para Rivelino que cruza para a área. Pelé sobe mais do que o centro four cabeceia, no canto. É gooooooooooollllll!” Goool do Brasil. “Setenta milhões em ação, pra frente Brasil salve a seleção”. Pelé aos dezoito minutos do primeiro tempo. Agora no placar, Brasil um, Itália zero. Vale dizer que esse jogo está sendo transmitido via Embratel pela primeira vez para a televisão a cores. “O nosso presidente Médici está acompanhando atento de Brasília.”

Entrei para coroinha a fim de ver Amanda aos domingos. Vestia aqueles paramentos, uma batina vermelha que ela quando me viu abriu a boca num riso e depois ficou séria. Foi quando eu fui confessar a segunda vez. Contei os mesmos pecados e o padre, um italiano grandão, mandou-me rezar três padre nosso e três Aves Maria. Como não tinha mais ninguém o padre chamou-me na sacristia. Ele tirou o Amito, um pano em volta do pescoço, tirou a batina, tirou a Alva foi que eu vi o padre em forma de homem, melhor dizendo, de tênis e calça jeans. Aí ele sentou-se e mandou que eu sentasse também.
      -Sua mãe, esteve aqui, falou de você, do seu pai...
      -Não quero falar sobre isso!
      -Ela pediu! Seu pai meu filho, pode ter morrido na guerra sim!
      -Não acredito! Ele deve ser sim um homem covarde que não quis assumir!
      -Olha filho esse tempo, o Brasil passando por uma ditadura...
      - O que é ditadura?
      -Esse governo meu filho! Fechou o congresso, aboliram os direitos dos cidadãos, essas coisas que é melhor você nem entender. Você é uma criança. E essa ditadura meu filho, já consumiu com muitos... e quem sabe seu pai não foi um deles, afinal pelo que dizem ele tinha idéias comunistas!
      -O senhor o conheceu padre?
      -Não filho, só pelo que os outros falam!
Eu olhava para o chão, uns mosaicos bonitos que formavam desenhos entre si.
      -É melhor você esquecer-se disso, pensar em seu pai com amor e tocar a vida para frente. Queria fazer uma proposta para você! Surgiu uma vaga de coroinha, você não quer assumir? É fácil. Seria nos sábados e domingos.
E aí comecei roubar hóstia do padre. Vinho também. A igreja lotada fica bonita, mas sem ninguém é triste e tem cheiro de morcegos. A escada que dava para a torre era alta e de lá dava para ver a cidade inteira. Gostava de ficar ali, ver o cemitério. “Terá mais mortos no mundo que vivos?”
Caderno de anotações:
                      “ Tudo depende do ponto de vista”.

                              
“A zaga toca com tranqüilidade para Clodoaldo este tenta um calcanhar, aí não meu filho, aí não é lugar de brincadeira, Bonisegna recupera a bola e chuta. Gol da Itália”.
      -Puta que pariu esses gringos são foda! Seu Nilson foi buscar mais guaraná.
Terminou o primeiro tempo.
Birita aproveitou para falar. Abriu um caderno onde tinha as anotações.
Uma letra de forma grande com o título:
Doações para o grêmio recreativo “Estrela do Mar”. Era o nosso time.
E mais embaixo com letras de imprensa.
Mercado modelo --à seis cruzeiro, 
Armarinho de Dona Sílvia à sete,
 Buteco de Seu Osmar à nove,
O carroceiro à cinqüenta centavos,
Dona Abigail do Puteiro à dois cruzeiros
 Venda de gibi de Tarzanà cinco cruzeiros
 Venda de bolas de gude coloridasàum cruzeiro
O açougueiroà miúdos para a farofa,
Seu Belarmindo do mercadinhoà dez saquinho de suco de groselha,
O padeiroàCem pães dormidos
O farmacêuticoà vitaminas c
Totalà Estava em branco.
Birita coçou a cabeça. Não era bom de matemática. Seu burro eu disse! Como vai tomar conta da caixinha se não sabe somar! Quase dei um cascudo nele para ele aprender. Faz isso não falou seu Nilson. Por sinal ninguém ali sabia ao certo. Pegamos uma folha e ficamos somando. Quebrando a cabeça. Noves fora... A gente gostava era de putaria. Era olhar as vizinhas em pelo, correr atrás das cabritas nos pastos... essas coisas que dá felicidade, que trás mais pecados ,mas que é bom! Sei que sou pecador.
Seu Nilson notando nossa peleja veio por trás e ficou calculando de cabeça. Ele era um esperto tinha feito o Mobral. Vivia em volta de sua caderneta de fiado. Cobrava juros. “São trinta cruzeiros e cinqüenta centavos!” Disse. Suspiramos aliviados. Dava para comprar a bola que tanto queríamos mais um padrão de camisa amarelas da cor do Brasil. Avante Brasil! Gritamos.
Por sinal a gente jogava igual o “excrete” canarinho dizia Seu Nilson. E ele sabia das coisas. Sabia de cor toda a seleção de setenta. Eu tinha o álbum de figurinha quase completo.
“E vai começar o segundo tempo e continuando o placar assim a decisão será nos pênaltis. Fazíamos uma roda em volta do rádio.
      -Ai, espero que não precise, disse Quiabo.
“A pelota começou a rolar, Pelé domina na coxa, dribla dois italianos, Gerson chuta, é goooollll! Gol do Brasil”. Toca a mesma música. “Setenta milhões em ação, pra frente Brasil salve a seleção!
“Como pode um país com uma ditadura como falou o padre, onde some pessoas, toda essa alegria, o povo na rua. Não acredito! Não acredito!
O filho da puta do meu pai fugiu mesmo.
“Olha a pelota rolando, de pé em pé, Jairzinho domina e corre pela direita, chuta com força, é goooollll! O furacão da copa! Explode fogos na rua. Os cachorros fogem. Eu já não presto atenção no jogo. Penso em Amanda, na minha mãe, no fujão do meu pai. Aí aconteceu o quarto gol. Carlos Alberto. Numa deixada de Pelé e ele pegou na veia. Saímos gritando em volta É tri! É tri! Os fogos aumentaram. Ficamos olhando de longe. Os urubus giravam no céu.
Quando tudo passou, o Brasil recebeu a taça Jules Rimet, e os comentaristas se despediram desligamos o rádio e começamos a reunião.  
      –A pauta é onde vai ser o jogo desse ano?
Dentuço pediu a palavra.
      -Os moleques daqui, todos sabem a importância desse jogo. -Olhem lá e apontou para a geladeira onde ficavam os troféus, - só falta mais um para chegarmos ao penta. Aqui ele levanta e anda como se tivesse uma grande platéia, tinha pegado todo cacoete do pai que era Dr. Afonso o juiz de direito da comarca, - o último local do jogo, passei lá recentemente, quando fui soltar pipa, era regular, tinha algumas ressalvas, mas não tinha fio elétrico nem carro passando, mas a má notícia é que estão construindo o mercado central ali e se encontra cheio de pregos e ferro retorcidos. Ali já não dá. E como temos o mando de campo é nossa obrigação arrumar o local e que seja o melhor possível. Então peço que cada um dê sua opinião e depois votaremos para fazer a escolha, ele olhou num papel almaço, por debaixo da mesa e acrescentou... Uma escolha e que seja em voto democraticamente. Bom, em minha opinião é que seja na rua do escritório do meu pai. É reta, comprida e tem árvores dos dois lados.
      -Não acho uma boa disse Birita. Ali por ser uma rua central, tem muito movimento, passa carroça a toda hora, e o piso é de pé de moleque, um perigo para torcer o pé.  E tem muita janela de vidro. Um chute meu vai quebrar tudo. Ele chutava como Rivelino. Aliás, no último jogo me deu um calo de sangue no calcanhar que tratei o ano inteiro com sebo de carneiro capado e só agora é que posso pisar normal.
Jeguim até ali calado futricando uma ferida:
      -Mas o que significa isso? Democraticamente?Todos riram.
      -É como o rio para as lavadeiras, todas usam as água para seu trabalho? Isso chama democracia. Ele coçou a cabeça.
      -Então é igual à mãe do Nego aí! Dá para todo mundo! Ela é democrática!
Dei um chute nele. Uns coques também. Não coloca minha mãe no meio se não eu coloco as suas eu disse. Voltamos ao assunto.
      -Eu também concordo com Birita disse Tonhão. Durante o jogo sobrou uma bola dividida para mim e o centroavante dele. Não pensei duas vezes, parti para cima e dei o maior bicudo na bola.  Acertei tudo. O pé do centroavante a bola e pior, uma pedra que arrancou um tampo da cabeça do dedão. Porra como doeu! À noite quando se encostava ao lençol era uma dor insuportável. Quase não dormi. E tive que ir para a missa de domingo, de chinelo de dedo. Ali definitivamente não é bom! Minha ideia é que seja no pátio da praça. É de cerâmica e não tem o perigo de ralar por que é liso e é o único lugar com iluminação.  Poderia jogar até a noite.
Quiabo discordou:
      -O jogo tem que ser á tarde, depois da aula, e como a praça é de cerâmica, liso que só, se chover escorrega muito e se tiver sol àquilo vira uma frigideira quente. Pra mim seria lá na frente do cemitério. Aquele pátio é grande, é de terra batida, ninguém reclama, pois os vizinhos estão todos mortos, se a bola por acaso cair do outro lado do muro ninguém fura a bola.
 Discordo eu disse.
      -Em frente ao cemitério o pátio é realmente grande, mas parece que escolheram o pior terreno para alojar os mortos, pois ali é terra ruim, tem formiga cabeçuda, carrapichos, macambira e mandacaru. O chão vive cheio de espinhos. No último jogo entrou uma felpa no meu calcanhar que inflamou e só saiu depois de quinze dias. Aquilo dói que é uma beleza. Fica latejando a noite inteira. E além do mais quando tem enterro aquilo ali fica um chororô dos diabos. Por mim está descartado. Continuei: - Eu penso que o melhor local é ali entre o matadouro e a zona do meretrício. Todo mundo riu. Continuei. -É o melhor local para o embate, que pela junção da rua debaixo, com a do rio perto da subestação lá no final fica uma rua sem saída, assim não precisa parar toda hora, para uma carroça passar ou algum enterro, não tem vidro nem espinho. Também porque sendo bem perto do rio o piso é arenoso e não tira o “tampo” da “cabeça” do dedo de nenhum atleta que ao tentar fazer um gol de “bicuda”. Mas como há discordâncias vamos ao voto.
Venceu minha ideia. Já era quase seis horas e fomos saindo um por um. Cada um procurava sua casa. O sol descia por trás da parede do açude e as sombras já alcançavam outros limites. Ando mais devagar. A maneira dos felinos. Uma rolinha na copa de um angico. Deve está se preparando para dormir. Pego o meu estilingue. Miro com cuidado. Bem no peito. Pá! Um baque surdo. Ela vem caindo batendo nos troncos.  Um dia minha mãe perguntou: “Porque você mata os pobrezinhos meu filho?” Eu não sei, respondi. Deve ser essa raiva que tenho dentro de mim. Tem dias que o sol nasce, ali por trás daquele morro, onde fica a caixa d’água, e eu fico olhando como é que o sol é tão pontual assim chova ou faça calor ele vem subindo, acordando todas as criações o galo índio de Dona Jandira é sempre o primeiro a cantar, e desce do poleiro e as galinhas começam a ciscar e os pintinhos atrás tudo com aquela alegria de está vivo e comendo aquelas migalhas que ficam no chão e eu tem dia que nem quero acordar, fica um vazio assim bem no peito e eu fico de lado na cama olhando tudo com o rabo do olho, e vejo as aranhas todas fazendo as teias para os bobos dos insetos caírem para serem comidos e nessa terra tudo ou é presa ou predador e o homem é predador dele mesmo, pois tem hora que acordo com vontade de morrer ou matar, depois é que vou pensando nas coisas boas que existe, aí me lembro de Amanda aquela calça apertada deixando ver o vinco bem no meio das pernas dela um voluminho assim de pastel de queijo, perco a vontade de morrer. Guardo a rolinha no embornal. Ela está viva e quente. Observo que a pedra a feriu de raspão. Sinto na palma da mão seu coração bater apressado. Ter a vida de alguém em nossas mãos nos dá certo poder. Olho em volta. Só silêncio.
Caderno de anotações:
“Quando conto casos, e escolho palavras de baixo calão, sinto que isso me dá prazer.”

