sexta-feira, 21 de junho de 2013

Passado e presente






Foi depois que eu achei por acaso aquela velha fotografia amarelada, que ela resolveu falar. Encontrei-a no fundo da gaveta. Quatro mulheres fantasiadas.  Na flor da idade. Riam para a vida.
 Todas as segundas eu tomava conta de minha avó. Assim que eu chegava, servi-a-lhe leite morno numa caneca, tirava do copo a dentadura dela que ficava perto do rádio e colocava em sua boca. Eu ia correndo lavar a mão com certo nojo e ela sorria um sorriso postiço, mas nem por isso menos verdadeiro. Enquanto isso eu corria ao quintal catava as seriguelas, enchia a caneca e ficava chupando aquelas delicias sentado na espreguiçadeira perto dela à janela.  Ali se passava seu mundo.
E o povo todo passava pela janela.  Bom dia Dona Ernestina, boa tarde dona Ernestina e boa noite Dona Ernestina. Eu ouvia durante todo o dia as badaladas do sino da igreja. Era ela muito conhecida das gentes. E o povo falava que as histórias dela tinham muito de verdade, não era coisa de caduca não, como dizia meu pai. Cada um que tire suas conclusões. Eu do meu lado queria só que terminasse meu turno. Um dia era meu o outro do meu mano. Esperava só os galos cantarem na hora do Ângelus. Era quando o sol se escondia atrás do jambeiro e os morcegos começavam a sair.
Aí a levava para a rede, tirava a dentadura e colocava no mesmo copo com água e ela dormia o sono dos Justus. No outro dia meu irmão vinha me render. Vinha contando alegre: “Sabe o cachorro de seu Antônio. Ele quase me pegou. Acertei-o bem na fuça pra ele aprender”. Ele dizia isso rindo. Só fazia careta quando encontrava o penico da velha lotado de bosta. E era quase todo dia. Bem feito prá ele. E nenhuma seriguela no pé.
Mas até completar esse ciclo muita coisa se passava. Ela era a boca do povo. Nesse dia eu procurando novidades nas gavetas, ferramentas de meu avô, chave de fenda, moedas antigas, biscuit quebrados, molho de chave, encontrei essa foto com um grupo de mulheres que pareciam felizes. Quem são vó?Perguntei.  Ela tomou de minha mão mirou os óculos apertando a vista e ficou um momento em silêncio. Depois não parou de falar.
Ai! Que saudade! Essa da esquerda é Marieta. Morreu faz dois anos. Aliás, todas morreram. Só sobrei eu para contar a história. Suspirou. Já essa da direita é Vanderlea. Isso mesmo. Vanderleia. Casou-se com o prefeito Valdão. Essa outra me deixa ver. Ah! É a Noquinha. Que Bom! Que bom! Essa do meio sou eu. Grande carnaval! Onde você achou? Apontei a gaveta numa cômoda velha. Aliás, tudo é velho por aqui. Tem um rádio, uma máquina de escrever, máquina de costura, arca etc.
Você não sabe, pois saiu dos cueiros agora, ela dizia. Aqui já foi muito bom. Hoje o carnaval não existe mais. Tudo culpa desses jovens tresloucados. “Bom dia Ernestina! Bom dia! Olha! A filha de seu Nico. Vem lá debaixo. Boa lavadeira. Boa menina”.
Arrependeu-se do que disse. Não! Dos jovens também não. É o tempo mesmo né? Surgem novos divertimentos. Só pode ser isso. Mas como ia dizendo, já foi o melhor da região e quiçá do brasil. Não tinha prá ninguém.  Ah! Não tinha. O povo de Piancó morria de inveja. Piancó é uma cidade vizinha aqui perto. Tem a maior rivalidade com nossa cidade. O clube Primavera, construído no tempo do prefeito Valdão era grã fino. Êita prefeito macho visse. Foi o único que trouxe aqui Juscelino. Isso mesmo. Como se fala? Juscelino cu bi xeque. Ou coisa parecida. O mesmo que construiu Brasília. Eu não sei isso de história não senhor. Foi vivido mesmo. Vendo com esses olhos que a terra há de comer. Diz até que ele tem um filho por aqui. O povo aumenta, mas não inventa. Esta história eu conto depois. Se não perco o fio da meada.  E não se avexe não que eu vou contar tudo. História e a vida, bichinho são como um novelo de lã. Tem que ser desenrolado sem pressa para ficar mais bonita e gostosa assim de se viver. Pois então. Vinha uma ruma de gente de tudo que é canto para o baile de carnaval. Quatro noites memoráveis. O ônibus vinha assim ó, tinindo de gente. Era gente daqui e de fora que iam estudar na capital. Eu acho que não era só para estudar não. Era principalmente para fazer as safadezas longe das vistas dos pais, isso sim. Para dar o xibiu ó. Pois quando não se tem olhos para se ver nem ouvidos para se escutar meu filho, o homem é capaz de coisas tão bestas que não entendemos. Por isso tais mocinhas voltavam todas com as ancas largas, mascando descaradamente chicletes, pintando a cara. Igual as raparigas daqui.  Eu que fui uma idiota. Porqueira. Dei para um homem só a vida inteira. E que Deus o tenha em bom refrigério e quando ele se foi eu já não tinha mais serventia. Só pelanca ó.
O carnaval de hoje é essa bagunça, essa merda. Dá até gastura.  Naquele tempo tinha durante o dia as carreatas e quando chegava á tardinha todo mundo ia para a matinê. Era quando as crianças iam com os pais.
E os preparativos começavam um mês antes, com a procura dos tecidos a feitura das fantasias e a lista de quem ia participar do bloco. A escolha do nome era outro problema a se resolver. Lembro do carnaval de 19. O inverno tinha sido bom e todos estavam felizes. Vanderlea escolheu. “As endiabradas”. Eu por meu lado achei um pouco de mau gosto, meio forte talvez, mas ela explicou que era para ser agudo mesmo e chamar a atenção dos rapazes. E disse para eu deixar de ser cafona.E naquele ano a disputa foi arretada.  Nosso vestido era de romanas, solto assim dos lados, deixando ver um lance das pernas. Fez o maior sucesso. Nosso bloco tirou o primeiro lugar. Era eu, Marieta mais conhecida por boquete ou mão de seda, (os nomes diz tudo), Amélia e Vanderlea depois eu conto da parte delas.
Á noite só entrava maiores de dezoito anos. Mas com jeitinho aquelas meninas mais afoitas que já tinham feito dezessete anos entravam com a ajuda dos pais. E aquele tempo a gente cheirava lança perfume. Ficávamos com uma loucura recatada. Bem mais tarde aquele presidente da vassourinha proibiu. O Jânio. Só porque esguicharam no olho dele. Deviam ter esguichado porra no puto. Bebia todas, num sabe. Proibiu também a briga de galo. Isso aí ate que eu achei justo, os bichinhos brigavam até morrer, coitados. Agora a lança perfume foi uma idiotice. Depois saiu. Deixou a gente na mão. Mas não quero falar de política não. São todos uns podres. Diziam que iam resolver os problemas das secas aqui e nunca resolveram.
Mas como ia dizendo o clube era muito bom. E para ser sócio, menino, do Clube Primavera, não te conto. Uma dificuldade. Tinha a tal bola preta. Era assim. Vou explica. Calma!  Exemplo: Alguém colocava o nome na lista, desejando o ingresso como sócio, aí os diretores se reuniam, com muita cerveja e tira gosto. O único que tomava cachaça era o juiz filho do Doutor Adalberto. O Doutor que viu todos os xibius da região. Pois bem. Ficou rico o danado.
Diziam que eles investigavam a vida do sujeito de trás pra frente. Tudo mentira. Depois vi que essa investigação era bem fajuta. Bem do jeitinho brasileiro. A metade da cidade era sócia. A outra metade era negra ou índio e aí não podiam entrar. Mesmo sendo nosso país miscigenado, porra de nome difícil, mas aqui pra nós, não espalha menino, mas tinha muita rapariga ali dentro. Ah! Tinha-se. Vixe! A mulher do prefeito mesmo, quando cheirava além da conta, subia na mesa e ficava rebolando igual às meninas das casas da beira do rio. Igualzinha. E a lança perfume deixava a mulherada louca visse. E aqui pra nós, mulher feliz e rapariga é um perigo. Ela era comidinha de todos os cantores que vinham por aqui. Agora me lembrei de Vander Lúcio. O melhor animador de carnaval dessas paragens. As machinhas em sua voz viravam poesia. Ele tinha a voz grossa e bem afinada. Ele cantava assim: “E abrem alas que eu quero passar” e Vanderlea os olhos nele rebolando ali em cima da mesa. O povo falava que foi a maior paixão da mulher do prefeito. Vanderlea não podia ouvir sua voz que se molhava toda. Isso ela me disse certa vez.
