terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Náufragos





                                   Náufragos

 Retirado do site ----https://suburbanodigital.blogspot.com/2017/10/ilha-desenhos-para-imprimir-e-colorir.html


         


          Naufragamos.

          Somos três. Alcançamos uma ilha perdida no pacífico. Quando a ilha deu por si estávamos sobre ela como três insetos a sugar seu lombo.
          Construímos  tocas para nos proteger das intempéries do tempo. Cada um no seu canto e ao seu modo. Um de frente para o norte outro para o sul e o outro para o nordeste.
          Depois fomos dormir.
          Ao amanhecer fomos à busca de víveres. Não nos esquecemos de acender uma fogueira um dia se quer para que nos achássemos. Passou-se anos.
         Por sorte a ilha tinha caça e pesca a vontade. Aprendemos a colheita. Não demorou dentro de certo prazo começamos a construir cercas e divisas. Tínhamos que proteger nossa propriedade.
          Até que se ficasse assim talvez vivêssemos em paz para sempre. É certo que não tínhamos nenhuma convivência. Cada um olhava e cuidava de suas propriedades.
          O inferno é que mandou um quarto. Ele nadou por quilometro e se imiscuiu em nossa ilha. E assim começou a nos incomodar. Como ensinaríamos para ele os limites? Sem falarmos um com o outro tínhamos nossas regras. E isso nos bastava. Nós três sem nenhuma comunicação nos tolerávamos. E agora com esse quarto? Não era bem vindo. Não podíamos aceitar outro já que nossas crenças, nossas éticas, eram já conhecidas e respeitadas e para explicá-las demandava tempo.
          E se o quarto pensasse diferente de nós? A primeira coisa que aconteceria eram debates cansativos, xingamentos e depois ódios exacerbados. O que ganharíamos com isso?  É preferível não aceitá-lo de cara. Por muito que seja cruel. Que arranje outra ilha para viver.
          Assim construímos um muro. Ele ficou na praia. Mas como rato passava as noites cavando túneis.
Todos os dias têm que expulsá-lo. Talvez cansado, um dia o diabo aprendeu a navegar.
          Agora anda para cima e para baixo com uma nau, olhando para o horizonte. Os olhos dele chegam a brilhar no escuro quando mira as estrelas.
          Um dia de sol quente ele colocou- se  na água e rumou  ao horizonte até a vela desaparecer.
          Enquanto nós há anos esperamos um salvador.

22 de Janeiro de 2019

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Os dois violinos








                                Os dois violinos


          Na noite em que completava dez anos de casamento e que acabara de receber um buquê de flores vermelhas, Luíza recebera um telefonema em que uma mulher dizia peremptoriamente: “Seu marido é um monstro. Eu o reconheci hoje na televisão. É um torturador frio e sórdido!”.

          A mulher não diz mais nada e desliga. Luíza senta-se para não cair. Abaixa o fogo das trempes e põe as mãos na cabeça.

          Justo agora que Francklin recebera a medalha de honra ao mérito e estavam tão bem. Parecem coisas de invejosos, pensa.
          Vai até a mesa de centro e reler o cartão:

Parabéns para nós e para nosso casamento! Você é a esposa mais querida, fofa e amorosa que algum dia poderia imaginar ter na vida. Sou feliz ao seu lado e tenho certeza que sempre serei. Te amo, meu bem.
              Assinado: Francklin Moura Scarpa

          Luíza é uma mulher bela de trinta e três anos, arquiteta e dona de casa exemplar. Conheceu Franklin quando ele apareceu no escritório dela em busca de um projeto. Foi amor a primeira vista.               Desses de novela ou contos de fadas.

          Conheceram-se em janeiro e casaram em maio do mesmo ano no mês das noivas, escolha dela, numa capela simples de um pequeno povoado. Só amigos mais chegados escreveram no convite.

          Volta à cozinha a tempo de evitar um acidente iminente.  A filha de três anos que deixara sozinha para atender ao telefone. Estava atarantada.

          Grita:

          - Camila!  Já te falei mil vezes para não fazer isso! A filha assustou-se. Continua:

          -Não pode fazer isso entendeu? Entendeu?

          Justo na hora que Franklin chegava da corrida  e a viu chacoalhando a filha daquele jeito.

          -O que aconteceu?

          -Essa maluca quase se queimou no fogão! Por um triz!

          Acontece que ele sabia conquistar qualquer um, principalmente a filhinha dele.

          -Monta aqui no papai vai! Fica de quatro.

          Camila de primeira não quis. Mas sabe como é criança.

         -Vem senão o “vavalo” dá um coice!

          Fingiu acertar a ponta do pé na filha. Uma loirinha encantadora de três anos.

         Ela abriu o sorriso e montou nele. Brincou  um tempão.