         
De cima do morro observo a casa, uma tapera de três cômodos. Vejo o entra e sai. Mainha na janela. Todas as tardes eu vejo ela se aprontar, como agora, e ficar horas na frente do espelho, passar batom, pó de arroz e depois colocar uma música no gravador, e ficar na janela cantando, se fazendo de feliz à espera dos clientes, nunca entendi uma mulher fazer amor com muitos homens, mas ela se arrumava todo aquele trabalhão, coloca uma roupa que mostra as carnes dela, que sinceramente esta cada vez fosca e seca como casca de árvore velha, e depois vai para a janela e fica sorrindo e cantando como se fosse feliz, mas eu via muitas vezes discussões aterrorizantes, e aí ela falava mal, se debatia, chorava, e ficava fumando, o olhar longe, perdido em alguma coisa, esperando talvez a esperança, que era a última que morre.
Caderno de anotações:
                         “Há amores de todos os jeitos.”


             
Da janela eu vejo um vulto. É o Nego. Troco a música da vitrola. Como eu fui cair naquela. Naquele dia eu fui me confessar e o padre, aquele sem vergonha de italiano, quando eu contei minha vida ele ficou com aquele olho pidão e aí deu pena dele, quando ele tirou a batina, e me agarrou na sacristia. Eu sei que padre é homem, tem suas necessidades, mas por azar eu estava nos meus dias férteis. Aí engravidei. Mas ele me ajuda, manda-me dinheiro, só pede segredo absoluto e eu jurei para ele e jurei para Deus para que Ele perdoasse esse pecado. Fico sorrindo aqui para esconder minha tristeza.
Entro calado. O quarto dela na frente, depois o corredor e o meu. Daqui vejo a cozinha. Algumas panelas no fogão. O quarto dela tem uma cama de casal, um guarda roupa, e no canto da janela um oratório cheio de santos. Era força de todo o dia pedindo perdão dos pecados e se confessando. No meu quarto uma rede, meu conforto que eu quando deito puxo as pontas para me cobrir e esqueço o mundo lá fora dos predadores e sento-me seguro ali bem no fundo da rede. Essas coisas são banais, dormir, pesadelos tristezas, aflições; isso faz parte da vida de toda gente. E temos que acordar no outro dia.
Caderno de anotações:
                         “A vida passa à dispensa de nós.”

           
Essas coisas mesquinhas que eu conto, sou impelido a isso, pois elas querem sair de qualquer jeito. Minha vida, minha infância passou assim tão ao largo de mim, parecia que eu próprio não vivia. E minha vida amorosa constava duas mulheres. Amanda que eu fazia de tudo para esquecer, e a vizinha, uma menina miúda, que todos os dias, pontualmente às seis horas da tarde chegava e enquanto eu lia um gibi, ela sentava-se perto de mim calada, abria meu calção, enfiava a mão dentro e ficava manipulando-me. Era um ritual. Não passava disso. Às vezes nos agarrávamos escondidos por trás das portas mais eram umas ou outras vezes e mesmo assim não beijávamos. Era tudo em silêncio. As palavras não eram necessárias. Um dia criei coragem e quando estávamos dentro do guarda roupa perguntei:
      -Você me ama?
Ela ficou calada um tempo e depois respondeu:
      -Não! Isso é impossível.
      -Por quê?
      -Você é inacessível!
Aí eu a interpelei:
      -E por que você vem aqui em casa religiosamente todos os dias a mesma hora e fica fazendo isso, que me constrange e a você também sobremaneira?
 Ela olhou para mim, dentro dos meus olhos e disse:
      -Por que eu necessito.
Depois disso nunca mais nos falamos. Até o dia em que a família dela mudou-se para longe. E na partida choramos muito.
Caderno de anotações:
               “Às vezes apaixonamos por coisas.”