E menino, vou dizer uma coisa. Tantos cabaços voaram ali. Em torno do clube tinha uma matinha de marmeleiros coberta por aquela rama de melão de são Caetano, era só estirar um papelão e os rapazes mandavam a vara. Nove meses depois nasciam as crias. Amélia coitada foi assim. Enrabichou-se  com um janota da capital e nove meses depois já viu, veio o bruguelo. Mudou-se e muito tempo foi dona de pensão. Diziam as más línguas que não era pensão nada e sim casa de mulheres. Mas vai saber a verdade. Morreu bem velhinha um dia desses, e teve até discurso de certo escritor que lhe dedicou num jornal do comércio, alguns versos. Versos estes, que falavam de posteridade e imortalidade, essas coisas efêmeras, mas tão ao gosto do povo. Pois bem, e ali naquele clube, houve carnavais memoráveis menino.
Essa aqui da esquerda, uma amiga, que Deus a tenha, essa morreu virgem. Ela sabia enganar todo mundo. Marieta era o nome dela. Não dava a frente. Ela dava o rabo para não engravidar e não ficar mal falada. Era inteligente a danada. Também dava só para os rapazes de fora. E assim não caia na boca do povo daqui que tem a língua maior que a cara. Depois namorou dez anos com o sargento Idelbrando e permaneceu virgem. Ela contava para mim que naquela hora gostosa, quando os pais iam dormir de cansados, e ele vinha pra cima como touro louco ela dizia assim:
“Ai meu bem eu estou naqueles dias, num sabe, só se for assim por trás”, e se virava. E o sofá velho da sala gemia. E parece que para o sargento essa posição era sua predileta, pois nunca reclamou. Comeu a traseira dela dez anos á fio. No entanto soube-se por amigos do sargento que ele tentara enrabar uma nova mulher que havia chegado à casa da beira do rio e que ela disse para ele séria, que essa posição era mais caro e que muita mulher da vida odiava fazer. E que ela mesma nunca tinha feito. Como são as coisas. E uma mulher do estipe de Marieta, mulher da sociedade, sócia do clube Primavera, rainha de carnaval por dois anos, irmã do prefeito, minha melhor amiga, dava de bom grado.
Depois o sargento foi transferido prá capital, e a tristeza a abateu. Foi ficando doente, pálida e numa quarta feira de cinzas faleceu. O povo fala que o Juiz usando as suas prerrogativas, o caçou por todo o Brasil e foi encontrá-lo na década de sessenta numa cidade de São Paulo, não se falou o nome na época. Idelbrando o sargento, tinha se tornado um torturador. Sabia como ninguém tirar segredo dos outros. Colocava tachinha debaixo das unhas dos prisioneiros e esquentava até virar brasa. Outras vezes pegava uma varinha de marmeleiro, - quem conhece marmeleiro sabe como a vara é dura, - e batia com ela nos culhões do sujeito. Conta ou não conta safado ele gritava. O diabo que caía em suas mãos contava até o que não sabia.
Pois o juiz voltou de lá com o rabo entre as pernas, com medo de ser pego pelo sargento, que não gostava de comunista de jeito nenhum e se soubesse do passado de Doutor Adalberto, que em trinta, havia caminhado do lado de Prestes por todo o norte e nordeste, aí sim, de caçador poderia se transformar em caça e nesse tempo morria tanta gente no Brasil, como morreu anjinhos nesses carnavais.
Meu primeiro filho, tio seu, morreu com seis meses, coitado. Talvez devido ao modo que foi feito. Naquele tempo que já vai longe, sou do tempo da primeira grande guerra, hoje tenho cento e cacetada, meu veio Florêncio, seu avô, me roubou da casa de meu pai com meu consentimento. Naquele tempo era assim. Lembro como se fosse hoje. A noite estava enluarada tudo um silêncio só, quebrado algumas vezes pelos pios das corujas e caburé que fazia suas casas no barranco perto da porteira da entrada. Eu já me encontrava pronta, a mala feita, poucas peças. Quando ele bateu na janela, aquela virada para o oitão, que tinha uma dama da noite do lado esquerdo, eu saltei em cima da garupa do Burro, e ele saiu pisando duro por cima das flores caídas que quarava o chão de branco. E aquele cheirinho gostoso.
Chegamos de madrugada depois de cavalgar duas léguas e meia no sítio de Dona Filomena irmã dele que nos daria guarida da fuga. O quarto já estava pronto. Minha bunda doía da cavalgada. Ele veio para cima de mim como um touro e eu ainda amedrontada, com receio de meus irmãos que eram cinco, virem no meu rastro. E então com qualquer barulho eu assustava e quando ele terminou, nem vi, só ouvi ele me perguntar, se foi bom. Eu claro falei que foi que gostoso, mas confesso agora, que não foi lá essas coisas, mas estava perdidamente apaixonado por ele.
No domingo, depois que as exaltações se abrandaram, os parentes chegaram, casamos na paróquia Santa Rita de cássia, e a festa foram dois dias corridos. Essas três amigas estavam lá. Esse primeiro filho não vingou deve ser por isso. Tanta dor, preocupação e tormenta.
Outros vieram. Foram treze. Um atrás do outro. Parecia uma escadinha. Graças a Deus esses outros vingaram. A maioria tem diploma. Moram todos longe. Só seu pai que ficou por aqui e cuida de mim.
O padre que eu casei era o que melhor sabia fazer casamento. Não tinha esta história de latim não. E ele fazia a pergunta que eu sempre adorei:
“Se alguém souber alguma coisa que evite esse casamento que fale agora ou se cale para sempre”. Padre Egídio. Eh! Padre porreta!  Dizem que ele era tão bom que deixou vários filhos. Essa da direita sorrindo, virou Dona Noquinha  uma beata que teve um filho de pai desconhecido. Muito tempo depois se descobriu que Pedrinho era filho do padre Egídio. Era a cara de um focinho do outro.  Mandaram estudar lá em Campina Grande, num convento. Saiu Padre.
 Hoje mesmo vi Noquinha, passar aqui em frente, passos leves, sempre orando, cuida dos santos, varre a igreja acende as velas. O mesmo trabalho de anos. Ela que fabrica as hóstias. Até isso o padre ensinou. Lembrei duma coisa agora. Quando eu era criança, quando comunguei pela primeira vez que o padre colocou a hóstia em minha boca fiquei olhando de lado para vê o que os outros faziam: Se deixava a hóstia se derreter ou podia mastigar o corpo de cristo. Eu tinha receio de machucar Cristo. Depois vi o padre quebrar a hóstia e mastigar. Notei também que a hóstia dele era maior, e na época pensava que devia ser por ele ter mais pecado, essas coisas de criança.
O Padre agora é outro. Um jovem.  Nem vou à missa mais. As pernas me doem a vista cansada, mas nem é por isso. Não admito é ir à igreja onde o padre celebra a missa de calça jeans e tênis e ainda fuma charuto. Não acredito num padre assim. É a modernidade. Padre Egídio não, quando andava na rua, não tirava a batina. E as crianças avançavam nele para beijar-lhe a mão, pedir a bênção. Outros tempos.
Olha que absurdo esse carro que passou aqui. O som tão alto que tremeu os vidros da minha cristaleira. Meu pingüim balançou-se todo em cima da geladeira. Esses meninos agora são todos malucos. As músicas, as letras, uma perdição. No meu tempo era a difusora, que saudade. As músicas de Vicente celestino, Cartola, Roberto Carlos e muitos outros. Agora esse tal de fanque tomou conta de tudo.  Na igreja deste padreco aí, também se toca o fanque, todo mundo agora dança. Nos bailes, na igreja. Por isso que o Santo Papa lá em Roma não agüentou e saiu.
Menino e essa história de casamento gay? Como pode ser chamado de família, duas pessoas do mesmo sexo? O mundo tá perto de se acabar. É só olhar o antigo testamento. Está tudo ali para ser visto.
 Cansei. Me leve para a rede. Esse mundo ta virado e amanhã é outro dia. E com certeza, cheio de novidades.
Com um minuto estava roncando com a foto entre os braços.