          Franklin pensa: “Que diacho deu nessa mulher? Ela nunca tratou a filha dessa maneira!”.

         Subiu as escadas correndo.

         A mulher vai atrás. Fecha a porta do quarto.Liga a televisão.

          -Você ainda não viu? Veja você mesmo.

          Uma mulher falava para um jornalista, o quanto sofrera na mão de um torturador. Contava em detalhes como fora torturada, dias a fio, e se encontrava arruinada física e psicologicamente pelo homem chamado “Chacal”. Tinha a foto do homem.  Seu querido Franklin, amor da sua vida, seu marido.

          Franklin desligou a TV. Não fala nada, pega a toalha, entra no banheiro, pede que Luíza coloque um vinho na mesa e prepare algo saboroso para comerem. “Do chuveiro diz simplesmente: Sou inocente. Vou provar”.

          Luíza preocupada desceu para a cozinha, ficou pensando, enquanto preparava algo, se por acaso conhecia a fundo o seu marido. A resposta não veio assim de pronto, verdade sejam ditas, existem pessoas que não se deixavam conhecer, se surpreendeu saber que Franklin era uma incógnita para ela. 
          Não, não o conhecia.

          E agora não podia fazer muito, estava na casa da praia um chalé construído sobre uma rocha sólida. Ele comparou essa casa com o casamento deles. Como disse seu marido orgulhoso quando comprou, longe de tudo e de todos, mas o importante é que nosso quintal abre-se para o mar. Realmente uma vastidão de mar.

          Preparou a mesa para dois. Dois pratos dois talheres um vinho e duas taças de cristal.

          Esperava agora na cabeceira da mesa arrependida de não ter colocado um sonífero no vinho. Ele pegaria no sono e ela e a filha escaparia incólume.

          Mas por outro lado, precisava acreditar nele, ouvir ao menos a história dele, dá um voto de confiança, afinal todos são inocentes até se provar o contrário. 
          Isso a confortou momentaneamente.

         Porém não restava dúvida que uma noite de amor não teria nenhum sentido. Assim não colocou nada diferente, por exemplo: nos anos anteriores tinha comprado lingerie novas e cremes massageadores. 

         Assim Franklin chegou de roupão. O perfume do shampoo encheu o ambiente.  Colocou uma música ambiente para não acordar Camila. Escolheu a “Sinfonia da despedida” de Joseph Haydn. Tem uma pequena história sobre. Ele vai contar.

          Encheu as taças de vinho e brindaram a saúde, à vida e ao a amor enquanto  a sinfonia dava os primeiros estribilhos. 

           Franklin sempre fez questão de contá-la para as pessoas: Ele se orgulhava de conhecer a maioria das obras clássicas. Olhando para o fundo da taça começou:

          “Havia uma lei no império húngaro para que os músicos fossem ao palácio de Esterhaza no início do verão, sozinhos sem famílias para várias apresentações. Eles ficavam o verão inteiro sem vê-los e morriam de saudades dos seus. Inconformados, pediram que Haydn intercedesse de alguma forma ao príncipe.

 Então ele fez essa obra prima como protesto político. Durante a obra os músicos vão saindo e quase no final Haydn também deixa o palco e ficam somente dois violinos quase inaudíveis.

          Assim o príncipe entendendo o recado diz:

Meu caro Haydn, entendi a mensagem! Os músicos têm saudades de casa... Muito bem! Amanhã fazemos as malas...” e liberou os músicos.
          Com essa pequena estória a música fica mais bela.       Prestamos mais atenção.
A música assim se  eternizou pelos séculos.

           Agora é tarde para arrependimento pensou Luíza.

           Franklin já havia tomado duas taças. Ele veio em sua direção. Ela ficou em pé esperando-o. Ele a agarrou pelo queixo e a beijou na boca e nos seios. Com a volúpia dos violinos.

          Colocou a cara no meio de suas coxas. Mordeu, lambeu,beliscou e babou. Num impulso arrancou a calcinha. Ela está fria. Seca de sentimentos. A flor não acolhe, encolhe.

          Notando isso Franklin  pega seu membro  como se fosse um arco de violino e como um exímio violinista, que antes de tocar, passa o breu, que tem o efeito de produzir o atrito entre as cerdas e as cordas, gerando o som, ele passou lubrificante em seu membro rígido e a penetrou a força.

          Os violinos estão agora alucinantes. O breu fez o efeito desejado. Ele gozou. Gozou dentro da ferida recém aberta.

          Depois separam-se rispidamente. Um para cada lado.

          Os instrumentos vão parando um por um.

          Como fora bom o sexo outrora, Luíza pensou. 
          Agora só sentiu asco. Nojo dele e de  si mesma.

          Ele veste-se e entorna na boca o resto do vinho.