             
    
Junho passou com a copa, julho choveu e agosto se foi.
Chegou setembro com alegria da natureza. Alguns ipês floridos nas colinas.
Acordei com a cabeça doendo.  Mainha ficou preocupada por que quando eu chorava com dor a coisa era séria, pois coisa pequena eu não dava bola.
      -Vamos à farmácia ela falou. Seu Mamede estava vestido com o jaleco branco. No bolso o nome Farmácia Santa Rita. Ele olhou para mim levantou a porta do balcão me pôs para dentro e com a mão na minha cabeça disse sorrindo:
      -É a cara suja e lavada dele meu Deus!
Eu tirei a mão da minha cabeça com um safanão, não gostava dessas intimidades, e perguntei:
      -O que tem a minha cara?
Ele não foi o primeiro e não vai ser o último a dizer isso, mas eu fico puto e mandava todos tomar naquele lugar.  Um dia cheguei para minha mãe e gritei:
      -Quem é o meu pai? Ela desconversou, foi falando esse povo daqui são todos uns fofoqueiros! Não liga filho!”Dizia minha mãe vermelha de raiva. Mas um dia, chegando da rua, a ouvi dizer de alguém. Ela calou-se quando eu entrei. Desconversou, começou a cantar disse que estava cheia de afazeres e que eu já sabia de toda a história e o que contasse diferente era mentira. Ainda falei que era tudo besteira. Acrescentei ainda:
       -Eu pareço mesmo é com você e com mais ninguém! Fui comer. Estava varado de fome. Tenho os olhos dela. Quando ela me pega pelo rosto e fica passando o nariz dela no meu, sinto o cheiro bom dela. Ela ri da minha vergonha. Chama-me de besta. Pareço com ela em tudo. Também não tenho com quem parecer mais. Ela disse que meu pai foi para a guerra na Itália e não voltou. E diz que ele foi um herói. Para mim, isso não tem importância alguma. Herói! Herói! Herói uma pinóia.
 Aí Seu Mamede perguntou-me se eu já havia estado com alguma mulher. Não entendi.
      -Quero saber viu, se você já fez as coisas, num sabe, com uma mulher.   
      -Não conto meus segredos para estranhos!
      -Não importa ele disse. Venha aqui. Abaixa o calção. Eu tinha quatorze anos. Já tinha um pouco de penugem. Ele olhou para meu “pinto” vazando um líquido amarelo e disse sorrindo com aquela cara enrugada de cavalo:  
      -Nesse caso meu garoto, é só com injeção! Olhou para a minha mãe.
      -A senhora sabe né, orgulhe-se, pois seu filho já é homem! E bendita a penicilina! Em uma semana estará tinindo. Entre!    
Ele era conhecido por mão leve, pois a injeção não doía nada, e minha mãe nos seguiu.  Ali fedia a álcool, amônia e outros medicamentos terríveis. Ele colocou a agulha, jogou um jato para cima e veio para o meu lado.
      -Fica firme aí meu rapaz, e pic no meu braço. Eu só não soltei um palavrão nem sei por que, mas a puta da injeção foi dolorosa prá caralho. Ninguém tomava sem chorar. Trinquei os dentes na hora. Eu não era de choro não. Sempre engoli minhas lágrimas. Ainda falou:
      -Não precisa pagar Dona Sílvia, fica por conta!
Eu sabia como ela acertava essas contas.
Caderno de anotações:
              “Além do amor, o sexo paga conta também!”

               
       -Herói! Herói! É conversa para boi dormir. Eu preferia um pai covarde e vivo a um herói morto.
Meu palpite ganhou, o jogo seria na rua da zona, perto do rio e ficou acertado que na segunda era boa que a gente fosse preparando o terreno, cortar alguns tufos de mato, limpar as bostas de vacas, marcarem o campo com cal, a marca dos pênaltis, a grande área, a pequena, a meia lua, colocar as quatro bandeiras fazer as traves.
 Eu vivia com a malícia da vida vivida na rua, da liberdade do crescimento entre as ervas daninhas e a natural lei da sobrevivência onde sobrevive o mais forte não se sabe se para o bem ou o mal da humanidade.
Caderno de anotações:
          “A sobrevivência é uma luta diária com nós mesmo.”

        
Eu devo falar daquela doença. Foi um dia quando vinha pela margem do rio. Uma menina lavava roupa. Eu fiquei olhando. Meu calção subiu.
      -Vem cá?
      -Vou para o treino!
      -Um pouco! Você é tão bonito!
      -Não carece!
      -Só um pouco!
       -Tá bom!
Entrei no rio. Ela me beijou. Juro que foi bom. Descobri que ela era banguela.
      -Como perdeu seus dentes?
      -Meu pai, bateu e quebrou! Aí eu fugi de casa!
      -Ah! Não faz mal! Estava nos braços dela.
Eu pegava nela. Nos seios também. Gosto de pegar logo nas áreas proibidas. Ela beijou-me novamente. Era bom. Molhado, quente e úmido. Depois eu fui alisando as pernas dela. Aí ela queria me empurrar dizendo não! Não!  Eu insistindo. Quando consegui chegar com os dedos lá bem no meio das pernas notei que estava bem molhado aí sem perda de tempo, aproveitando um descuido dela, eu soquei o dedo. Entrou igual na bezerra. Aí fiquei mais aliviado. Menina furada era mais fácil. Como ela tinha dado para não sei quantos caras, não merecia respeito. Aí aproveitei que meu pau tava dura que nem ferro e enfiei todo. Gozei logo.
Caderno de anotações:
“Não sei por que conto essas coisas, não interessa a ninguém. Isso interessa só a mim. Isso é segredo. Uso essas pérfidas anotações para alívio. Quando escrevo um palavrão, uma sacanagem é como eu atirasse merda no ventilador. Gosto da podridão girando, deixando os outros inconformados e irados. Quando destilo veneno fico leve. Essas coisas são detalhes de uma vida pequena, sem amor, sem nada, mas serve como vazante, como o pus que vasa do tumor. Alivia as dores. É válvula de escape.”



              
No outro dia senti uma ardência no canal e veio o diagnóstico. Blenorragia.  A penicilina foi um santo remédio.
Chegou o grande dia.  O jogo do ano. Era dezembro e as árvores de natal já brilhavam nas janelas. Passamos na farmácia e tomamos a vitamina. O entorno do campo estava cheio, as meninas da zona aproveitaram o dia para faturar mais, e vestiram as roupas curtas. Algumas mulheres torceram o nariz. Tinha moleque vendendo roletes de cana caiana, balas e doces. Seu Nilson tinha comprado fogos de três tiros. A taça estava em cima de uma mesinha na beira do campo e quando entramos todos passaram a mão para dá sorte. O juiz chamou os capitães no centro do campo e deu instruções. “Quero jogo limpo, entrada faltosa vai tomar cartão e se insistir vai pro chuveiro mais cedo. Foi feito o sorteio. Eu escolhi jogar contra o vento, pois do outro lado tinha o sol.
Logo no início do jogo Birita enfiou uma bola para mim de três dedos e eu dominei com a perna esquerda e bati de peito do pé. A bola bateu no travessão e voltou quicando no terreno e saímos comemorando, mas o juiz invalidou dizendo que a bola não entrou. Reclamamos muito, mas não teve jeito. Seu Nilson gastou um foguete à toa.
Depois quase no final do jogo teve um pênalti a nosso favor. O goleiro deles quase quebrou Birita ao meio.
Quando me preparava para bater ouvi um grito e uma voz conhecida. Era Amanda.
      -Faz esse gol para mim menino! Eu acenei para ela. Não podia perder.
 Peguei a pelota e no que colocava a bola na marca da cal, o goleiro veio ao meu encontra, sabia que era para catimbar, já estava preparado, ia chutar no canto esquerdo dele, onde ele tinha mais dificuldade. Foi aí que ele bateu as luvas uma na outra e falou aquilo que me cegou completamente.
      -Seu pai é o padre, aquele italiano!
Caderno de anotações:
                      “Não devemos confiar nem em padre.”

    
Corri para a bola com raiva e na hora de chutar troquei o canto. Passou rasteiro perto da baliza. Fora! Alguém gritou. Eu corri no corner onde guardava as minhas coisas, peguei do canivete e enfiei no sovaco dele. O sangue escorreu. Muita gente gritando Assassino! Assassino!
Caderno de anotações:
“O problema do homem é a sobrevivência. E essa luta é diária contra a morte. Uma luta ingrata, pois no fim ela chegará de um jeito ou de outro. Criei uma casca que me encobre, deixando-me forte e intocável, e essa por assim dizer é a vida que tenho. Essas coisas vis e podres é o que tenho de melhor para oferecer. É o meu silêncio, minha dureza e toda minha cólera e meu desprezo. Nada a mais.”