sábado, 15 de junho de 2013

Quem somos?






O menino ficava vidrado na tevê. Isso o pai logo notou. Coçava a cabeça. Improvável era, porque logo no horário eleitoral aonde a maioria das pessoas desligam o aparelho, ou sai da sala, aproveita e vai ao banheiro, vai olhar a vizinha passando com o shortinho apertado, essas coisas banais da vida. Tem gente até que faz sexo nesse horário, pois afinal se tudo sair errado há a desculpa. Pois bem.

Contudo o pai dizia: Esse menino vai ser grande!

Grande: Que é bom, generoso, magnânimo (ex.: um grande coração. Que atingiu a maioridade (ex.: as pessoas grandes podem ser muito complicadas). = ADULTO. Pejorativo Que é ou existe em elevado grau (ex.: grande mentiroso). Vão escutando.

E a odisséia do menino começava logo de manhã. Quando terminava o desenho do pica pau (O curioso é que o pai nem desconfiava que o menino sempre torcesse contra o pica pau, vai entender!), e quando começava os discursos dos pretendentes ao cargo público o menino ficava em silêncio prestando enorme atenção. Muitas vezes ria ou somente esfregava as mãos.

Essas ênfases todas faziam do pai um sujeito todo orgulhoso. E quando o danado do menino notou que o pai gostava e contava na repartição, aí sim passou a fazer mais trejeitos. Uma hora entortava a boca, outra, fechava o cenho, ficava sério, sorria com ele mesmo o danado.

Chegou a se deparar um dia com o menino à frente do espelho. Ele se olhava de lado mirando-se. Dessa feita o pai saiu com essa: Vai ser um grande homem, desses que lemos suas biografias, orgulhosos em tê-los como conterrâneos. Seria um deputado ou senador ou até presidente da república? Aí mulher, que maravilha! O pai a partir daí embalou esse sonho.

E o menino seguia ali todo dia em frente à televisão. Até acabar o horário eleitoral. Um dia ao passar rapidamente pela frente (Esgueirava-se para que o filho não perdesse nada), quando o pica pau deu sua temível gargalhada, escutou algo assim:

- Essa porra desse pássaro que leva sempre a melhor! Puta que pariu! Se fosse eu! Se fosse eu! Depenava esse puto.

O pai achou isso interessantíssimo e falava aos vizinhos.

Com o tempo o menino já falava frases inteiras sem piscar na frente do espelho. Repetia em voz baixa alguma frase mais elaborada. Na rua mandavam-lhe repetir. Depois dava um riso satisfeito.

Os pais o enchiam de mimos e colocava em sua frente, pipocas, batatas fritas refrigerantes etc. As batatinhas ele mastigava com prazer sem tirar os olhos da tela. Já pedia em voz alta a sua mãe como se estivesse num bar:

- Mais batatas mamãe! E que não faltasse dissera o pai.

–Esse menino tem futuro.

Passado, presente e futuro. Pretérito mais que perfeito, futuro do subjuntivo tudo tempos verbais.

E o danado do menino não se ligava no que o candidato dizia e sim nos trejeitos que ele fazia. E imitava-os deliberadamente. E sabemos que é imitando que aprendemos. Até nas artes funciona assim: Primeiro você copia, copia e copia. Quando adquire o cacoete, pensa que já sabe ganha confiança e escreve algo que pensa seu. -Mentira! (Impossível largar as influências! Impossível, impossível! Todo texto descende de outro, é uma praga, erva daninha ou algo maior).

O menino mesmo parecia um camaleão. Ganhava todo o mimetismo dos outros. Parecia uma cópia de tão parecido. E foi se adaptando a todas as falas, aos jeitos. Tudo. Falava todo o discurso como se fosse dele. O ritmo, a fluência, o timbre, o tom...

E olha que essa época ele tinha somente sete anos.

Uma noite o pai ao chegar da repartição mais tarde, pega o menino conversando com uma menina. Nada de anormal. No tempo dele, lembrou-se, já havia brincado de pique esconde, médico e tantas coisas mais. O que chamou a atenção foram às frases, os pedidos:

-Deixa Patrícia, eu passar a língua no bico de teus mamilos!

O pai assustou-se. Mamilos: botão em flor dos seios das meninas.

Continuou ouvindo:

-Não Pedrinho, já te disse mil vezes não!

Deixa uma vez só. Prometo que vai ser uma vez, acredite! Quando falou acredite, o pai visualizou nitidamente certo candidato. O filho do próprio. Como aqueles escritores que só tem no texto dele apenas o título ou nem isso.

Ele continuou:

-Sabia que essas coisas gostosas que fazemos na infância, ficam impressas em nossos pensamentos por toda a eternidade, sabia?

-Não, não sabia!

-Pois é. E quando velhinhos formos, essas imagens lembraremos com saudade!

Nesse momento passou pela janela uma estrela cadente. O resto do céu todo escuro, distante. O pai pensou: Outros tempos , outros tempos!

O menino continuou:

E se não fizermos, coçou o queixo, bau –bau, esse tempo presente nunca mais volta. Nunca mais. A menina viu a estrela que sumiu na escuridão.

A menina pensou. Coraçãozinho apressado. Faz, não faz. Deixa não deixa. Terrível dúvida. Queria tanto ter essas recordações. Queria ser importante na vida daquele menino. Talvez esse momento se tornasse até um poema. A menina era romântica. A natureza mesmo dá um empurrão, nos dá comichão, deixa-nos aflitos, cheios de vontades. Por fim resolve.

-Então vem. Só uma vez jura? Ele cruza os dedos as costas, e faz outra cara conhecida. Que menino!

A menina levanta a blusinha toda florida. Um botão de flor aparece com arrepio.

O pai tosse coçando a garganta no portão. (Esse menino vai longe). Os dois se ajeitam. Os dois seguem o pai atravessar todo o jardim. O gato fugiu atrás da roseira. Silêncio. Um grilo faz cri- cri. Uma aranha tecia lentamente sua teia que brilhava á noite.

O menino volta à carga:

-Viu Patrícia, não arrancou nenhum pedaço. E então. Foi bom? A menina olhos baixos:

-Foi. Fiquei toda arrepiadinha olha! A pele cheia de pontinhos.

-Então! Deixa-me dá só mais um.

-Não! Falei que era só um. E quando falo, cumpro mesmo. Pode ficar quietinho agora.

O tempo passou os meninos cresceram. Enquanto o menino engrossava a voz e cresciam-lhes pelos, a menina alargava as ancas e aumentava o número do corpete que agora usava.

Já namoravam. Uma noite após mordiscar-lhes os bicos dos seios, percorrerem-lhes com as mãos todo seu corpo, retirar-lhe a calcinha a muito custo e deparar-se com ela toda mole, como uma mina vertendo água implorou com aquele jeito de político que aprendera:

- Ai Patrícia, me deixa colocar. Ela ainda teve forças para dizer:

-Ai Nem vêm Pedrinho! Nem vem com essa história toda. (a menina estava ficando esperta também). E eu sou virgem! Virgem viu!

-Eu sei meu bem, por isso que eu te amo. Mas afinal todas já fora um dia. Minha mãe, a sua, todas sem exceção.

-Mas tudo tem sua hora, e eu não estou preparada.

-Claro que não está preparada. Por isso temos que praticar. É devagar. Hoje, olha prá mim! Hoje eu coloco somente a cabeçinha.

-Não! Tenho medo!

-De que amor?

-De doer.

-Olha se começar a doer eu paro, juro.

-Jura então!

-Juro! Juro! Juro!

- Você sabia que se nenhum casal fizesse isso não existiriam os poetas? Pensa bem. Não existiria Fernando Pessoa, Drumond...E o que seria o mundo sem poesia? (É lógico que não é assim, a poesia tem tanta importância para o homem como a rocha tem para o mar). Completa:

-E virgindade hoje não tem importância!

-Não tem? Não tem? Aposto que para casar você vai querer uma.

-Claro! Mas será com você! E o mais importante hoje é o amor. E eu te amo!

-Jura!

-Juro! E como vamos saber se vai ser bom se não provarmos?

A menina ficou sonhando com o vestido de noiva. Todo branco. A igreja cheia. Uma coruja piou.

-Então vem! Só a cabecinha viu? O sangue quente. Calor. Respiração ofegante.

Ela senta sobre ele. Com cuidado. Uma onda transpassa-os de prazer. Ela assustada se sente afagada, agasalhada.

-Pronto viu! Não doeu nada!

-Agora tira vai!

-Não amor! Deixa vai! Mexe um pouquinho. Assim vai! Prá cima! Pra baixo! Prá cima Prá baixo! Como a música. Como uma locomotiva. Isso! Isso!

Os olhos virando, voz abafada. As ancas oscilando devagar como um trem saindo da estação. Aumentando o ritmo, cada vez mais rápido, subindo , descendo , curvando, e o apito estridente, como chegando a uma nova cidade, novas emoções, sonhos, sonhos... Gemidos! Gemidos! Depois devagar, parando, exaustos.

Muitos tempos depois se casaram. Ele com Maria de Fátima uma rica empresária. Ela com Fábio um médico famoso. Ambos nem tinham aparecido na história.

Muito tempo depois caíram na rotina. Cansaram-se dos cônjuges e tornaram-se amantes.

Ah! Ia-me esquecendo. Pedro tornara-se funcionário público responsável pela desburocratização, e Patrícia trabalha numa ONG que luta em defesa dos golfinhos. Agora são mais ou menos felizes, deram seu jeitinho. E a vida continua.









domingo, 9 de junho de 2013

Santuário






O menino sonhou, viajou...