          Sobe as escadas, lento, ouvindo as últimas estrofes. Em fá maior.
         Depois desce transtornado. Descabelado.
        Os violinos rugem como um choro. Um lamento.

         -Onde ela... O que houve? Nossa filha?

          Luíza pergunta chocada.

          Tudo terminado, ele diz. A última sinfonia. Podemos ir para casa.
          Vem em sua direção. Coloca as mãos em seu pescoço e vai apertando...Apertando. Ela desfalece.

          Agora só a voz dos violinos em uníssono.






quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Maioridade







                                                     Maioridade





             Odeio natal e ano novo. Essas datas me dão ojeriza e depressão. Não é de agora não. É desde que me entendo por gente mais ou menos quando eu fiz seis anos. Naquele dia lembro bem eu esperava meu pai chegar da rua com uns doces que ele prometeu e assim eu planejava  esperar o Papai Noel cheio de guloseimas.
           Não sei se por um golpe do destino ou outra coisa qualquer, só sei que ambos me deram bolo, mas fiquei com mais raiva foi do meu pai. Depois o perdoei quando soube que ele tinha sido abatido por uma bala perdida.
          Papai Noel demorei perdoar.  Só quando um amigo chegou pra mim e abriu meus olhos. Ele disse bem assim, na minha cara:
         -Deixa de ser tonto! Papai Noel e nosso pai são as mesmas pessoas.
Como assim eu pensei. Ele completou:
         -Papai Noel é invenção! Quem nos dá presente é nosso pai mesmo.
Foram duas tristezas juntas. Perdi ambos.

          Eu fiquei puto. Por isso nunca havia ganhado o que pedia. Eu pedia uma bicicleta e aí ganhava um carrinho de plástico.  Papai Noel com classe social  perdeu toda a magia para mim.

          A partir daquele dia essas festas representam tristeza, só tristeza e aborrecimento. Ao invés de solidariedade essas datas expõem nossas diferenças. Como chagas abertas. É só olhar as mansões e as favelas.

         Nem do Homem pregado na cruz se lembram mais.

         E agora para mim essas festas não representam nada. É  zero à esquerda. Uma bosta qualquer.  Uma oportunidade desses filhos das putas gananciosos mostrarem seus poderes.  Os filhinhos deles lotam os shoppings, enchem a fila do Mac Donald e as lojas de importados.

         Para nós a chance é mínima, o que podemos fazer essas noites é sair e apreciar as vitrines como os cães com as máquinas de assar frango.  Desejar somente.
           A única coisa bem aproveitado  nessa data é o indulto de natal. Temos oportunidade de rever os velhos companheiros. 
           Estou ansioso.

          -Seu Manuel mais uma gelada, por favor!

 Seu Manuel é um português gordo. O bigode dele tapa toda a boca para encobrir os dentes podres. Quando ele fala o bigode balança. É Calvo também. Os dentes não são lá essas coisas. São acavalados.
Ele traz a garrafa pelo gargalo. Eu acho engraçado. Segundo ele  é  para não congelar. Metido esse portuga, eu digo. Ele ri.

          -Estupidamente gelada, ele diz.

          - Até mofada, eu digo.

Eu aprovo. Ele encheu meu copo. Com colarinho.
Coloca no isopor.

          -E aí, onde vais romperes o ânus? Ele diz isso com todo mundo. É pegadinha.

          -Eu vou romper o ano por aqui mesmo. Estou esperando dois amigos do peito. E você rompe o seu onde?

          -Aqui no bar mesmo. Solta uma gargalhada.

Esses portugas sabem viver. Ri de tudo e de todos. Eu não. Eu sou enfezado. Não é porque sou só no mundo. Longe disso. Gosto até. Pais às vezes enchem o saco. Sufoca sabe.

          - Quem vem?

          -Birita e Epaminondas.  

         -Tudo nos conformes então?

         -Melhor estraga eu digo. Minto. Nunca estamos na melhor. Fingimos felicidade a todo momento.

         -Chegam que horas?

         -Birita vai chegar mais cedo já que ele está aqui na penitenciária da barra funda.  Doze horas mais ou menos. Já Epaminondas vai chegar só amanhã, pois ele esta na penitenciaria federal.

        -Homicídio ou roubo?

        -Os dois! Mas tão de boa. Não precisa se preocupar.

        - Toma jeito filho! Os meganhas essa época ficam de olho.

         -Tô sabendo seu Manuel. Estamos atentos. Os dois passaram o ano pianinho na cadeia e vão sair por bom comportamento. Não querem mais problemas. Passar o natal e ano novo com a família. A família deles sou eu. Conhecemos-nos na casa de recuperação, sabe?