            

                                                      ***

Dez anos se passaram e estou dentro do ônibus voltando. Já não sou o mesmo. Soube que o padre morreu. Tudo o que eu queria. Melhor assim.
O ônibus está lotado, é dia de feira e tem muita coisa no chão do corredor. Legumes, cereais e animais para serem vendido na feira livre.  Olho pela janela os locais que eu vivi. Tudo passa lentamente. Tudo do mesmo jeito: O colégio, a praça, a diferença é o tamanho reduzido. Até a torre da igreja diminuíra. Parecem mais desbotados, gastos, deploráveis e chego a pensar, Urra! Como consegui viver nessa pocilga? Os olhos agora são outros. As maiorias das crianças vêem colorido. Eu cinza.
 Os pneus rangem descendo a ladeira e vejo a pequena cidade por trás da poeira e minha garganta quase tranca e meus olhos marejam. Olho as planícies em volta. Que fim levou meus amigos?
A vontade é de procurá-los, abraçá-los, saber das novidades e olho em volta, talvez algum deles por ali, mas a rua está deserta, só um moleque querendo carregar as malas por um trocado e o movimento dos feirantes. Coloco os óculos escuros e saio em direção à rua do rio, e lembrei-me de Amanda beijando na boca do cara, ele com as mãos nas nádegas dela e ela alisando o rosto dele com as unhas pintadas e de olhos fechados.
Ando mais devagar. A maneira dos felinos. Sempre desconfiado. O sol vai caindo. As sombras se alongam pelo chão. Eu e a mala. Tiro a jaqueta. Lugar quente dos diabos! Sou uma sombra alongada a meus pés.
Naquele dia, depois da missa e de ver aquela cena, passava por aqui mesmo apressado e vi uma rolinha na copa de um angico. Peguei o estilingue e mirei com cuidado. Pá! Um baque surdo. Ela veio caindo batendo nos troncos.  Minha mãe perguntou depois: “Porque você mata os pobrezinhos meu filho?” Eu não sei, respondi. Deve ser essa raiva que tenho dentro de mim. Ela me olha. Tem dias que o sol nasce, ali por trás daquele morro, onde fica a caixa d’água, e eu fico olhando como é que o sol é tão pontual assim chova ou faça calor ele vem subindo, acordando todas as criações o galo índio de Dona Jandira é sempre o primeiro a cantar, e desce do poleiro e as galinhas começam a ciscar e os pintinhos atrás tudo com aquela alegria de está vivo e comendo aquelas migalhas que ficam no chão e eu tem dia que nem quero acordar, fica um vazio assim bem no peito e eu fico de lado na cama olhando tudo com o rabo do olho, e vejo as aranhas todas fazendo as teias para os pequenos insetos caírem e serem comidos e nessa terra tudo ou é presa ou predador e o homem é predador dele mesmo, pois tem hora que acordo com vontade de morrer ou matar depois é que vou pensando nas coisas boas que existem, aí lembrava Amanda aquela calça apertada deixando ver o vinco bem no meio das pernas dela, um volume assim de pastel de queijo, aí já não pensava em morrer. Ainda disse que a raiva era do meu pai que não conhecia. Porque isso de herói eu não engolia. Era conversa para boi dormir.
-Eu preferia um pai covarde, mas vivo.
Coloquei a rolinha no embornal. Ela ainda estava quente. Observei que a pedra a ferira de raspão. Senti na palma da mão seu coração bater apressado, a vida de algo em nossas mãos nos dá certo poder. Sentei no tronco do quintal e a peguei na mão. Os olhinhos pequeninos. Torci o pescoço devagar, ela contorceu-se esticou as canelas e morreu.
Caderno de anotações:
“A morte é transparente. Quando ela chega damos contorções iguais ao gozo.”

               
Olho em volta. Só silêncio. Sei que depois daquela descida íngreme, vem a curva da aroeira e depois o rio. Cheguei a casa.
     -Mainha! Maínha!
Ela reconhece a voz. Vem correndo.
Como ficou diferente. Pele e osso. As carnes flácidas. Ajeita o cabelo.
      -Meu Deus do céu! O que foi feito de meu filho? Um homem! Esses anos todos sem notícias! Pensei mil coisas até que você tinha morrido.
      -Estou aqui em carne e osso.
Pega minhas coisas da mão, uma jaqueta e a mala e leva ao quarto.
      -Mas o que importa é que você está de volta e lindo de morrer. Puxa-me para o claro. Deixa-me ver! Passa as mãos nos meus cabelos. Fico sério.
      -E a turma como está?
      -Aconteceu tanta coisa... Depois te conto.
      -Advinha quem está morando comigo?
      -Não tenho a menor ideia!
Ela vai pelo corredor, levanta o pano que divide os cômodos e grita lá para dentro.
      -Vem cá menina, vem ver quem apareceu! E olha como está lindo!
Eu espero em pé, meio de lado. Surpreendo-me a novidade.
Ganhou mais corpo. Mais seios. Mais cabelo. As unhas ainda vermelhas um pouco descascadas. Só os olhos diferentes. Já não sorriem mais. –
      -Amanda?
      -Ah! Estou toda descabelada, desarrumada... Se eu soubesse...

       Caderno de anotações:
                
                        “Uns são presas, outros são predadores.”    
                                                        Fim
                          






quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A iniciação





                                                                      A iniciação

Desde menino, quando ainda morava no norte eu lido com barro. Lembro quando trabalhava numa olaria, fazendo tijolos. Porém esse trabalho é chato é repetir a mesma coisa diariamente, embora sabendo que as construções aqui se ergueram devido aos tijolos que eu fiz. Conseqüentemente ficava triste quando via a obra pronta e meu trabalho escondido sob argamassas.  Aí larguei esse trabalho injusto.

Depois para viver comecei a copiar santinhos. Foi a pedido de um padre.  Conheci dessa maneira uma infinidade de santos. Deve de ser porque os pedidos de compaixão são muitos. Mas santo daqui tem pouco ou nenhum. Até questionei o padre sobre isso. Ele respondei evasivamente, uma questão de educação ou fé não entendi muito bem, fiquei matutando. Depois deixei pra lá que essas coisas de pensar ficam para os sábios. Um sábio que nem Platão que eu li num livro que achei.

O santinho que vende mais é Santo Antônio. O Santo casamenteiro. Vende que nem água. Parece que as mulheres vivem atrás de homem para casar. O outro é São Judas Tadeu, o santo dos desesperados. Tenho um desses na cabeceira da cama.

Mas o homem, principalmente o artista nunca está satisfeito. Embora as vendas fossem boas e dava para se viver tranquilamente com esse comércio, eu andava triste, sorumbático. Lembram da história dos tijolos que ficam por baixo da argamassa? Os santos eram a mesma coisa. Quem bate os joelhos no chão para rezar não quer nem saber quem fez. Se alcançada a graça compra até uma réplica. E afinal eram cópias e o que eu queria era criar uma obra com pouca interferência ou nenhuma. Eu queria ser eterno.

 Mas ser eterno para mim não era viver para sempre, Deus me livre e guarde!  Isso não! Isso eu não queria. Sei que essa vida de dores e tristeza tem que um dia ter fim, Deus é que põe e dispõe. Quero ter isto sim, a imortalidade dos poetas e artistas em geral. Eis o meu sonho. Por isso aquele dia usando a razão que todo homem deve ter, veio-me a ideia da obra.

Seria uma obra maior. Algo que todo artista sonha em fazer, não os mequetrefes que existem por aí aos montes que não sabem nem fazer uma concordância das partes ao todo. Ou esses que escrevem em revistas ou blogs de quinta categoria.

 Tem muito artista de povoado de fim de mundo que não chega aos pés dos grandes mestres de outrora.
No início também senti muita dificuldade.  Todo artista púbere deve se sentir assim. Depois descobri que para criar é preciso primeiro copiar, copiar e copiar. Todos fazem. Alguém disse não me lembro quem, que não há um livro sequer de um só autor, e sim que todo livro tem muito de outros autores, às vezes um parágrafo, outras vezes um capítulo e tem uns acreditem, que do dono só o título.  Ou o cúmulo do absurdo: Nem o título. Isso não é demais?

Embasado nisso comecei a copiar. A imitar mesmo. E de tanto imitar a coisa começou fluir. É como um jogo de espelho, muitas vezes a imagem é melhor que o verdadeiro, podendo afirmar que a imagem é original, mas invertida.   Inversão da verdade.

E eu nunca fui bobo. Eu pegava a obra de um e mesclava com outros e nessa mistura nascia muitas vezes algo novo.  Mas sei que inovação no mundo não existe. Pura utopia. Tudo vem de um mesmo filão.
Não ria de mim! Fica aí olhando em volta com essa língua pra fora esses olhos estúpido! Vem cá! Vem cá! Pega!Pega! Isso! Isso! Muito bom! Agora olha pra mim com esse focinho preto!Vou falar bem dentro dessa orelha peluda. Essa obra vai ser de arte viu? Não esses santinhos aí cheios de pecados. Não saia correndo assim!  Vou criar sim hum! hum!

Eu ouvia minha própria voz e achei-a meio soberba. Estaria louco? Que importa? A maioria dos artistas ou são loucos ou tem alguma tara. Desconfiei que Dostoiévski fosse pedófilo.  Que Kafka era o homem mais estranho do mundo. Mas e daí? O que importa é a obra, não o homem.  Agora já não tenho tanta certeza. Eu não sou louco. Se for tara querer se sobressair dos outros então sou tarado.