Foi buscar seu caminho.

Veio o sucesso, o fracasso...

No encalço da própria vida.

As estradas repletas de peregrinos

Como ele, pobres sonhadores,

Estradas outras desertas,

Castigadas pelas intempéries,

Coadjuvante do próprio sonho,

Na seleção natural,

Apenas encaixe de

Um projeto,

Onde o tempo é forja,

Açoitando seu limite.

Amores ficaram para trás,

Como Ulisses. Verdadeira,

Odisséia. Navegou entre mares,

Entre montanhas infinitas,

Aventuras repletas de sacrifícios.

Na volta, porque o homem sempre volta

As origens, ao torrão natal,

Aos prótons aos eletros e nêutrons,

As moléculas menores, invisíveis,

E na sua indivisibilidade,

Quando volta os olhos para trás,

Estupefato vê:

Que só restam ruínas,

Que o tempo avassalador,

Cavalgando o vento com louvor,

Rangendo, portas e janelas,

Derrubando as taramelas,

De um enorme templo vazio.





Zoom






Protegidos em nossas casamatas.

Olhos eletrônicos vigilantes, cercas elétricas.

O olhar no exterior, carros passando,

Luzes e estrelas cintilantes.

Na esquina um homem espera qualquer coisa.

Talvez algo com hora marcada.

Súbito outros dois surgem.

Um assalto.

Ele implora que não o mate.

Vemos em seus olhos,

Desesperados,

No zoom da câmera,

O medo e a derrota.

Emoção ao vivo e a cores,

Enquanto roemos as unhas, nos roem os intestinos

As bactérias, os cancros.

Nossas células se multiplicam,

Nosso cérebro deteriorado.

Um tiro fura a noite,

Sem dó nem piedade.

Cai o homem.

Os outros fogem.

A noite fria.

Nada para chorar...

Desligamos a câmera e vamos dormir exausto.

Morremos cada dia perdido.

Vivemos o experimento de uma morte futura

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Considerações de um vagabundo




                              

                 Considerações de um vagabundo







Desde pequeno sobrevivo aos trancos e barrancos. Seu Joaquim meu pai, disse: esse moleque vai longe. Depois que sobrevivi a uma diarréia monstruosa e fui atropelado por um jegue, peguei sarampo catapora e caxumba. Pequeno sitiante das bandas do açude grande meu pai é um sobrevivente nessas terras secas, aprendi com ele.

Um pedacinho de terra que não dava para botar dentro nem duas rês, pastou,plantou e sustentou por longos anos toda a família de quinze pessoas e mais o dono da terra que era tudo a meia. Incrusível minha mãe. Essa gente não presta. Ele vinha quando a gente tava preparando as coivaras. E tome vara.

Todo mundo sabia incrusível meu pai, aproveitando-se na hora de assinar o contrato. Fazia uma camaradagem. Patrão sempre come o empregado. De um jeito ou de outro. Nada muda. O empregado toma sempre no fiofó.

Por isso saí mais cedo de casa. Estudar não podia. Os livros eram caros e o tempo que demandava, não carecia. Trabalhar pesado não queria. Burro de carga não sou. Logo que fiz quinze anos parti para a capital para tentar uma vida melhor. Não queria ter a mesma vida de meu pai, trabalhando de sol a sol como burro de carga. E nas dificuldades comer calango. Isso não queria.

Na rodoviária foi um chororô danado. Parecia que tinha morrido alguém. E eu si rindo, pois senti que estava nascendo. Ruma de gente besta! A viagem todinha fiquei olhando a rodagem pela janela. Um poste passava, dois postes, mil postes. Cercas infinitas. O mundo esta cercado. Vivemos reclusos, dentro de nós mesmos. Nem eu me conheço. Quando via uma casinha perdida na solidão do mato lembrava os meus e pensava: ô povo besta danado, viver nesse deserto e ainda por cima, seco. Depois dava vontade de chorar. Temos que viver duma forma ou de outra, feliz ou infeliz que se foda.

Assim que cheguei à cidade grande procurei um emprego que não fizesse muito esforço, mas eles queriam experiência e eu não tinha. Então depois de muito bater cabeça, peguei uma caixa e flanela e comecei a engraxar sapatos. Era o que eu podia fazer por enquanto. Dava pouco dinheiro. Era da mão pra boca. E no início não sabia, depois fui pegando a manha para deixar um sapato polido. Tinha o troço de esquentar a tinta. E além de polir os sapatos as pessoas querem ser polidas também, chamadas de doutor, puxar o saco mesmo. Questão de ego. Tinha um neguinho companheiro meu que sabia fazer isso muito bem. Aqui doutor, senta aqui, colocava uma espuma na cadeira, e ia perguntando pela família dele, essas coisas que nunca me interessou. A família dele que se fodesse. Fodam-se todos. Tomar no cu.

Nisso eu não conseguia juntar quase nada. Dava só para comer. Passei assim uns dois anos. Depois resolvi diversificar o negócio. Vi alguns vídeos sobre economia e resolvi ser flanelinha à noite para complementar a renda. Saí à procura de um lugar (o ponto é item principal dizia no vídeo) e vi que a coisa estava difícil. Finalmente descobri uma praça mais distante do centro porque as outras já tinham seus donos. Já estava toda loteada entre os flanelinhas e os traficantes. Eram os donos da rua.Nunca vi uma praga maior. Eles chegam a tirar um bom dinheiro. “Ô patrão vou olhar seu carro”, se o cara é uma munheca damos um arranhão no possante pra ele aprender. Roubar não queria nem traficar também. Isso eu não faço, porque sei que destrói muito lar, e se pego a cana é grande, embora os lares já não sejam os mesmos.

E porque os drogados ficam iguais zumbis nem parece gente, rondando ali ao redor da praça, perdidos. Tem jovens, mulheres e idosos. Dá dó, todos imundos, os olhos sem brilho, só pensando no diabo da droga. E são capazes de tudo para consegui-la.

Uma vez uma garota chegou para mim e pediu-me dinheiro. Se eu tivesse algum puto no bolso não daria por não ser de acordo. “Não der-lhes o peixe. Ensine-os a pescar”. Deve ser assim o ditado. Puta que pariu para os ditados. Antes só que mal acompanhado. Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje. Dizes com quem andas que direis quem tu és. As aparências enganam. Porra! Porra! Que ensinamentos! Aí ela veio com uma conversa fiada, que podia fazer qualquer coisa comigo principalmente chupar meu pau. No tempo estava carente, longe de tudo e aceitei só para confirmar o serviço. Nisso acendeu uma luz em mim que clareou minhas idéias. Eu poderia montar esse tipo de negócio, afinal dizem que é a mais antiga profissão do mundo e se ainda não acabou é por que dá lucro.

Levei-a para um quarto e realmente ela não fez feio. Parecia chupar um sorvete de casquinha. A boca parecia aquelas coisa de desentupir pia. E quando lambia fazia uma cara de completa felicidade. Conversei com ela depois sobre o negocio e ela prontamente aceitou. Primeiro começaria com três, ela e mais duas amigas que conhecia. À medida que fossem melhorando a clientela, aumentaríamos o plantel. Lembrei das vacas do meu pai. Dei uma gaitada.

Dito e feito. E o negócio foi concretizado. Alugamos uma casinha de meia água, que tinha lá nos fundos um quarto grande com uma cama de casal e banheiro onde seria feito o principal.

Uma sala com TV, uma vitrola, uma poltrona, mesa de centro e revistas para a clientela lê. Aparece todo tipo de gente, inclusive poetas e escritores. Até senadores já recebemos. Ali as meninas ficam conversando ou dançando, sempre em movimento. Os homens são fisgados pela visão.

Vez ou outra quando o movimento esta fraco elas saem para a rua e assim a propaganda é ambulante. Mais um ponto para esse negócio. Hoje não. O negócio ficou bom. Tem até dois seguranças para segurar as arruaças. Tem freguês que quer sair sem pagar.

Tem hora que fico matutando comigo.

Pra você ver, investimento quase zero, não paga impostos, só uma vez ou outra molhamos a mão de algum detetive. E o sexo é combustível para todos. Vivo ou morto, principalmente os seres humanos. Sabedor das safadezas deles, Deus criou logo dez mandamentos. E eles mesmos foram criando diversas regras, leis, tabus para frearem seus instintos e perversões.

E não só de amor é feito o mundo. Deus quando criou a mulher foi feita para servir-nos. E o sexo seria de bom grado. Mas muitas vezes as mulheres inventavam desculpas para não irem para cama com seus homens. Uma hora uma dor de cabeça, preocupações com isso, com aquilo outro, indisposição, etc, e etc.