Seu Manuel sabia de minhas tramoias. Era metido a dar conselhos. Quer ser paizão. Não quero. Conselhos se fosse bom era vendido, é ou não é?

      -Bom. O melhor dessa vida são os amigos ele diz.

      -Dinheiro também eu digo.

       -E mulher ele completa.

       -Mulher não pode faltar eu digo.

Ele chega mais. Enxuga as mãos numa toalha imunda.

          -Tem uma mulatinha ali na esquina hum!

Ele segura a orelha com um jeito engraçado.

        -Daqui ó.

          -Ah! Sim conheço. Não é a mulher do Baiano?

          -Isso mesmo. Ela vem todo dia aqui buscar o pão com aquele shortinho apertadinho, uma diabinha. Fica bem divididinha a danada.

          -Cuidado seu Manoel que o baiano é doido.

          -É doido mesmo. Eu com um pitéu daquele em casa não deixava sair  por nada. Eu dava casa comida e roupa lavada, netflix, Sky e tudo para mantê-la em casa.

          -Tem razão.  Mas Sabe seu Manuel que tem homem que gosta de oferecer a mulher pros outros?

         -É verdade? Se for eu dou pra ele o valor que ele pedir. Só um dia com ela.
       -E se ele for desses, hem seu Manoel? Com todo esse dinheiro que o senhor tira daqui dá até para...
 Eu coloco lenha no fogo. Vejo os olhos dele brilharem.
          -Não brinca comigo meu chapa, sou capaz de dá um enfarte.
Algo chama a atenção dele na TV.
Olha ali. Escuta ele, diz mostrando.
  A TV fica num ponto estratégico.  Entre o santo Expedito e um troféu do tempo que o time da rua ganhou o torneio municipal.
No jornal dois homens bem vestidos, de terno e gravatas são levados pela polícia federal.
          -A vida ta braba até para os colarinhos brancos veja!
  Eles tão algemados. Não tapam o rosto como nós fazemos. Não sentem vergonha ou a ficha ainda não caiu.
          -É nosso governador!  Diz o seu Manoel colocando a mão na cabeça.  -Onde vamos parar?
         -Eu quero que eles explodam!  
 Tomo o copo de cerveja em dois goles. Lembrei de Epaminondas. Um dia ele disse pra mim que a família dele é acostumada com fartura. Não entendi bem, pois quando o conheci ele era um borra bostas, não tinha onde cair morto e aí ele completou: É muita fartura: Farta feijão, farta  arroz, farta carne, farta tudo.
Eu ri de me deitar no chão.
Ele é engraçado. Ele tem voz rouca de tanta nicotina. Às vezes fuma maconha também. Vive chapado.
Fui tirar a água do joelho.  O banheiro fede. Uma latrina. Tinha umas bostas de três dias pregadas na parede do vaso. Tentei limpar mirando neles.  Não consegui.
A cordinha da descarga tava encardida pra dedéu e senti o maior nojo.
 Aqui só vem gente da ralé, pensei.
Peguei um pedaço de papel e puxei a cordinha e aí a merda rodou umas duas vezes e desceu pros esgotos.
 Esse país ta uma bosta. Desde de cima até embaixo.
Eu quando entro nesses pés sujos eu abro a porta sempre com o cotovelo. Precaução. Nunca se sabe. Têm vermes por toda parte. Verme nas coisas, vermes no ar, vermes na política, em todos os espaços.
Quando voltei Birita  estava na mesa . Dei o maior abraço nele. Gritei para seu Zé trazer mais uma.
         -Tá diferente!  Birita disse me olhando de frente.
Baixei os olhos sem encarar. Ele é daqueles pretinhos que se ficar no escuro só vemos os olhos. Usa o cabelo baixinho. Mas tem bom físico. Quase virou jogador. Um problema no joelho bateu esse sonho. Agora anda mancando da perna esquerda.
Ele tava careca. Os olhos um pouco apagados.
          -Deve ser o cabelo que estou deixando crescer, eu disse.
          -Não. É outra coisa que eu ainda não notei.
Ele tinha um tique nervoso também. Depois que ele foi preso pela primeira vez com uma grande quantidade de  crac. Essa porra é louca. Quem usa  perde o equilíbrio, anda parecendo que está dando curto circuito. Ficou magro. Olhos fundos.
Eu levantei os braços e coloquei sobre a cabeça. Fiquei rindo esperando o que ele ia dizer.
          -Pentelhos porra! Tá cheio de pentelhos na cara e no sovaco.
Olhamos surpresos de onde vinha aquela voz.
          -É o Epaminondas! Gritamos juntos.
 Saímos correndo até o passeio.
Epaminondas tinha jogado a mochila no chão e tava de braços abertos para nosso lado. Corremos e abraçamo-lo. Um abraço demorado.
          -E a voz ta parecendo homem, Birita completou. E caímos na gargalhada.
Tomamos umas quinze cervas e comemos umas porções de torresmo. Tínhamos muito que planejar. Colocamos as novidades em dia. No fim penduramos a conta. Seu Manuel chiou, mas pendurou.  
Birita fez sinal imitando uma arma. Insinuando um assalto.
Eu balancei a cabeça em negativa eu disse que seu Manoel era parça.
          -Deixa pra lá, Epaminondas disse. Hoje é só festejar.
Epaminondas tava meio estranho. Algo frio no olhar. Ficou olhando para o final da rua um tempão. Depois falou mudando completamente a cara.