Saí para o lado do oitão onde tenho um belo barranco onde posso retirar a matéria prima para minha obra- Barro vermelho-, pois até DEUS usou desse artifício, não é mesmo.
Bem cedo coloquei a mão na massa, digo no barro. E mãos a obra. Com a ajuda de um velho carrinho desses usados pelos pedreiros, indo e vindo debaixo de um horrendo sol, que me fazia gotejar o suor do corpo, separei num canto tudo o que precisava. Foi quando  ao levantar a cabeça, quando enxugava com um trapo velho a testa enrugada, de soslaio, vi o sol descer por detrás da serra do pica pau. Vixe! Escureceu sem eu perceber.

Juntei as ferramentas, guardei-as no paiol, tomei um banho refrescante e fui dormir. Mas quem disse que preguei o olho? Fiquei foi olhando pela janela o negrume da noite, os sons, os cheiros, suas nuances de claro escuro, aturdido com o pensamento em turbilhão, naquelas horas quando ficamos pensando no que trará o futuro, ou mesmo a nossa, a minha criação.

Só quando o galo cantou três vezes, e o vento da manhã sacolejou as ramas do maracujá é que consegui tirar um cochilo, tão na superfície da consciência que qualquer barulho que fosse me acordaria,como um lago quieto que se atira  uma pedra.

Lembrei-me do trabalho e levantei-me de um pulo.
Assustei o amigo, o velho cão, que saiu de debaixo do fogão de lenha, sacolejou as costas, esticou-se se espreguiçando, e com a língua para fora tentou abocanhar alguma moscas que voejavam ao redor e balançou a calda para saldar-me. Bendita sua inconsciência.

 Passei batido, atravessei a coberta onde as ramas do maracujá pendiam suas flores amarelas e com uma lata busquei água do velho barreiro onde criava algumas traíras.
Assim reiniciei o trabalho de preparo do barro, adicionando água e amassando a argila até esta ficar compacta e sem bolhas alguma enquanto o cão que eu o chamava de Platão, ah! Esse nome eu gostei muito, foi alguém muito importante, esquecido agora momentaneamente pelos jovens.

E mais um dia se passou e novamente só cochilei pela manhã. Não sabia que a arte sufocava  assim, era como as sanguessugas do velho barreiro quando saia de lá, com o corpo todo dolorido e cheio delas esgotando quase toda a minha força, mas sei também que quando terminamos, quando cai o ponto final, sentimos como um expurgo, uma catarse nos sentindo livre e leve de qualquer culpa.

Platão nesse ínterim conforme eu pensava, observou-me e creio que via um homem de pele marrom, mãos cheias de calo, rugas pelo corpo, a ossatura aparecendo sob a pele flácida e solta, e os olhos brilhando como se aquele trabalho fosse o mais importante da vida. É óbvio que ele não pensava tudo isso mesmo chamando-se Platão, mas sei que existe animal que só falta falar e ele era um desses.

A prova é quando eu esqueço alguma ferramenta e Platão nota logo e levanta-se das patas traseiras corre até o alpendre e a trás na boca como se fosse um osso. Ou nos dias tristes de total melancolia, pois existem esses dias mesmo trabalhando-se manualmente de sol a sol, e nesses dias ele sobe calmamente até o morro do juazeiro. Há ali uma pequena cruz, onde enterrei um de seus filhotes e ele fica um tempão uivando ao vento. E esses uivos para ele é a catarse, como poesias trágicas de tempos remotos. Ou quando chega alguma visita e ele abana o rabo para quem deseja e ladra para os que não foram convidados.

Eu afinal já tinha criado o tronco e a cabeça e parei para observar as formas daquilo que viria a ser minha obra, se estava como que eu sonhara isto é, me encontrava no limite que as dúvidas aparecem, principalmente se não existir um esboço ou um escopo predeterminado ou algo para seguir.  Não acredito nas obras que saem no “estalo” como num passe de mágica e fiquei dias e dias de tal modo com o olhar vazio das pessoas insanas.

Foi quando me lembrei dos livros que estavam sobre a mesa, no quartinho de despejos. Corri, peguei  e abri sobre a mesa na página onde tinha uma gravura de um homem em pé e de braços abertos e dentro de um círculo escrito embaixo: O homem vi-tru-vi-a-no.  Eu lia mal e devagar, soletrando as palavras: Ali naquele pequeno livro  estava a cópia do que eu queria fazer.

Assim usando uma régua fui dimensionando aquele corpo de argila da melhor maneira possível. E quando dei por terminado notei que a criatura não era parecida com ninguém da região. Quem era então? As mesmas perguntas seculares. Quem somos, de onde viemos e para onde vamos?

Nesse dia encontrei-me mais angustiado ainda. “Raimundo! Raimundo! Eis um problema, não uma solução!” As coisas não se encaixavam, parecia que eu não criara nada de novo, eram somente sombras do passado. Não preguei o olho e todo vozerio que vinha da escuridão me assustava até a hora em que realmente ouvi um sussurro. Não é possível pensei. Moro a seis léguas da cidade, e nesses confins que estou, a essa hora o que se escutava era tão somente minha respiração ofegante e as batidas do coração. Além do mais se houvesse algo estranho Platão seria o primeiro a ouvir, e o que vem até meu pavilhão auricular agora eram as lambidas que ele dava quando abocanhava algo ou deglutia a água da tigela de barro.

Mesmo assim levantei-me com dificuldade, as juntas estalaram, e bamboleando atravesso o corredor e de olhos fechados para acostumá-los na escuridão, abro-os devagar no momento em que entro no quartinho de despejos e vejo um homem enorme uma mão passando uma página de um livro e a outra brincando com Platão deixando esse ao nível de brincadeira, mordê-lo ao dedo mínimo.

Tomo um susto. O homem vira o rosto para mim e sorri, ainda acariciando Platão e esse se levanta nas quatro patas para rosnar quando me reconhece e vê meus olhos e boca arreganhados. No momento em que olhava para Platão e para o homem uma idéia clareou meus  pensamentos e gritei:”O homem de Virtrúvio?”
Ele olhou nos fundos dos meus olhos e o que vejo é um olhar pueril. Levanta-se devagar e sua cabeça quase bate na cumeeira do telhado. Quem sou eu pergunta-me. Eu não sei o que falar. Até ontem ele era apena uma idéia.  Depois  argila na mão de um artesão. Ouvi um gemido. Eis o meu drama. O que respondê-lo se não sabia nem de mim?

Depois ele colocou a mão no rosto e vi “O pensador” de Rodim e ficou assim por horas. Parecia que eu estava num grande teatro e que todas as formas passavam pelos meus olhos cansados. E todas as estátuas que eu já fizera, desfilava para mim cantando um hino religioso.
Abateu sobre mim uma tristeza. Quando me dei conta que o que eu criara poderia ter vida própria, e logo pensei aturdido: um novo Frankstaim! Ele me caçaria até a morte?  Sentimentos os mais diversos passaram pela minha cabeça.
Cheguei a uma terrível conclusão. Eu não poderia cair nos mesmos erros. O que faria? Estaria eu cometendo um pecado mortal na arrogância de criar algo, mais perfeito do que Deus?

Bom, pensei com meus botões. O primeiro quesito: A criatura teria auto-suficiência  em respeito à alimentação, pois sei que as maiores divergências no mundo ocorrem pela busca desta. Observe a natureza. Por que o leão acorda cedo e vai à beira do rio esperar o alce? Para passear? Não! Vai à caça. E ai dele se não conseguir até o final de um dia um alce inocente. É a lei da sobrevivência filho. A natureza é cruel.
Segundo quesito: teria que ser assexuada ou hermafrodita. Pois a segunda causa de brigas é devido ao sexo oposto. Briga entre mulheres, entre homens quantos crimes vieram na esteira do amor?

Terceiro quesito:  Jamais proibir o homem a não experimentar da árvore do conhecimento. Esse foi o erro. Mas tudo que é proibido não é melhor?  Pelo contrário ajudá-lo-ei nessa busca oferecendo-lhe todos os elementos para tal. E com certeza sem a as duas preocupações anteriores, o homem poderá assim exercer toda a sua capacidade mental e ser feliz.

Assim peguei todos os livros que eu tinha e despejei sobre a mesa. Ele me olhou como uma criança sem saber o que fazer e fomos soletrando juntos. Parece que tinha o dom, pois olhava extasiado para as figuras e às vezes sorria.  Acredito que o homem só será livre quando possuir todo o conhecimento para fazer suas escolhas.

Ele apontou um livro que tinha uma gravura. Meio que gaguejando falou:
     -Fêmea.