E aí é que deve ter surgido a primeira prostituta, rapariga ou quenga. O homem pediu o favor à outra e a mulher deve ter dito assim: Faço! Mais tem que pagar! Dizem que é desde antes de Cristo. E esse negócio perdura por séculos e séculos sem fim. Mas não é uma vida fácil como dizem por aí. Receber todo tipo de homem em coisa tão íntima. Vôte! Até na bíblia tem um caso assim. Madalena, com certeza perambulava por ali aproveitando a multidão que assistia ao calvário de Cristo, quando viu Ele esparramar-se pelo chão. Condoendo-se Dele pegou de uma toalha e enxugou-lhe o rosto. Ele teve boas palavras com ela, que seus pecados seriam todos perdoados e disse mais ainda, que se alguém dali não tivesse pecado que atirasse a primeira pedra. E ela com certeza sabia cuidar dos sofrimentos humanos.

Sofremos sim e acho incrusível pela nossa culpa. Criou-se tanto tabu a respeito do sexo que surgiram daí todas as perversões, os estupros, a pedofilia e toda a safadeza existentes.

Inventamos o casamento, um homem não pode ter duas mulher, tem que se vestir para cobrir as vergonhas etc e etc. Muita regra.

Ou o inverso. Não sei dizer. Sou só um vivente nesse mundo sem eira nem beira. Nenhum estudo. Queria tanto aprender ler. Nem desenhar meu nome eu sei. Assino com o dedo quando é preciso. E antes eu era doido para ser poeta. Até aprendi a aboiar. Fazia versos de ouvido de ver os outros, nas vaquejadas ô tempo bom. Se tivesse tido uma chance. Apenas uma chance. Mesmo assim gosto de livro. Pego para sentir o cheiro, ver as gravuras. Ou então ficar vendo as letrinhas uma atrás da outro no seu silêncio.

Eu por exemplo quando menor vivia com os olhos baixos, sempre procurando ver por debaixo das saias. Tinha uma senhora de todo respeito, toda vez que ela se abaixava eu ficava de olho comprido nas mamas dela. Um dia guiaram minha mão por paragens desconhecidas, que assustei com o toque. Subi os dedos trêmulos pelas pernas roliças, ávido por chegar a algum lugar desconhecido, mas sabido. Quando então, senti espinhar minha mão. Hesitei um momento. A curiosidade foi maior. Quando olhei, algo assim como uma língua, uma cara de gato fazia careta para mim. Tantos sentimentos nessa hora incrusive o medo.

Já havia visto em revistas, mas era só em desenhos. Serviu para dá experiência a estranheza.

Depois devagar fui perdendo o medo e agora gosto muito de ficar alisando a cara do gato. Puxo até pelos bigodes. Até do cheiro já meio me acostumei. Deve ser assim, pois se não tivesse catinga a gente não saia de riba. Né verdade? E é uma coisa que vive em nossa mente, uma obsessão. Por quê?

Tento explicar do modo que vejo as coisas. E as coisas proibidas e escondidas chamam mais a atenção.

E isso tudo anda escondido. Se andasse descoberto como os bichos não seriam assim não. Já vi todos os bichos no oitão de casa. A vaca Malhada quando deu cria, eu fiquei olhando com nojo, o bezerro sai pelo chibiu da vaca todo sujo, e ela lambe, e quando ele fica limpo se equilibra e anda. Já o homem nasce totalmente dependente.

Aqui na capital um dia fui numa praia de nudismo. Achei muito estranho no início. Quando conversava com uma mulher, não tirava os olhos do escuro de entre as pernas delas. Enquanto os outros jogavam vôlei, andava para cima e para baixo, parecia até fingimento, mas depois a gente ver que fica normal. No final do dia eu já conseguia conversar tranquilamente, olhando mais nos olhos dela, na cara dela, sem tanta atenção nas partes baixa. Vem com o tempo e a experiência.

E esse negócio de sexo parece muito como contar uma história. Os bons contadores têm esses truques. Não vai diretamente à parte principal. Arrodeia o assunto por várias páginas, como se diz, cozinhando em fogo brando, com cuidado de não enjoar o ouvinte. Depois finaliza com algo forte e rápido para prender a atenção. Conheci um assim desse jeito nessas bandas de onde vim. Eh! Contador porreta! Os meninos ficavam tudo sentados em volta, e era princesa pra ali, gigantes pra acolá, e a gente ia sonhando, e até esquecia as safadezas. Menino só pensa em safadeza num sabe.

Então eu passei para as meninas as malícias dos contadores de histórias e escritores em geral. E elas aprenderam direitinho. Tiram devagar a roupa, fazem caras e bocas, e depois termina rápido, pois tempo é dinheiro nessa profissão.

E o negócio vai bem. Já aumentamos o plantel e temos mulheres para todo o gosto. Uma japonesa, uma loira uma negra, uma mulata, travesti e homo sexuais em geral. O homem é tão escroto que acha que há diferenças entre as raças. Por isso temos que ter diversidade. Acha que entre a loira e a negra, a mulata e a japonesa há diferenças. E não há. Aliás, quando morei na roça os sitiantes de lá, substituíam as próprias mulheres por mulas. E ninguém reclamava.

Mas voltando ao assunto, tinha clientes de todas as classes. Tinha juízes, advogados, médicos, comerciantes, deputados, senadores etc e etc. Penso que é porque em casa eles têm vergonha de fazer todas as safadezas que fazem aqui. Tem muito mulher em casa que não dá o que seu homem deseja. Aí eles procuram fora.

As posições papai e mamãe são as menos feitas. Aqui se fala em posições de todos os tipos que um dia vi num livro de um japonês. Chama-se camasutra. Foi a japonesa que trouxe. É um livro grosso com desenhos de todas as posições sexuais que podem ser feitas. Uma melhora a penetração, outra rela mais no grelo, outra a mulher manda e assim por diante. Diz- se que eles sabem meter muito bem. Só não se compara com o paraibano não. Aqui sabemos usar a macaxeira muito bem.

Tem um “cara” aqui que não vou falar o nome por motivos óbvio. Nesse negócio o principal é o segredo. O tal cara quando goza quer que a mulher faça xixi sobre ele. E paga por isso. Se em casa fizesse uma proposta dessas, sua mulher pediria até o divórcio. Outro gosta de vestir as roupas das meninas. E passeia pelo quarto. E todos têm algumas particularidades. Esquisitices. E o mundo é esquisito. E põe esquisito nisso.

Comprei um videocassete quatro cabeças e varias fitas de sacanagem. Foi um bom investimento. Eu particularmente não gosto muito, acho que não tem história, enredo essas coisas primordiais. Vão todos tirando as roupas e preenchendo os orifícios.

Para me agradar essas fitas teriam que ter uma história, que não fosse tão crua assim como se está matando um porco. Derruba ele, uma gritaria diabólica, enfia-lhe o punhal na garganta e fica socando, socando e socando. Depois estrebucha vira os olhos em caretas horrendas.

Um dia desses vi um filme que no início me agradou e lembrou minha infância um pouco. Era um médico que examinava as pacientes. Ah! Chiquinha, só você teve coragem. Nenhuma outra teve. Mas a mulher na fita extrapolou. Arreganhou-se toda. Você não Chiquinha! Lembro bem. Ficou estirada na maca improvisada, gelada, coração em desabalada carreira, e eu mudo, vendo-lhe o risquinho no meio das pernas.



E se eu fosse contar todas as peripécias que nesse tempo vi, encheria mil páginas de um livro ou daria para enganar o rei das mil e uma noites com mil histórias sem fim. Mas o que quero dizer é que o ser humano é muito estranho. Ele é capaz de criar tudo. Se deixar até deus. Vi falar que tem povos politeístas e monoteístas. Um cara um dia me explicou. Tem de tudo nesse mundo. Tem até ateu. Ateu não acredita em Deus. Um ateu que eu conheci ele dizia bem assim: “O mais importante do mundo, está dentro de uma calcinha”. Não sei se ele tem razão. Acho que quebrado todos os tabus o homem viveria melhor. Mas por enquanto é melhor ficar tudo assim como estar mesmo porque as igrejas permanecerão cheias, os psiquiatras terão seus serviços, os hospitais não conseguirão atender toda demanda, o casamento se manterá firme e, principalmente esse meu negócio de putas, andará assim de vento em popa.