          -E aí o que você andou fazendo perguntou Epaminondas olhando pra mim.
O olhar dele era de um velho. A pele branca, seca e pálida. Tinha os dedos marrons de nicotina.
Eu respondi que estava limpo. Mas que o dinheiro do último assalto ainda estava escondido e muito escondido na quebrada.
          -Temos de aumentá-lo disse Epaminondas.
Birita acenou com a cabeça.
         -Bom, mas a festa só está começando disse Epaminondas.  -Hoje eu quero é comer umas bocetas. To seco. Onde tem um local  por aqui?
          -Ali ó, no puxadinho da Marlene eu disse, apontando a esquina depois do ponto de ônibus. - Só tem uma coisa... Ela tem uma filha de quinze aninhos o maior pitéu, mas nem chega perto tá. Estou de olho faz tempo.
 Ele ficou sério.
 Eu olhei para eles. Dez anos trancados. Pareciam dois Zumbis.Só agora que conseguiram uma saída provisória.
          -Porra, você deve tá só na punheta em viado! Tá cheio de espinhas! Disse Epaminondas com a voz rouca.
          -Deve bater uma todo dia prá filha da Marlene completou Birita.
          -Vixe. Uma de manhã e uma a noite eu disse. Não podia achar ruim com a brincadeira.
Houve um silêncio pesado.
          -Sabia que quem bate muito, nasce pelos nas  mãos, disse Birita rindo.
 É uma brincadeira antiga, mas eu caí. No reflexo eu olhei.
 Eles caíram na risada.
Eu pensava em estudar. Sabia que a vida de bandido durava  pouco ou nada. Seria o ultimo serviço.
Subimos o morro rindo, um brincando com o outro e quando chegamos ao topo o sol se escondia atrás da montanha. No lado oposto,  uma linha dourada dividindo o céu e o mar.
           -Vou tomar um banho, colocar uns panos massa e um pisante na moral e caprichado.
Deitei na cama. Depois eu ia também. Fiquei olhando o teto um tempão.
          -Quem é o manda chuva  aqui no morro agora, perguntou Epaminondas saindo do banheiro.
          -Tem dois. Um é o  nêgo  Dendê eu disse. Sabe o cabo Hildebrando? O nêgo Dendê pegou ele numa tocaia e cortou todinho de bala.
Passei o rodo no banheiro. Detesto tomar banho em banheiro molhado.
          -E o outro perguntou Epaminondas.
Limpei o cabelo do sabonete. Tive que tirar com a unha.
          -O outro é a milícia. São duas facções. Vivem trocando bala quando se encontram, disse. Quando sai ele estava  enrolado na toalha. Abriu a mochila.
          -Aí, pega essa camiseta azul. Coloca aí. Jogou para mim.
Eu coloquei. Olhei no espelho. Ficou bacana.
          -Fica pra você ele disse. Pega esse tênis também.
Era um Nike preto. Calcei. Olhei.
          -Porra demorô eu disse.
          -Agora sim ele disse. Tá parecendo um moleque de responça. Toca aqui. E batemos as mãos.
Birita veio do quarto.
         -Falta isso.
Birita pegou um vidrinho de perfume e esguichou em nós.
O cheiro de perfume tomou conta do barraco.
          -Mulher gosta de homem cheiroso ele disse.
          -Não, quem gosta de homem é viado. Mulher gosta de dinheiro, disse Epaminondas sorrindo.
Entramos na casa da Marlene. Rolava um funk batidão e umas minas dançavam na pista. Outras espalhadas pelo salão.
Sentamos nos fundos. A luz escura.
Uma delas aproximou-se e ofereceu um show de Striper. Era uma morena com a bunda avantajada.
Pedimos três caipivodcas .
          A morena subiu ao palco. Acendeu uma luz sobre ela.
Uma luz começou a piscar e ela começou a dançar segurando numa barra de ferro. Rodopiou um tempão.  Tirou as botas de cano longo.  Ficou de ponta cabeça  para mostrar em detalhes sua anatomia. Eu acompanhava a música com a cabeça.  Tum Tum Tum Tum . Um som tão alto que doía o coração.Depois de várias voltas  e fingimento enfim ela tirou a blusa. Jogou em nossa direção. Os peitos tinham as auréolas pretas e bicudos.   Puro silicones eu pensei.
Hoje as mulheres são artificiais eu pensei. É difícil achar uma natural.   Os peitos ficam duros e quase  inertes, sem gravidade.
Ela segura os seios com as duas mãos. Dá um rodopio e fica de costas.
Faz um alongamento tocando as palmas das mãos no chão. Sobe lentamente e começa a tirar a calcinha preta fio dental. Quando tira escancara a bunda para nosso lado. Deve ser isso que os ginecologistas olham todo dia. Devem ficar enjoados. Quando chegam em casa nem querem trepar. Os pentelhos dela era um emaranhado de fios enrolados, mas ela tinha uma estética das antigas estátuas gregas. Vi algumas nas praças públicas.
 Epaminondas põe a língua para fora. Birita finge que está gozando. Eu viro minha vodka goela abaixo.
 Sinto um calor subir.
Terminado o show Birita falou alguma coisa no ouvida dela e sobem a escada se manipulando.
É foda vida de puta, eu penso. Não tem escolha.
Eu e Epaminondas ficamos por ali jogando conversa fora.
          -Vocês não querem se divertir?  Marlene  se aproximou fumando um cigarro. Epaminondas empurrou uma cadeira com o pé. Ela sentou-se. Vestia-se com uma mini saia justíssima.