Eu peguei o livro e troquei a página. Ele balançou a cabeça. Achou rapidamente e repetiu:
     -Fêmea! Quero fêmea!

Tentei passar para ele tudo que sabia ou não sabia sobre a fêmea, mas era em vão. Ele batia o pé como uma criança grande. Fiquei puto com a insistência.  Disse que ia pensar no caso e fui dormir.
Antes de o galo cantar ele tocou em meu braço.

     - Fêmea hoje. Apontou o barro ali junto. Amassado e pronto para o uso.

Dessa forma pus mãos à obra. Ele ficou por ali, ora rindo ora sério. Como uma criança na véspera do natal. A meia noite a obra estava acabada. Faltava o sopro da vida. Fomos dormir. Sabia que algo, uma aragem matinal, o clarão da lua tinha dado vida ao meu primeiro projeto e não seria diferente com esta.
Tive um pesadelo. Chovia que nem um dilúvio. A escuridão era cortada por flashes de raios. Um casal de mãos dadas andava de costas para mim abraçado e de uma nuvem aberta em céu tenebroso saia uma voz estupenda e gritava: “Fora! Vocês não merecem o paraíso!”.

Uma angústia abateu-se sobre mim. Minha culpa, minha máxima culpa eu gritava, mas minha voz não saía e uma dor terrível apertava meu peito. Acordei sobressaltado. Olhei em volta e reinava o silêncio.
Levantei-me de um pulo. Vi pegadas em direção a cachoeira. Quando cheguei às pedras o casal se banhavam e riam de suas brincadeiras. Pareciam felizes. Tinham o essencial: A natureza em volta e um ao outro. O verdadeiro Éden. Ele alisava os seios dela rindo e ela por vezes segurava seu membro nas mãos e caía na gargalhada quando o membro intumescia.

Veria eu de camarote o que acontecera a mais de um milênio no paraíso? Encostei-me numa pedra ali perto, na sombra e fiquei observando entusiasmado. O que aconteceria dali para frente? Ambos sabem zero de sexo. Como seria a coisa. Para quem já sabe é como olhar uma tomada na parede e ligar qualquer aparelho elétrico. Enfia-se a tomada no buraco e pronto. Mas, e quem jamais teve experiência alguma?

Eu vivi em fazenda e nós aprendemos na maioria das vezes sobre sexo observando os animais.  O galo no terreiro. Corre atrás da galinha belisca na crista e trepa nela.  Leva alguns segundos.  Os porcos. Tenho uma curiosidade em relação aos porcos.  O orgasmo do porco dura meia hora. Soube isso recentemente.  Morri de inveja. Vi jumento também. É o mais prendado. Quase toca no chão. Vem com a estrovenga dura, morde no pescoço da fêmea dá umas cinco mexidas de vai e vem e goza. 

Aprendemos também com as brincadeiras de criança. Médico, papai e mamãe, de se esconder, pêra, maçã ou uva, tudo isso servia para a nossa prática no futuro, embora essa época aprendemos mais acerca de odores. Era cheiro de peixe, de urina de fezes.

Já a especialização acontece na rua. As descobertas, as punhetas memoráveis. Eu tinha uma lista das escolhidas. Completei o abecedário. Toquei prá todo mundo. Nem as freiras escaparam. “Cuidado que nasce pelo na mão!”, “Vai ficando amarelo até ficar fraco e morrer”! “É pecado mortal”. E quem disse que eu parava. Houve tempo que eram duas por dia.

 Depois mais velho usei muito no meu aprendizado os filmes de sacanagem. E até hoje, creio que não sei fazer direito.
Mas voltando ao casal veio a dúvida. Como farão se não tenho nenhuma criação por perto, a não ser um velho cão para observar. Livros com esse assunto não tenho, se tivesse pelo menos aquelas revistinhas de sacanagem!

Teria todo ser um instinto tipo um software instalado e é só iniciá-lo e seguir um tutorial? Ou temos que dotá-los de conhecimentos? Se assim como explicar os homossexuais? O tutorial teria sido trocado? Ou para cada um existe um tutorial e a escolha é subjetiva? Muitas dúvidas! Dúvidas seculares.
E a respeito de Deus. Acreditarão que eu sou seu pai e seu deus? Acho que não. Aquele criador onipotente e onisciente ficou para trás. Agora o personagem é dono de seu destino e da sua história.
Vamos observá-los.

Ele primeiramente ficou olhando as curvas da mulher. Depois a tocava com as pontas dos dedos. Ela enrubescia tentava se cobrir, mas depois ficava rindo apontando as coisas dele balançando. Ele da sua parte olhava aquela fenda escura sem entender.

 Ate chegar ao kamasutra pensei, demorarão uma eternidade. 
Mas isso é bom.



quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Notícias comentadas com bom humor





“Conte-me e eu esqueço. Mostre-me e eu apenas me lembro. Envolva-me e eu compreendo”
(Confúcio).
“Ria das notícias para não abater-se.” (Eu mesmo).

Notícia: A indústria promete venda de pílula que fazem com que gazes intestinais tenham aromas diversos, por exemplo: Cheiro de chocolate ou de frutas, o cliente escolhe.

Comentário:  
Primeiro vou trocar em miúdos:
Palavras- chave: Gases intestinais.
 Dependendo da região recebem nomes diversos.  Traque para uns, peido para outros, pum para tantos e por aí vai. Quem conhecer outras denominações mande-me por e- mail.  Pois com certeza todo mundo tem na família seus “peidorreiros” de estimação.
Imagino até as brincadeiras dos jovens:
          - Toma esse! Pum! Chocolate amargo. Gargalhada. E o outro metido:
          -Pum! Esse é chocolate suíço!
Sobre essa notícia fiz um  trabalho: Eis em minúcias.

Resumo- Abstract
O peido é a mensagem subliminar dos intestinos avisando que logo virá merda. Sendo assim é de suma importância seu cheiro característico para que sirva de aviso aos presentes que não resta alternativa que não seja a debandada geral.

Relato de um caso: Pessoa do gênero feminino, cor branca idade de 18 anos, dissera que logo ao entrar num elevador cheio aquele dia, sentiu um forte odor de chocolate e como era chocólatra inveterada ficou ali curtindo, aspirando demoradamente. Após os dez longos andares, sentiu cansaço e tonturas recorrentes. O síndico (Todo brasileiro também é médico) ao examiná-la depois da anamnese constatou que ela apresentava-se pálida, sintoma esse característico de intoxicação. Levaram-na para uma área livre e após minutos respirando oxigênio puro voltou a sua cor normal.
Constatou-se depois que alguém ali usara as “benditas” pílulas e certo de seu “crime sem castigo” liberara todo o seu gás no compartimento. Mesmo depois de uma acareação ninguém assumira a “bomba”.

Discussão
No presente caso pergunta-se: É realmente necessário o uso dessas pílulas na sociedade?
Diante deste questionamento apareceu um advogado na mídia (Eles aparecem como fantasmas essas horas, nada contra. Hoje em dia todo mundo quer aparecer, inclusive eu),-  que falou aos quatro cantos defendendo seu cliente: “Numa sociedade em que todos indiscriminadamente peidam, seja rico ou pobre, branco ou negro, não vejo nada de errado a prevaricação do meu cliente”. Pipocaram outras frases do tipo: “Devemos voltar à ditadura, pois liberdade demais é veneno!” Ou “ Esse odor vem do nordeste, é o cu do Brasil” Ou “ Pobre tem que morrer!” ou “ “Quem votou em tal candidato é cúmplice”. Ou “ Mulher adultera tem que morrer!” Ou “Gay não é gente!”  Esses são realmente verdadeiros peidos e que não chocam a sociedade. Ou melhor. Cagadas memoráveis!
   
Se esses comentários meus, quiçá esteja chocando por demais, fiquem tais súditos sabendo que esse assunto era tratado nos antigos reinados. Soube que existiram até  “cheiradores” de profissão que eram os charlatões em busca de alguma doença através da observação da coloração e cheiro das fezes dos príncipes herdeiros. Mas deixa para lá o reinado já se foi por aqui, vivemos agora numa repúplica.
 Voltando ao assunto, muitos estavam de acordo, outros tantos contra, principalmente as fábricas de chocolates que diziam com toda razão que a partir daí os clientes ao sentir o cheiro de chocolate vinculariam imediatamente seu produto ao gás intestinal passando a ter uma grande ojeriza ao mesmo, trazendo grandes prejuízos e prejudicando sobremaneira as vendas de ovos de páscoas (Esse que já é um embuste, pois coelho não põe ovo) nas palavras deles com mais essa, “o ovo com cheiro de peido ou vice e versa seria um desastre total”. E como sabem o homem sente mais no bolso.