sexta-feira, 17 de maio de 2013

A voz do povo

                A voz do povo


Essa coisa de profissão, coisa danada de errado. Pia só. Quem trabalha pouco ganha muito e quem trabalha muito ganha pouco. Eu trabalho que só cachorro, ganho, mal, mal dá pra comer. Meu serviço é roçar pasto.  Ô serviço excomungado de ruim. Corpo arde, dói e dói.  E quando de morro acima, ui- ui moço, com embira, pior é.  Sol a pino, meio dia, quentura dos diabos, inferno.   Exame de maribondo, vixe, ai -ai.  Deus acuda. Trabalho honesto, bem sei.  Não se ganha o merecido.
E as professorinhas.  O que ganham? Amém. Pouco com Deus é muito. A primeira minha foi na rua do rio. Assunto que pais não entendiam. Hoje toda escola ensina.  Sexo. Foi assim.  Cheguei lá desconfiado sabe. Movimento fraco.  A nêga Fulô ouvindo umas músicas lá dela. Na janela, olhar perdido.  Baixinha, nariz grande e anca larga. Um bundão ó.  No quarto, bobão ela foi logo dizendo pra mim:
              -Não se avexe não bichinho. Tire a roupa vai. Coloque ali no canto.
 Devagar, envergonhado. A cueca eu fiquei.  Dois buracos.
             -Mais menino! Deixe de besteira!Eu falei tu-do.
Tirei e joguei em cima da mala com a ponta do pé.  O pinto dormia! Pois ela pegou assim pelo pescoço como se fosse um passarinho e ficou um tempão alisando, beijou até. Aí eu esqueci que tava na presença de uma mulher, num sabe. Faz de conta que eu to no mato com os bichos, pensei.  Isso de ensinar é muito importante. Serve pra toda vida. Se serve. Mas que ganham mal, ganha.
Agora tem esse tal de esporte menino.  No Brasil é futebol. Nos Esteites é basquete. Na índia gostam de deitar-se em cima de pregos.  Aqui no sertão nosso maior esporte é sobrevivência. Pois pegue um desses caras do sul e coloque aqui pra eles verem! Não agüentam nem uma semana.
Mas no futebol  os hôme ficam taludos, umas pernas ó, parecem cavalo. Mas o salário, ai quem dera! Quem dera! Uma fortuna. Mais com eles não implico não, vôte. Tem precisão pra nós divertir, pra largar essa tristeza que de vez enquanto aperta em nós. É ou não é? Ficamos olhando vinte e dois home correndo atrás de uma bola, e quando a bola entra na rede gritamos que nem louco. Essa é nossa principal diversão.
E esse ano é ano de copa num sabe. Gastaram uma nota pra construir os campos. Quando pequeno eu me vestia de amarelo e ficava o tempo todo dizendo que eu era Pelé. Isso na escola. No recreio ficava o bucho roncando, pro mode que nem merenda tinha. Nem tinha carteira também. Parei de estudar por isso. Acho que foi o sonho de querer ser jogador. Mas como ser jogador sem nada para comer.
Eu fico tiririca da vida é com os políticos, num sabe. Ou raça de gente excomungada, sebosa mesmo.  E para ser político não precisa grandes especializações não. Ainda mais com essa “democracia” e qualquer um pode se candidatar. Só precisa de uma cara de pau e a arte da mentira. Oxente!  Significa: Demo(Diabo), cracia (não sei não,mas num deve ser coisa boa não).Tiro por exemplo o Vereador Babão.  Daqui mesmo da cidade. Nunca estudou na vida, não tinha nada, andava procurando biscate pelos cantos, sempre falando, isso ele era falante. Quando instalaram aqui esse tal de sindicato dos pescadores e afins ele comprou uma vara de pescar e nunca tinha pescado nada, espie. Não sabia amarrar o anzol numa linha. Mas em vez de peixe começou pescar voto, e logo se tornou presidente. Para a política foi um pulo. Agora tem casa própria, comprou umas terrinhas e os filhos todos estudam na capital.  Mais olha mesmo! Não fez nem o Mobral.
De política não entendo muito coisas, como também nunca vi um honesto bem de vida, rico. Isso nunca vi. Até home honesto ta difícil hoje em dia. No tempo do meu pai sim os home era diferente.  O negócio naquela época era fechado na palavra. Não precisava assinar papel algum. Era no pelo do bigode. Hoje tem cheque, promissória, cartão de crédito... Mais óia, ninguém paga ninguém não. Deus mesmo que não era besta criou logo os dez mandamentos.  Era para se precaver.  Que o home é um ser cheios de sentimentos e tale e coisa e coisa e tale.  Tem a inveja, arrogância, egoísmo, gula no todos sete pecados capitais. Mais quem tem medo do pecado é só o pobre.  O político não. Geralmente ele quer só eles e mais ninguém. Sem concorrência na praça. E depois do pecado, eles têm dinheiro pra comprar o padre, o pastor e paga todos os centavos de seus pecados.
 O político é bem semelhante à puta, quenga mesmo. Óia só.  Tá vendo as filhas de seu Justino. Pois intão! Aquelas gostosuras mesmos. Foram para a capital e de lá mandavam sacolas cheias de dinheiro. Trabalho honesto? Umas sonsas. De onde vinha o dinheiro? Da prostituição certo é. E os pais queriam saber? Neneca de piripituba. Poucos olham de onde vem o dinheiro. Isso é a pura verdade. Aqui mesmo quando moravam foram sempre umas enxeridas.  Aquelas saias apertando as carnes, os seios quase pulando fora! Se dessem um pum rasgava tudo.  E olhavam pra qualquer homem, solteiro ou casado. Não faziam distinção. A distinção que fazia era se rico ou pobre. Não foi uma delas que teve um caso com o juiz? Confirma? E que por isso mesmo acharam por bem que elas fossem estudar fora( a sociedade do povoado, arre!),  que não podia atrapalhar a santa família essas porras todas que o padre falou no sermão. Pois então. Lá nessa profissão delas, recebe homem de todo tipo. É ou não é como os políticos?
Por isso tenho minhas dúvidas. Não sei não mais esses estudos dos meninos não vai ter serventia não. É dinheiro jogado fora. Tem exemplo aqui na família mesmo, home.  Não precisa ir muito longe não. O Cardo meu irmão mais velho, coitado, estudou tanto para ser piloto, chegava aqui, quando era estudante novo, com aquele uniforme branco, até briava no sol. Pois intão.  Aqueles óculos ray-ban na cara parecia ator de Hollywood e as mulheres ficavam doidinhas nele. Pareciam umas éguas em volta do potro. Potro alazão. Ele tinha aqueles mapas, dizia que voar era um sonho, essas coisas de romantismo mesmo.
Aí seu menino, veio à guerra e ele foi para a Itália, alegre e nunca mais voltou.  Que dó me deu. Nem viveu.   Aproveitou a vida por pouco. Depois a guerra acabou, inventaram os heróis e aí ele ganhou um busto no centro da praça até. Mas para que serve? Hem! Hem!  Poleiro de pombos, isto sim.  Vive todo cagado, o coitado.
E aí, nos dias festivos (Dia da independência ou padroeira da cidade), vem neguinho de anel no dedo, diploma na parede reverenciá-lo. O que adianta isso?  Os filhos por muito tempo passaram por necessidades. Fome mesmo, menino.
Aí digo: Isso de ser herói é uma merda só. É bom no cinema. Nas novelas.  Lá na fita o mocinho vive todo tipo de aventura e no final ainda come a mocinha. É ou não é? Eu sempre gostei de filmes de índio. E torcia para eles. Batia palma quando conseguiam arrancar escalpos. Quem mandou o americano querer possuir suas terras? Bem feito. Os americanos é um povo metido seu menino. Em tudo eles põem a colher.
Mas a realidade é outra coisa. É dura. Quando veio a noticia de sua morte toda a família ficou chocada. Só ficaram as lembranças. “O enterro foi lindo, com as salvas de tiro diziam”, como se existisse enterro bonito. Enterro é enterro ora. O sujeito fica ali quietinho, sem vontade, sem liberdade, e a terra depois vai consumindo. Depois ninguém se lembra. Aposto que ele queria era está vivo. Isso sim.
Voltando  aos políticos, na época das eleições vem com aquelas caras de paus, de tapinha nas costas, ir a enterro de desconhecidos, rir pra todo mundo.  Uns desqualificados.  Uns sem vergonhas.
Depois que são eleitos dá isso aqui pro povo, ó. Eu sofri essa humilhação.
Pois veja bem. Babão veio aqui em casa, sentou na minha sala, tomou do meu café e jurou que se eu arrumasse uns votos pra ele, ele arrumava uma colocação pra minha filha, coitadinha. A patroa fez umas pamonhas, um cuscuz, essas coisas para agradar. Arrumei uns quinze votos. Juntemos toda a família que é humilde uns cinqüenta mais ou menos contando os agregados. É certo que só quinze votaram. Na família de pobre tem os invejosos. A coitada ficou bem feliz com a esperança do cargo. Pois foi só ser eleito que ele começou a botar difiliculdades. Era um pobrema aqui outro acolá e o tempo foi passando.
Que não dependia dele, essas nomeações vem do governo estadual e muitas vezes é federal e que tem toda uma fila de pessoas graúdas essas merdas todas fáceis de falar.
E eu fui ficando arretado com ele.
Antes ele era encontrado em qualquer botequim, nas feiras livres, nas filas de bancos, nas lotéricas. Depois de eleito o safado, nem na igreja vai mais. Minto. Ele agora só vai ao boteco de seu Chico. Incrusível eu até hoje não entendi essa amizade.  Diz que adora os tira gostos de seu Chico, aquelas merdas dormidas, que as baratas passeiam por cima. Pia como são as coisas!  E eu doido pra pegar ele de jeito.
Pois num foi Seu Chico mesmo, homem, que disse na cara dele assim de supetão tudo o que eu queria dizer:
          -Olha seu Babão, você pode inté ficar com muita raiva de mim, mas agora a partir de hoje, só voto em branco?
Quando falou isso, olhou até pro chão e cuspiu de lado e todos achavam que ia dá o maior quebra pau. Eu mesmo menino fiquei cavoucando o dedão onde tinha se enfiado um bicho de pé. Fiquei curtindo aquela coceirinha gostosa e se rindo do que seu Chico tinha falado, esperando a reação dele. Isso porque todo mundo sabe, incrusível seu Chico, que ele é defensor das causas das minorias: negros, gays e índios. E eu juro menino, de pé junto, que eu não sou racista não. Inclusível meu irmão por parte de pai é bem escuro num sabe, e olha que pretinho bom.  Alma de branco. E isso de racismo dá inté cadeia hoje. Pois então. E Babão parece um tisil de preto. Daqueles que alumia. Escurinho que nem só. Pois então. Era coisa para briga ou não?
Todo mundo fez aquele silêncio esperando ele estourar de raiva. Até o bêbado Niquinho filho de Maria Helena, balançou pra esquerda e prá direita e disse somente: Êita!
Mais que nada.  Babão ficou só opiniando que não era certo, que o eleitor devia escolher um candidato para depois poder cobrar dele, essas coisas que político fala com aquela voz macia de enganador que votando em branco o sujeito está jogando o voto fora, essas besteiras todas. Incrusível todo esse discurso, ele tem aquilo, como posso dizer, “retórica” isso mesmo seu menino retórica, todo político tem.  Aí eu levantei do tamborete, calcei os chinelos e disse arretado:
         -Não venha com essa história pra boi dormir não seu Babão. incrusível só voto em branco também. Chega de votar em qualquer preto safada, sem vergonha e comunista.
Aí seu Babão foi ficando vermelho, engasgou, gritou, bufou e veio pra cima de mim. Aí entrou a turma do deixa disso.
 Cheguei à seguinte conclusão.  Babão já era um deles. Tinha tudo, na cara.
O que não tinha era vergonha. E fica dito.