Era uma coroa bastante enxuta. Cabelos pintados de louro.  Vê-se que não é loura legítima pelas sobrancelhas.
        -O menino aí deve querer ele me aponta para mim.
Ela levantou-se e sentou-se sobre as minhas pernas. Faz um movimento erótico.
 A perereca deve ter pelos escuros, pensei. Querem parecer loiras, pois a fama é que as loiras são mais quentes. Se enganam  os otários.  Quem faz a mulher é o homem.Elas não me enganam não.
Tomo mais uma. Era para dá coragem. Seguro-a pelas coxas. Puxo a mini-saia um pouco para cima.
          -Que mãos frias ela diz, para completar logo depois, -mas coração quente. –E você garanhão ?
          -Eu quero algo mais, disse Epaminondas balançando o gelo no fundo do copo.
          -As garotas daqui estão todas espalhadas pelo salão disse Marlene. Se tiver que sair da casa tem que pagar o dobro.
Eu pego na xana dela por cima da calcinha.
Ela era uma mulher tarimbada. Continuou.
          -Aqui mantenho todas as mulheres gabaritadas e saudáveis... falava  como se fosse  produtos. Aponta com o dedo mostrando a unha longa.
          -Tem uma novinha da Bahia ali e a outra acolá do Espírito Santo. Todas filé mion. Peitinhos pequenos, xoxotas depiladas, xaninha apetadinhas e fazem boquetes como ninguém...
          -Quero novidade disse Epaminondas.
Nisso a filha de Marlene veio até ela pedir alguma informação. Tiro ela do meu colo.
          -Oi Soninha eu digo.
Soninha vestia-se com uma calça legue preta. “Essas porra dessas calças deixam as mulheres muito gostosas eu penso. Aumentam o bumbum e dá um volume extraordinário a perseguida. Fica parecendo um capô de fusca tala larga ano meia nove e todo envenenado.
Acenou com um sorriso para a gente e saiu o mais rápido possível.
          -Não disse que tinha  escondido, disse Epaminondas sorrindo.
Marlene ficou vermelha.
          -Essa, meu filho, vai ser doutora ou juíza, não é para o seu bico, disse.
          -Pois fique sabendo que amanhã estarei rico e aí veremos.
          -Essa não tem preço, disse Marlene ficando de pé. Disse ainda para nos aproveitarmos e saiu para o bar.
Bebemos até o cu fazer bico.
Voltamos para o morro.
Lá para as tantas, Epaminondas saiu.
Bicho doido pensei. Fui dormir novamente.
Soube depois que ele tinha ido direto para casa de Marlene.
Quando ele chegou o salão ainda tinha luz, música e risadas. Assim ele aproveitou e cruzou todo o jardim. Foi até a última janela e forçou um pouco e ela cedeu.
Segundo ele Soninha lia algo na cama.  Era o livro de poesia que dei para ela.
Ele não deu tempo e pegou-a por trás. Ela tomou um susto e tentou gritar. Ele abafou sua boca. Fica quieta ele disse apertando uma faca em seu pescoço. Se for boazinha e cooperar sai dessa numa boa.
Talvez ela tenha dado um soluço nesse momento. Vai saber.
Durou uma meia hora ela falou, quando ouviu os passos de sua mãe na escada. Aí ele vestiu-se rápido e saltou pela janela ganhando a rua. Ele contou tudo isso numa galhofa.
Madalena ainda viu um vulto passar pela janela, mas se entreteve em vê Soninha aos prantos.
          -O que aconteceu minha filha? Ela perguntou apavorada.
          -Nada mãe, esquece!
Ele havia dito para ela que se contasse para alguém, voltava e matava as duas. Mãe e filha.
          -Quem saiu daqui, foi aquele amigo de Felipe?
Com muito custo Soninha contou.
          -Foi sim.
          -Te machucou filha?
          -Não mãe!
Soninha não parava de chorar.
          -Aquele miserável me paga gritou Madalena!
Epaminondas aquela noite ainda andou a esmo por mais duas horas nas ruas. Quando chegou a casa eu comia um pão com salame vendo um programa na TV.
               -Come aí parceiro eu ofereci.
               -Tô sem fome, ele disse.
Olhei-o de esguelha.
              -E aí saiu ontem?
              -Ah! Sim.
             -Foi onde?
           -Na boate de Marlene.
          -Viu Soninha?
          -Não só vi, mas ficamos numa boa moleque!
          -Conta como foi?
          -Subi pé ate pé até o quartinho  dela...
          -E aí? Mordi o pão com força.
          -A bonequinha estava só de legue preta.
                -Caralho porra! E aí?
          -Fui pra cima dela. Porra não te conto. Era virgenzinha.
         -Puta que pariu e você comeu?
                   -Tudinho atrás e na frente.
          -Porra! E ela deixou?
         -Não queria...
         -Porra não te avisei caralho!  Quando Marlene souber vai te matar.
       -Eu acho que quem  ta se doendo é você mermão!
       -Não é isso caralho, a mina é gente boa e a mãe não queria que ela entrasse na vida!
Epaminondas se levantou. Empurrou-me sobre a parede. Eu chutei seus culhões.
       -Quando Marlene souber vai mandar te matar seu Mané!

