O intento
Hoje
amanheci com vontade de matar. É. Não precisa olhar com essa cara de horror não.
Já venho tecendo essa idéia há tempos. Uma pessoa mesmo. Um ser igual a mim.
Dizem que só
o início é como um pesadelo, depois vira prazer. Temos
dentro de nós o bem e o mal. Essa crença faz qualquer pessoa ser capaz. Os homens inventam guerras desde então, a fim
de, saciar esse desejo.
Mas como
seria a iniciação? Um acidente? Uma ira? Um desamor?
Procurarei
começar do jeito certo. O mais razoável possível.
Assim sendo escolhi minhas presas entre
uma lista de marginais e pessoas simples, dando prioridade a pobre, preto, gays
e nordestinos. A morte
de tais pessoas passam despercebidas.
Tem gente
que não merece viver. A verdade é essa. Esses, temos que matar mesmo. Deixar na
cadeia para comer de graça onerando o estado, o dinheiro público? Nem pensar. Essa é
minha decisão. Vou ser chamado de
abutre, urubu, estes animais que
limpam a natureza. Eu vou atuar da mesma forma eliminando todo o lixo da
sociedade.
Saí para
comprar uma arma. Porra que dificuldade. Que
complexidade, um cidadão comprar uma
arma. Pedem endereço, telefone, tipo
sanguíneo e toda uma baboseira enorme.
Preferi
comprar no traficante da esquina. Toda esquina tem um. Ele arrumou de um policial aposentado. Para sair do vermelho. Veja a inversão de
valores.. O cidadão com medo atrás das grades e os bandidos soltos.
Aproveitei e
comprei dez caixas de balas.
Um site explicava tudinho, o calibre, efeito que fazia no corpo
e a forma do buraco que faria no corpo,
e pasmem, perguntava ainda ,qual minha
arma preferida. Tem várias empresas
que investem muito dinheiro para criar artefatos cada vez mais mortais, mais eficientes.
Não dei
muito papo. Eu queria era matar.
Pensei
comprar um rifle tipo Snipes, e ficar em cima de um prédio, atirando a esmo,
vendo os corpos tombarem, mas logo desisti. Matar a distância não fazia meu perfil.
Quero o prazer. Quero ver o rosto da pessoa, o suor na cara, o terror nos olhos,
vê ele se borrar todo nas calças. Essa é minha idéia.
Assim comprei um trezoitão, da marca Taurus
com cabo de osso polido e prateado. Precisava ver o tamanho do “trabuco”.
De noitinha,
o céu ainda estava com aquela claridade rosácea e fazia um pouco de frio. Puxei
o boné para encobrir meu rosto enchi meu embornal de bala. A caçada ia começar.
Segui a minha presa. Melhor perfil impossível.
Era um “negrinho” magricela, vindo do norte e ainda por cima “veado”. Era um
desses ladrõezinhos que andam no escuro feito barata, com medo da luz. Conhecido
no bairro.
Escolhi o
local propício. Não devia chamar a atenção. O segui por mais de meia hora.
Finalmente ele entrou num beco sem saída. Quando
apareci ele assustou-se. O
ludibriei dizendo alto e em bom som que ia tirar “água do joelho”. Ele riu para
mim. Os dentes podres. Nesse momento fingi abrir a braguilha e senti a
adrenalina, o coração acelerar, um misto de medo e prazer. Saquei rápido. Foi
um tiro no meio da testa. Ele morreu de olhos abertos e a língua para fora. Eu
matava e anotava num diário. Postava tudo depois na internet. Tinha milhares de visualizações. As pessoas
gostam da miséria dos outros. Era um sucesso. Tinha uns que davam conselhos. Procure Deus diziam. Às vezes eu ficava quieto,
sem dá resposta outras vezes respondia que “não foi eu o primeiro a abrir a
porta do inferno. Está aberta há muito tempo, não é?
Era
prazeroso ouvir nos bares as pessoas comentarem:
-Mataram
mais um bandido! E o outro responder:
-Foi tarde!
Foi um tempo
de paz. Os piores elementos sumiram. Mas o prazer é voraz. Aí comecei a matar um desafeto ali outro
acolá e a coisa começou a desandar.
Cheguei ao cúmulo de matar um só porque olhou atravessado para mim. Estava exterminando todos
que um dia me contrariou.
Quando me
pegaram já havia matado mais de cem. Na maioria neguinho ruim. Só a escória.
Fui
condenado, mas fiquei preso somente um terço da pena. São as leis. Os poderosos fazem as leis
pensando no “rabo” deles. Os juízes também. É toda uma malha podre.
Contratei um
bom advogado. Juiz e advogados entram em acordos. Eu comprovei endereço fixo,
trabalho, carteira assinada, essas merdas.
E principalmente tinha matado só negros, pobres e marginais. E eu sou
branco sabe? Olhos claros. E tenho
algumas posses. Pago plano de saúde porque esses hospitais estão cada vez mais
entupidos de doentes. Meu psiquiatra deu um jeito de me internar num hospital
de loucos e doentes mentais. Toda semana me ligava perguntando se eu estava
tomando os medicamentos. Eles,os médicos sim, são felizes. Podem matar a
vontade.
Depois que
saí do manicômio, anunciei-me como cuidador de idosos. Tive carta de recomendações e tudo . Dava para
manter as aparências. Mas o prazer é outro.
Todo velho pensa em morrer. A
maioria estão jogados em asilos, longe da família, dos filhos. O dia dia deles é de dores, muito cheiro de cocô e
urina ardida. Dá ânsia de vômito.
O último me
perguntou de chofre:
-Quando é que
você vai me matar?
-Amanhã de
manhã. Eu disse. Ele sorriu.
Não sei se
ele acreditou.
O matei de
manhã, depois do café.
Muito tempo se passou. Perdi as contas. Não sei quantos anos.
Sofro dessas lacunas. É como uma folha em branco. Principalmente aqueles dias. Quando
bate a ansiedade. A solidão.
Isso tudo foi me cansando. Ontem não tomei
medicamento algum, assim pensei dessa forma:
-E se ao
invés dos outros, eu tirasse a minha própria vida? Achei a idéia brilhante.
Desde então
eu fiquei imaginando. Uma adrenalina louca. Deixaria carta? Cheguei ao ponto de
premeditar tudo e imaginar a melhor forma. O melhor jeito. Mas não é fácil.
Oscilamos muito. Um dia parece certo, no outro não. Hoje eu escrevi num papel
isso:
Um aviso
importante:
Se essa
escrita de alguma forma parar bruscamente é que eu
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