sábado, 4 de maio de 2013

Criação








O artesão na solidão da criação escolhe a matéria, o barro.

Mil idéias na cabeça.

Molha a terra, põe para descansar a luz da lua,

No crepúsculo amassa, diluiu, acrescenta e vai dando forma.

Cilindros, esferas, triângulos, vai desenhando,

No final a obra. Arte semi-acabada, o que falta.

O artista necessita dá alma a sua arte.

Faz o perfil físico- psicológico.

Sopra-lhe no rosto. Eis o homem.

Que abre os olhos e anda.

De quatro.

Observa a obra completa.

O artista nunca está satisfeito.

No mesmo minuto que para os deuses são séculos,

Corta e acrescenta na obra.

Olha de longe, olha de perto. Observa.

Agora o homem anda ereto.

Não satisfeito por certo,

Cria de várias cores e aspectos,

E no seu interior, bem nas células,

O grande segredo das espécies.

Orgulha-se do que faz.

Obra e criador se misturam.

Conhece-se o autor pela obra?

Ou a obra sobrepuja-se ao autor?

A sua semelhança.

Quando o homem se vai,

Resta ao autor olhar as mãos

sujas de barro.

Música em Do menor










Música em Do menor





Tenha Do de mim poesia.

Fa -La para ela ,

SI- MI ama,

Ama-me no

Sol –Fa.

Soneto





Soneto





O soneto é parente do verso,

Próximo da poesia,

De mim desafeto;

Não é irmão,

Não é mulher,

Não é mãe:

É só neto.



Rio


Foto do site escritosdealicen.blogspot.com



Ah! Ah! Ah! Rio sim.

Rio, rio e rio.

Rio de tudo e todos,

Ai de mim,

Até Rio de janeiro;

Rio do rio incólume em seu leito,

Rio da vida, uma piada.

Rio dos sérios e dos inocentes,

Rio de águas estagnadas,

Enfim rio: Corrente de água doce,

Pura ou poluídas.

Rio de riso solto,

Rio de tudo e todos,

Rio de mim.

Dó ou pena




Dó ou pena





Seremos pó,

Até tu ema,

Que dó

Cheio de pena,

Que dilema!

Unidos, pois,

Poema.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Virulência






Cansados, da violência diária, certo dia eles resolveram morar num condomínio fechado. Armando, sua esposa e dois filhos pequenos. A vida sorriu para eles. Investiu na bolsa de valores, a grana que sobrava- o que não era pouco-, defendendo o direito dos cidadãos, já que era um advogado famoso e moravam num país que não respeita as leis estabelecidas em constituição, havendo assim muitas questões a recorrer, abrindo um vasto caminho para os bacharéis conseguir a riqueza e tudo que o dinheiro pode comprar.


E o prazer da vez era uma cobertura grandiosa em plena avenida atlântica. O edifício era de alto padrão, muito luxuoso sobremaneira que escapou da sua esposa uma interjeição do tipo:

-Nós merecemos! Fizemos jus a tudo isto. Apesar de que a verdade depende de várias coisas e modifica dependendo do ponto de vista. E seus olhos eram sempre cobertos por óculos escuro sendo assim o prisma que eles viam era outro.

E essa frase viera a calhar e tirou o peso da consciência, ciente que a grande maioria não tinha nem o que comer muito menos onde morar.

-Que os sociólogos ou filósofos pensem no caso e escrevam muitos livros sobre isso. Não me dizem respeito. Não é de minha alçada. Dissera na ocasião.

Mudaram no outro dia. A vista era esplêndida. Via toda a praia, o horizonte juntar-se ao céu, e até ouviam as gaivotas na pesca diária. Tinha um playground de fazer inveja a qualquer hotel de cinco estrelas, com todos os apetrechos que a vida moderna necessita como academia, piscinas, uma normal e outra aquecida, jogos de toda a natureza e espécie. Resumindo: Se quisessem ficar internados, sem sair para coisa nenhuma estavam bem servidos.

E foi o que fizeram. Quase tudo era feito pela internet e isso lhes deu grande tempo de prazer. Dissera um dia Armando ao telefone com um amigo enquanto fumava um charuto e divagava:

-Nos furtamos de fazer aquelas coisas chatas de pequeno burguês... O que? Ora amigo,como ir à padaria bem cedo... Rá rá rá rá...

Sentou-se na poltrona e puxou o cinzeiro.

...encontrar pessoas que falam o mesmo assunto todo dia, não é?Que chatice isso! Entendeu Roberto?! Estou ou não estou com a razão. Imagine você sair para uma caminhada, parar numa praça com o cachorro a tira colo e ser importunado por um desconhecido. Hem! Hem! Ou ir à banca de jornal ler as manchetes em jornais e ouvir comentários da novela das oito.

Deu uma tapa na poltrona e riu as gargalhadas.

-Além do mais notei que houve um ganho de saúde, sabe? Não respiramos mais o ar contaminado das grandes cidades. Entendeu Roberto? Deu um grande trago no charuto e soltou a fumaça devagar saboreando o perfume do fumo. Tchau! Roberto, depois nos falamos mais. Venha conhecer nossa maravilha. Desligou o telefone e foi à janela.

Armando não sabia é que depois de certo tempo os filhos já burlavam a segurança. Saíam todas as noites para verem os golfinhos ou os namorados. Às vezes banhavam-se nas águas mornas da praia.

-Venha Paulinho, não tenha medo. Gritava o filho maior para o menor.

-Tenho medo Pedro.

-Deixa de ser bobo. Vamos brincar de pique esconde. E brincavam muitas vezes até de madrugada.

E assim uma noite conheceram o filho do dono da barraca. Era da mesma idade de Pedro. Chamava-se Francisco, mas podiam chamar de “Chico”. Navegaram dias em sua prancha vermelha. Tinha um grande escudo do Flamengo. Daí para levarem para dentro do prédio foi um pulo. Chegavam à frente da guarita e o menino pedia:

-Deixa eu! Aí, em frente à câmera impostava a voz e imitava Pedro. A porta se abria. Paulinho caia no chão de tanto ri.