Na minha humílima opinião parto do pressuposto que gases são nocivos, sendo assim tem que ter o seu cheiro verdadeiro para que fujamos, quando em uma reunião alguém resolva usando a terrível subterfúgio da liminar para soltá-los usando as mais fatídicas desculpas: Tem endereço fixo, não compromete a sociedade etc e etc.

 Por mim “coisa ruim não merece a liberdade”. E se não for possível mantê-lo preso que seja solto no devido ambiente, - a privada.  Pesquisei no Google e descobri que o gás preso compromete toda a saúde do hospedeiro e de quem inala dando-lhe dor de cabeça, calafrios, o sujeito vai ficando verde parecendo um ser doutro planeta.  E pode até matar se inalado em grande quantidade principalmente depois que o sujeito se fartou de uma lauda feijoada.

Conclusão:

A utilização dessas pílulas não contribui em nada para a sociedade, serve sim para dissimular sua falta de educação e respeito. Outrossim, o uso de cheiros no gás de cozinha é importante para avisar de algum vazamento. Quanto ao gás intestinal é melhor permanecer com os mesmos cheiros os mais destruidores possíveis tais os “de pólvora queimada ou bicho morto”, para isto sim, servir de aviso aos presentes que é melhor debandar “pernas para que te quero” para não ficar curtindo “cagada” dos outros. Mesmo porque odores de podridão sempre rondaram e rondam a humanidade, desde nossa criação justamente porque, tem muita gente que ao falar não usa o devido orifício para fazê-lo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Bodas de diamante

                                            

                                                   Bodas de Diamante

Cinqüenta anos de casados. Ambos vendo televisão na sala. Ele com os pés sobre o sofá cutucando as unhas com um canivete e ela fazendo crochê.  Viam a novela das oito.
Ele: - Bem?
Ela: - Que é?
Ele: - Aproveitando que hoje é aniversário de nosso casamento...   Profícuo por sinal, afinal temos cinco filhos, dezenove netos, vinte bisnetos e cinco tataranetos vamos “entrar no clima” como dizem nossos netos e brinquemos de algo.
Ela olhando desconfiada por cima dos óculos: - Brincar de quê? Não me diga que esta gagá e quer brincar de esconde - esconde?
Ele: - Não! Estou até muito consciente.  É tipo o jogo da verdade... Assim ó: eu falo uma coisa que me irritou todo esse tempo e você faz o mesmo.
Ela: - Tipo confissão? Gostei.
“Não acredito que o desalmado vai colocar no blog toda minha intimidade...”
Ele: - Sim!  Uma brincadeirinha para passar o tempo.
 Ela: - Sério? E não acha que o tempo para nós passou tão rapidamente? E não vamos nos magoar?
Ele: - N não! Levaremos na esportiva! Juremos agora não nos magoar, afinal tudo é passado...
“Aquele fedelho amigo de infância vai me delatar mulher... Ele quer me acabar...”
Ela: - E não fôramos perfeitos? Tá bom! Juremos então.
Ele: - Não sejamos hipócritas em pensar que agradamos em tudo...
Ela: - Eu bem sei... Brincadeirinha minha...
Ele: - Foi esse belo senso de humor que me fez cair de quatro por você...e principalmente sua bunda que me deixou louco de tesão, mas que agora não passa de um monte de celulite.
Ela arremata a peça de crochê. Joga sobre a mesinha.
Ela: - Era tudo que eu queria. Já começou Antônio Carlos?
“Se ele fizer isso comigo, eu juro...  entro com um processo acabando com ele... Injúria e difamação...”
Ele: - Bom isso aí só foi o intróito. Vamos ao par ou ímpar.
Tirado a sorte coube a ele começar.
Ele: - Em primeiro lugar não fale meu nome completo quando estamos discutindo... Eu odeio isso. “Antonio Carlos!” com essa boca ridícula com os dentes trincados.
Ela: - Arrá! Sem raiva hem!  Sabe aquelas toalhas molhadas que você  esquecia sobre a cama? Meu Deus dava-me uma arrelia...Não tinha nem vontade de fazer sexo com você ...
“Meu Deus se ele falar tudo da minha infância estou acabado...”
Ele: - Ah! Eu desconfiava, mas fazia para espezinhar mesmo. Agora pelo amor de Deus mulher... sabe aquelas calcinha cor de pele?  São ridículas! Tanta cor que eu gosto. Por exemplo: Vermelha, azul turquesa, verde, branco...E você só colocava aquelas...
Ela: Tirando os óculos e esfregando a lente. - E você seu Mané, chegava para mim e falava: Hoje tem? Como se fosse uma coisa... Nunca mais use essa frase. Ganhe-me durante o dia sendo, amoroso, carinhoso... Etc e tal...Me infernizava o dia inteiro e á noite vinha com essa frase infernal! Hem! Tenha paciência!!!
“Há tantas coisas da infância que não queremos revelá-las!”
Ele: - Tudo bem! É justo!  Agora, pensa bem...  E aqueles gemidos hem! Não se envergonha? É melhor não fazer sexo do que fingir um orgasmo... E como você fingiu...
“Não! Não me venha com lorotas!”
Ela: - Ah! Fingia mesmo, mas se eu não fingisse você demorava chegar lá, não era? E você seu canalha! Pensa que não sei das suas traições? Diga que não é verdade?
“ Você sabe que não é verdade! Não sou gay!”
Ele: - Peraí! Você começou pegar pesado! Isso tudo são de sua cabeça. Sua imaginação é fértil...
Ela: - Realmente são tudo de minha cabeça esses chifres enormes...
“Mas o que aconteceu conosco aquele beijo demorado na cozinha de sua casa lembra?”
Ele: - São calúnias... Mas já que falaste nisso, e você nunca me traiu?
“ Isso que você está fazendo é uma traição! Lembra que juramos segredo...”
Ela: - Já que estamos falando a verdade, traí sim... Pura vingança! Como diz a música: Mulher não trai, mulher se vinga.
Ele: Ficou em silêncio.
Ela: - com aquele amigo seu que vinha jogar cartas aqui aos domingos!
Ele: - Não acredito!  Com Manuel? Aquele portuga filé da puta?
“ Assim você acaba com nossa amizade!”
Ela: - Não xinga! Morreu o ano passado o desgraçado...
Ele: - Por isso que no velório eu vi lágrimas em seus olhos... Sua piranha!
“ Não! Nossa paixão não se acabará assim...”
Ela: - Como dizem... Chumbo trocado não dói...
Ele: - Isso é verdade. Sabe a nossa vizinha de frente? Aninha foi minha amante até o ano passado quando morreu. E ela fazia tudo que você não fazia...
“Pelo amor de Deus, não desenterre defunto... Nosso passado é melhor continuar morto e enterrado...”
Ela: - O que, por exemplo, seu crápula?
Ele: - engolia toda a paixão que eu tinha por ela. Os olhos dela brilhavam. Dizia no meu ouvido que era o manjar dos deuses... E mais, que me amava loucamente, e mais que tinha o maior dó de ti!
Ela: - Ai ai   Por isso que a vaca morreu com aquela doença... Bem feito. Deve ser de sentimento de culpa...
“Vamos acabar com isso... Você é gay sim só precisa sair do armário...”
Ele: - Não sabia que você era tão diabólica assim... Ela morreu e está tudo acabado...
Ela: - Tão diabólica que...   Fábio não é seu filho...
Ele: - O que? Como você teve coragem? Esconder isso por vinte e seis longos anos...
Ela: - Ódio... Isso se chama ódio!
Ele: - Então ta!  Sabe Aurélio?
Ela: - S sim!
Ele: - É meu filho com a Aninha... -Por isso fiz tudo para acabar o namoro dele com a Noêmia nossa filha mais nova...
Ela: - ...E eu sempre falei que não via problema algum...
Ele: - Porque sua vaca?
Ela: - Pelo simples fato que ela não é sua filha...
Ele: - ...Mas são meio irmãos!
“ Chega! Estamos indo longe demais... O  que aconteceu conosco é passado, agora tenho família, filhos...”
Ele levantou-se do sofá, desligou a televisão.
Ela: - Chega?
Ele: -Chega!
Cada um saiu para um canto.
Toda a família encontrou-os amuados.
                                                            *********
Na igreja eles entrando juntos de braços dados. Toda a família sorrindo em pé batendo palmas.
 Ele: - Começaria tudo outra vez?
Ela sorrindo para os presentes: - Nem em outra encarnação! 
Alguém: - Não existem mais, casais como eles... Mesmo com todo esse tempo, a rotina, vê-se no rosto que ainda se amam...
Enquanto recebiam os parabéns do padre, Antônio Carlos pensava:
“Aquela brincadeira serviu para conhecermos nossos pontos fracos e... Agora temos todas as armas para ferir-nos um ao outro até o final.”
E todos responderam: Amém!