       -Já soube parceiro! Ela quase me pega no flagra. Só deu tempo de vestir a calça e correr. Até deixei a cueca para trás.
Birita entrou empurrando nós dois.
          -Puta merda! Que porra é essa?
          -Esse porra aí, estuprou a Soninha!
         -E o que tem isso seu babaca? Um dia ou outro ela ia transar.
         -Mas com quem ela queria otário! Filho da puta!
        -E quem disse que ela não quis? Ela vivia com roupas curtas pra cima e pra baixo...
      -Isso não é de sua conta seu bosta eu disse com ódio.
         -Bom, não quero falar mais disso.  Vamos pegar os trabucos e ir para o trampo disse Birita.
          -A hora é boa disse Epaminondas.
Colocamos umas toucas ninjas no bolso, o trabuco no meio das pernas e vestimos uns blusões para disfarçar.
 Fazia frio.
Roubamos o carro do primeiro  otário que parou no sinal  cutucando o celular.
          -Perdeu! Perdeu! Eu gritei. Eu estava com ódio de tudo. Era capaz de matar qualquer um.
O cara assustou-se e saiu correndo. Largou o celular em cima do banco.
Eu peguei a direção. Eu olhei o celular do cara no banco. Uma mensagem piscava.
Dizia: O que foi amor? Parou de falar repentinamente? Aconteceu algo?
O cara tinha um amor. Eu não.
 Nada bem.  Estou no transito. Mais tarde te ligo. Escrevi.
 Escrevi excitado. A garota estava em meu poder.
Birita olhava o transito. Epaminondas jogado no banco de trás.
Vejo a mensagem dela:
 KKKKKKKKK!   
Eu mandei um coraçãozinho vermelho.
Encostamos no Carro forte e Epaminondas com o trabuco para fora:
-Encosta Encosta ele gritou. Perdeu! Perdeu!
  Encostaram. Não eram trouxas. Saltei do carro ainda em movimento e quase caí de cara no asfalto. Encostei o cano da metranca na portinhola e gritei que se não abrissem ia atirar na lataria  até ela ficar furada igual escorredor de arroz. Abriram a porta traseira e eu peguei o que pude. Dois sacos com dinheiro até a boca. Birita também pegou. Epaminondas demorou. Tava mamado o puto.Quando ele voltava correndo eu já  tava acelerando foi quando ouvi o pipoco. Bum. Foi escopeta eu gritei. O segurança se escondia atrás de um poste. Epaminondas rateou as pernas com o buraco que fez nele bem no meio das costas. Levantou os braços e caiu em câmera lenta. Dobrou os joelhos e deu de cara no asfalto. Aí eu acelerei. Bem feito pensei.O segurança ainda deu mais dois tiros. Bum bum. Eu dobrei a esquina em duas rodas. Não vi mais nada.  No oitavo quarteirão Birita saltou na quebrada. Tínhamos combinado assim.
Dirigi mais ou menos uma meia hora pela zona sul. A polícia acha que em bairro de rico não tem pilantras.  Só tem.
Quando veio o silêncio, nenhuma sirene nem helicópteros parei perto de um condomínio e peguei novamente o telefone. Ela ainda estava on line. O namorado não teve tempo ainda de bloqueá-lo pensei.
Escrevi: Oi amor!
Um porteiro acenou para mim abrindo o portão eletrônico. Esses bostas não podem ver um carro importado. Balancei o dedo dizendo que não ia entrar. Ele fechou imediatamente.
“Oi” a mensagem piscou na tela. Dei um tempo.
“Vamos nos encontrar?” Escrevi.
“É o que mais quero, mas sua mulher não ia chegar hoje?”
Porra e essa agora eu pensei. O cara é casado com outra. Pilantra hem!
Cliquei na foto dela. Garota linda. Não tinha mais de quinze anos. Calculei.
“houve um contratempo”, escrevi.
Rapidamente apareceu um coração vermelho pulsante.
Mandei uma carinha sorrindo.
“Posso te pegar agora”, escrevi. Temos a noite inteira pela frente. Ela só chega amanhã ao meio dia.
“Você deve estar brincando!”
Não estou respondi. Mandei um coração também.
Estou no meio de uma aula.
É só dizer que vai ao banheiro e sair, escrevi.
Já fui.
Inventa uma desculpa qualquer...
Demorou uns segundos:
Então me pega na lateral do colégio.
Um quarteirão depois eu disse.
Ela mandou uma mãozinha curtindo.
Esqueci o nome do colégio.
Colégio Esfinge a mensagem dizia.
Olhei no GPS. A voz disse para seguir pela esquerda. Eu segui. Levei dez minutos.
 Ela entrou e tomou um susto. Tinha cheiro de hortelã. Mascava chiclete e parou.Travei as portas. Falei para não gritar. Não me mate ela disse. É só você não fazer besteira eu disse.
Tomei a direção das praias. As ondas vinham branquinhas quebrarem na areia. A saia azul escuro dela um palmo acima dos joelhos. Mulher que usa saia acima dos joelhos é vagabunda dizia minha mãe que Deus a tenha.  Eu não acho. Ela tem cara de inocente.
 Entrei num motel.  Quando entramos no quarto é que deu para observar a garota. Não era feia. Era linda. Vestia uma camiseta branca meio transparente.  Mandei ficar pelada. Tirei minha roupa também. Obriguei ela entrar na banheira comigo. Coloquei a metranca em cima duma mesa.
          -Vem, faz um oral em mim eu disse. Se morder eu arrebento sua cara.
 Enquanto ela fazia eu pensava em Soninha. Quando senti que ela estava bem mais relaxada mandei sentar em minha rola e mexer devagar. Ela tinha os movimentos precisos. Não deixava sair totalmente e sentava-se devagar até ir no fundo. Segurei o gozo umas duas vezes.
 Fomos para a cama.
          -Está com medo de mim eu perguntei.
Ela não queria conversa. Eu gritei:
          -Quando faço sexo quero que olhe para mim!
Aí ela olhou.
Me beije eu disse.
Ela me beijou.
         -Tá com medo tá?
         -Agora não mais ela respondeu.
Quando a enforquei antes de morrer eu vi a decepção nos olhos dela.
        