Esse grande aparato de tecnologia agradou em cheio os meninos. Servia bastante de brinquedo para eles. Para entrar na primeira portaria tinha que se identificar numa guarita onde dois homens vestidos de preto falavam entre si, abrindo e fechando portas mecanizadas. Câmeras por todos os lados. Na segunda guarita o portão que dava para as garagens era acionado pela voz dos moradores. Tudo era visto pelo lado da aparência. O menino vestia-se com as roupas de Pedro.

Já no interior os elevadores, um panorâmico era acionado pela digital de cada um. Uma voz feminina e agradável falava os andares e uma fragrância saía com o ar condicionado, escolhida justamente pelo primeiro que entrava.

Logo depois Armando subiu pelo panorâmico assoviando e escolheu uma fragrância francesa enquanto concluía com os seus botões, depois de muita observação e estudo que era impossível alguém entrar e sair sem ser percebido. E se alguém tentasse imediatamente seria rechaçado.

Uma verdadeira fortaleza observou.

Com o passar do tempo, -isso é próprio do ser humano, - é comum brincarem de burlar alguma delas. Ele mesmo na infância já brincara com a morte muitas vezes. Mesmo temendo-a. Quando por acaso um segurança pegava alguém em flagrante davam risos robóticos e sinalizavam como a dizer: “Tudo bem, podem brincar! Vocês são quem nos pagam! Aqui realmente é muito seguro”.

“E posso dizer que vários anos eu dormi o sono dos justos.” Pensava Armando nesse momento.

O silêncio era total já que todo o edifício era bem calafetado. Para se ouvir o som da cidade tinha que sair para a varanda e aí sim com toda segurança ouvir as sirenas à noite, as freadas bruscas, gritos e disparos de armas, das noites vadias e loucas das cidades grandes. As metrópoles.

A primeira vez que Francisco entrou disse:

-Esse prédio parece um hospital! Riram dele. Parece esterilizado, completou.

O prédio parecia esterilizado mesmo. Era o que diziam nas vezes que perguntavam sobre seus endereços: Diziam com desdém.

“ Moramos naquele prédio esterilizado”.Fora o nome ideal que encontraram para ele. Corredores frios e limpos. Não se tocava nada com a mão. Até as descargas dos sanitários eram feito através da voz.

Nas poucas vezes que Armando ia para a empresa, saia diretamente do heliporto construído na cobertura. Gostava dessa visão. Via toda a enseada, as avenidas entupidas de carro, o corre- corre das pessoas indo ao trabalho, tudo pequeno, visto a distancia, dessa perspectiva os problemas diários são diminutos. Lembrou-se do que o filho menor dissera dias atrás:

“Parecem formigas os infelizes!”.

Olhou a lua. Em volta de nuvens esparsas. Um bom dia para amar. Passou pela sala e viu o filho jogando. “Deve ser aquele jogo violento que a mãe não gosta”.

Passou direto para o quarto. O chuveiro escorria preguiçoso pelo corpo da mulher. Pela porta de vidro embaçado via a penumbra dela, uma visão fantasmagórica em movimento.

Sentou-se na cama, colocou duas pedras de gelo em um copo, de uísque e bebericou um pouco. Quando a mulher saiu, o viu assistindo aqueles filmes medonhos de sexo explícito. Duas loiras faziam de tudo para agradar um homem.

“Hoje vou ter que imitá-las!”.

-Prepara uma doze para mim amor!

Desvencilhou-se do roupão fazendo menção de uma dança do ventre. Depois se sentou na cama, bebeu o resto do uísque e gelo nos lábios o beijou entre as pernas.

-Hum! Que delícia!

Armando gostava de vê-la assim de calcinha, a penugem na nuca, o rego da coluna e os pés nus. Ela levantou-se de um salto.

-Aonde vai?

-Trancar a porta a chave. Um dos meninos pode entrar.

-Já tranquei! Vem amor, fazer carinho do jeitinho que eu gosto.

Armando puxou-a para si dando-lhe um beijo no ventre.

-Ah! Tenho cócegas. Observou a calcinha. O desenho de uma gata. “A safada já estava pronta”.

Nisso ouviram um estrondo e a porta arreganhar-se derrubando o abajur. “Logo agora que eu ia gozar”. Puta que pariu! Lamentou-se.

Continuaram no movimento mais um pouco. Paulinho tem dessas coisas. Quando tinha um pesadelo ou coisa parecida. Estava a meia luz. Lembrou-se que ele ficou na sala jogando videogame. Só deu tempo da mulher se enfiar na calcinha e ele puxar a cueca perna acima.

Encontravam-se agora na mira de um revólver e o pivete que estava atrás da arma riu. Não se sabe se do filme ou da calcinha. O pivete puxou o boné para cima da cara e gritou:

-Para fora os dois!

A mulher vestiu o roupão. Estava boquiaberta. “Como conseguira entrar?” perguntava-se.

O pivete corpo franzino, cabelo desalinhado caindo na testa, por baixo de um boné vermelho e tênis da Nike.

Enquanto isso Pedro, desligava o telefone depois de ouvir o seguinte: “O menino já saiu para entrega à meia hora.” Já deve está chegando pensou.

Deitou-se novamente colocou os fones no ouvido, aumentou o volume e acompanhou a letra da música.

Na sala Paulinho alheio a tudo lutava desesperadamente para zerar o jogo que prometera a si que não passava daquela noite.

Foi quando os três chegaram à sala e o encontrou compenetrado na luta. Um homem bem armado corria por corredores tentando escapar a todo custo, enquanto inimigos apareciam de todos os lados. Quando o homem acertava os alvos, o choque era devastador. Arrancavam cabeças, membros e voavam para o alto misturado a muito chumbo e sangue.

-Caralho! O pivete exclamou apontando a arma. Vou fazer o mesmo com vocês se não me derem o que quero.

Paulinho olhou para trás assustado. Nesse instante um homem saiu sorrateiro de trás de um barril e acertou o outro em cheio.

Game over.

O pivete tomou o controle das mãos de Paulinho.

-Assim é que se faz.

Deu start. Tudo começou. Agora o homem portava uma pistola de grosso calibre e á medida que ia matando ia passando de fases e conseqüentemente ganhava bônus. Trocava-os por armas cada vez mais letais.

-Uaaau!

Paulinho acercou-se dos pais. A cara de espanto. Nunca havia chegado àquela fase. Admirava o pivete. Inimigos de toda parte, do ar dos dois lados, do chão. E o pivete com mãos ágeis aniquilava todos. Esqueceu até o revólver pênsil no bolso de trás da calça jeans.

Fora passando as fazes. Chegou ao chefão. Um gigante de uma gargalhada horripilante. Mudava de lugar com uma velocidade impressionante. Aqui ele perdeu quase toda a vida. Foi quando o Paulinho tomou-lhe o controle da mão. Deixasse com ele agora. O pivete ficou observando, enquanto Paulinho eliminava todos sem dó. O macete era atirar quando o gigante parava de rir, e os olhos ficavam vermelhos. No meio da testa.A barra de vida começou a diminuir. Foram cinco minutos frenéticos. Finalmente o gigante parou de sorrir deu um berro estrondoso e caiu de costas morto. Uma música japonesa tocou e bônus e mais bônus enchia de vida o herói.

-Toca aqui! O pivete gritou batendo na mão de Paulinho. Riram. Os pais também riram.

De repente uma voz ecoou.

-Atenção senhores moradores! O sistema de segurança fora burlado. Todos fiquem em seus apartamentos em segurança até segunda ordem. Não andem pelos corredores. As luzes se apagarão agora. “Já era hora”, pensou Armando.

Todas as luzes foram apagadas exceto os monitores.

O pivete pegou a arma e saiu correndo.

Nos monitores homens armados entravam em formação militar, com toucas ninjas e óculos apropriados para o escuro.Vasculhavam os corredores.

Armando e a mulher estáticos.

Foi com alívio que viram o garoto, com o boné da Nike, se esgueirar colado a parede. Na primeira porta alvejou um policial que aparecera em sua frente. Um segundo tombou com um tiro certeiro na testa. Outro atirou uma granada, que ele empurrou de volta com uma velocidade estrondosa. Carne e sangue para todos os lados.

Isso durou meia hora mais ou menos. O pivete deu muito trabalho, pois conseguira pegar a arma e os óculos de um policial e os alvejava mais facilmente na escuridão.

Desceu para o playground. Um guarda apareceu na porta e foi alvejado no peito. Outro pulou a piscina e no ar mesmo fora abatido. A água tornou-se vermelha.

O pivete finalmente fora alvejado e caíra de bruços.

Lamentável. Falavam. A quanto anda a violência. Uma velhinha falou.

Todos desceram silenciosos como saindo de um grande espetáculo. Boquiabertos. Muitos curiosos.

O policial verificou se o pivete estava morto. Com um movimento da bota preta, chutou-o e o boné Nike caiu de lado e mostrou seu rosto alvo e frio. Sem vida. Era Paulinho.



10/03/2013