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Sobre a questão das leis






Em geral as nossas leis não são conhecidas, senão que constituem um segredo do pequeno grupo de aristocratas que nos governa. Embora estejamos convencidos de que estas antigas leis são cumpridas com exatidão é extremamente mortificante ver-se regidos por leis que não se conhecem. Não penso aqui nas diversas possibilidades de interpretações nem nas desvantagens que se derivam de que apenas algumas pessoas, e não todo o povo possa participar da interpretação.
Talvez estas desvantagens não sejam tão grandes. As leis são tão antigas que os séculos contribuíram para a sua interpretação e esta interpretação já se tornou lei também, mas as liberdades possíveis a respeito da interpretação, mesmo que ainda subsistam, acham-se muitos restringidos. Além do mais a nobreza não tem evidentemente nenhum motivo para influir na interpretação por seu interesse pessoal em nosso prejuízo, já que as leis foram estabelecidas desde as suas origens por ela mesma; a qual se acha fora da lei, que, precisamente por isso, parece ter-se posto exclusivamente em suas mãos. Isto, naturalmente, encerra uma sabedoria – quem duvida da sabedoria das antigas leis -, mas ao mesmo tempo nos é mortificante, o que provavelmente é inevitável.
Além do mais, estas aparências de leis, apenas podem ser na realidade suspeitada. Segundo a tradição existem e foram confiadas como segredo à nobreza, mas isso não é mais do que uma velha tradição, digna de crédito pela sua antiguidade, pois o caráter dessas leis exige também manter em segredo sua existência. Mas se nós, o povo seguiu atentamente a conduta da nobreza desde os mais remotos tempos, e possuímos anotações de nossos antepassados referentes a isso, e as temos prosseguido conscienciosamente até acreditar discernir nos fatos inumeráveis certas linhas diretrizes que permitem concluir sobre esta ou aquela determinação histórica, e se depois destas deduções finais cuidadosamente peneiradas e ordenadas procuramos adaptarmos de certo modo ao presente e ao futuro tudo aparece então como incerto e talvez como simples jogo de inteligência, pois talvez essas leis que aqui procuramos decifrar não existam. Há um pequeno partido que sustenta realmente esta opinião e que procura provar que quando uma lei existe apenas pode rezar: o que a nobreza faz é a lei. Esse partido vê apenas atos arbitrários na atuação da nobreza e rechaça a tradição popular, a qual, seguindo o seu parecer, apenas comporta benefícios casuais e insignificantes, provocando em troca grave e danos, ao dar ao povo uma segurança falsa, enganosa e superficial com respeito aos acontecimentos do futuro. Não pode negar-se este dano, mas a maioria esmagadora de nosso povo vê sua razão de ser no fato de que a tradição não é nem mesmo ainda suficiente, que, portanto há ainda muito que investigar nela e que, sem dúvida, seu material, por enorme que pareça, é ainda demasiado pequeno, pelo que terão que transcorrer séculos antes que se revele como suficiente.
O obscuro nessa visão aos olhos do presente apenas está iluminado pela fé de que virá o tempo em que a tradição e sua investigação conseqüente ressurgirão de certo modo para por ponto final, que tudo será aclarado, que a lei apenas pertencerá ao povo e a nobreza terá desaparecido. Isto não é dito por ninguém e de modo algum com ódio da nobreza. Melhor, devemos odiar-nos a nós mesmos por não sermos dignos ainda de ter lei. E por isso, esse partido, na realidade tão atraente sob certo ponto de vista e que não acredita, em verdade, em lei alguma, não aumentou as suas fileiras, e isso porque ele também reconhece a nobreza e o direito de sua existência. Em realidade, isso apenas pode ser expresso com uma espécie de contradição: um partido que, junto à crença nas leis, repudiasse a nobreza, teria imediatamente a todo o povo a seu lado, mas um partido semelhante não pode surgir porque ninguém se atreve a repudiar a nobreza. Sobre o fio desse cutelo vivemos. Um escritor resumiu isso certa vez da seguinte maneira: a única lei, visível e isenta de dúvidas, que nos foi imposta, é a nobreza, e desta lei haveríamos de nos privar a nós mesmos?

Franz Kafka


domingo, 4 de agosto de 2013

Decálogo do perfeito contista, de Horácio Quiroga

1- Crê em um mestre. Poe, Maupassant, Kipling, Tchekov, - Como em Deus. 

2- Crê que tua arte é um cume inacessível. Não sonhes em alcançá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguirás sem ao menos perceber. 

3- Resiste o quando puderes à imitação, mas imite, se a demanda for demasiado forte, mas que nenhuma outra coisa, o desenvolvimento da personalidade requer muita paciência. 

4- Tem fé cega não em tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua arte como à tua namorada, de todo coração.

 5- Não comeces a escrever sem saber desde a primeira linha aonde queres chegar. Em um conto bem feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância que as três últimas. 

 6- Se quiseres expressar com exatidão essa circunstância – “Desde o rio soprava o vento frio”, não há na língua humana, mais palavras que as apontadas para expressá-la. Uma vez dono de tuas palavras, não te preocupes em observar se apresentam consonância ou dissonância entre si. 

7- Não adjetives sem necessidade. Inúteis serão quantos apêndices coloridos aderires a um substantivo fraco. Se encontrares o perfeito, somente ele terá uma cor incomparável. Mas é preciso encontrá-lo.

 8- Pega teus personagens pela mão e conduza-os firmemente até o fim, sem ver nada além do caminho que traçaste para ele. Não te distraias vendo o que a eles não importa ver. Não abuses do leitor. Um conto é um romance do qual retiraram as aparas. Tenha isso como uma verdade absoluta, ainda que não o seja.

 9- Não escrevas sob domínio da emoção. Deixe-a morrer e evoque-a em seguida. Se fores então capaz de revivê-la tal qual a sentiste, terás alcançado na arte a metade do caminho. 

10- Não penses em teus amigos ao escrever, nem na impressão que causará tua história. Escreva como se teu relato não interessasse a mais ninguém senão ao pequeno mundo de teus personagens, dos quais poderias ter sido um. Não há outro modo de dar vida ao conto.

domingo, 28 de julho de 2013

A fita


Foto do site: http://maquinadecinema.blogspot.com.br/2013/05/lanternas-carvao-de-antigos-projetores.html





Apaga-se a luz.

As roldanas giram.

Semelhante ao relógio ou ao som de um trem.

A imagem atravessa as lentes

E se agigantam na tela branca

A imensidão aparece como num sonho,

Cheiro de pipocas e balas,

Meu coração quase pára de supetão

E a máquina vai engolindo a fita

E junto vai minha alma, e no escuro

Ávido, busco tua mão. Fria e úmida.

Beijo-te com sofreguidão de mocinho,

Que na fita, bem no fim,

Morrerá por amor.

E assim, vamos embora calados,

Com essa realidade infeliz,

De coisas perdidas.



sábado, 27 de julho de 2013

Odisséia







Liberdade! Liberdade! Estrada e caminhada.

Que os percalços apareçam,

Nessa grande aventura

Com início e fim

Sem medo de ordem ou de tempo,

O tempo a contento, cata vento ao vento,

Nesta nossa vida, irreal e virtual,

Outra era outra dimensão,

Que emane o prazer, a alegria,

A felicidade camuflada em orgias,

Nesta odisséia avassaladora,

Que é a vida.



A luta









Onde andas mulher? Aquela exata.

Aquele ser feminino, carinhoso,

Sem musculatura potente,

De carnes tenras,

Seus direitos atearam claro,

Mas,

Queremos tua ancestral forma de amar;

Estamos perdidos nesse orbe

Ora pro nóbis,

Cercam-nos os espinhos,

Cerca viva dos sentimentos,

Ambos estaremos perdidos

Se continuarmos nessa luta,

Decadente pugna,

Que nos levará a lugar algum

Porque nessa luta pela labuta

Perdemos nossa essência:

Tu mulher, mãe e eterna amante,

A puta,

Tu homem e protetor da prole, o macho,

Acorda! Se não restará nenhum amante.

Flores na relva








O beija flor beija,

Roubando da flor veja,

O néctar.

E esta, o aroma empresta,

A selva.

E enfim murcha,

Cai na relva.

Colorindo-a,

Como gotas de sangue sobre a neve,

Ou estrelas na noite densa.

E o beija flor voa

tenso

Vai e voa

De flor em flor.