Fui direto para a casa de Marlene. Escondi a grana no quarto e saí para dá fim no carro. Deixei bem longe e voltei de metrô.
Na estação ouvi o repórter policial falar sobre o assalto, que morreu dois bandidos e o terceiro evadiu-se. Porra eu disse. Vão com Deus parcas. Deram mole.
A grana agora é só minha pensei. Não tenho ética. Não tenho moral. Não tenho nada. Tenho dinheiro.
Voltei para o quarto. Marlene contou o que eu já sabia sobre a filha e Epaminondas.
Eu digo que ele teve o que mereceu. Contei da morte dele. Um tiro nas costas que atravessou ele. Vou ao quarto de Soninha. É um quarto todo rosa de princesa. Quando chego  ela se joga em meus braços e chora.
Não vejo diferença entre a Soninha e a garota.
Nunca mais vou ter condições de amar ela dizia. A carne dela toda tremia. Eu também.
Com o tempo se esquece eu falei sem convicção.
O cheiro dela era bom. Eu podia aproveitar dela. Ela estava frágil. Ela deitou perto de mim e pediu para eu fazer cafuné. fiz dormir. Eu digo para ela que agora tenho dinheiro e que o dinheiro era nosso e que sou de maior e que o futuro estava a nossos pés.
 Não sei se ela escutou. Ela ajeitou o corpo no meu e dormimos de conchinha até as dez.