terça-feira, 1 de novembro de 2016

O buraco






                             O buraco

Tinha lido algo, a respeito da criação.  Nele o autor falava sobre a dificuldade dos primeiros passos, exemplificava com frases de outros autores e finalmente dava algumas dicas genéricas a respeito, da relevância das anotações, do escrever sem medo, dos cortes etc.

 Assim ao terminar o livro, sentiu-se como a lagarta que sai do casulo, transformada em uma linda borboleta, apta ao voo, a descoberta, ao primeiro texto.

 Nessa manhã de primavera, onde o sol brilhava lá fora, se achava frente à tela do computador. Abriu o Word e cintilou a página em branco.

Pegou o dicionário, as anotações que vinha fazendo no decorrer da semana, pensamentos, características, conceitos uma parafernália de palavras, e escreveu a primeira frase. Achou que não tinha consistência. 
A primeira frase serve de engodo para o leitor. Tem que ter conteúdo. Deletou.

          -Filho! Vem aqui!

          -Mãe! Eu estou tentando criar algo, uma poesia, um texto!

          -Deixa de vadiagem! Venha aqui!

Osvaldo deixou o computador ligado, minimizou o Word. Sempre tem os curiosos, e desceu ao quintal.

          -Seu pai pediu para você furar um buraco aqui! Temos que fazer uma cisterna! A água está cada vez mais rara.

          -Mas mãe logo agora que tinha uma ideia, o texto começara a correr macio, sem entrave, como um rio de planície.

          -Filho, primeiro o trabalho, depois a vadiagem!

Disse isso trazendo uma cavadeira e uma balde.

          -Mãos a obra, ele disse.

Tirou a camisa e ficou só de calção e descalço. Gostava de sentir a terra sob os pés.

Começou com as mãos mesmo. Nada de utensílios por enquanto. Queria fazê-lo o mais simples possível. Tirou as folhagens. O buraco seria embaixo da mangueira. Ainda bem. Uma sombra refrescante.
Quando cavou os primeiros centímetros já sangrava e doíam as unhas. A terra estava úmida e encontrou por acaso, moradores daquela profundidade. Pequenos insetos e minhocas.

As minhocas são importantes para a agricultura e para os pescadores como engôdos para os peixes.

O solo se cortado em longitudinal parece uma tela a óleo. 
Ia observando tudo isso com seu trabalho braçal. Engraçado que diferente de um texto, ele observou que cansava fisicamente no entanto a mente  estava leve e solta livre para pensar.

Pegou a cavadeira. Bateu firme no solo, e enchia a balde. Depois derramava ao lado. Ia se formando uma montanha roxa. Seria assim a formação das montanhas? Dos montes?

Gotas de suor pingavam na fronte. Ele passava o indicador e aspergia para o lado em gotas. Foi lentamente arredondando as bordas. Ansiava um buraco bem feito com paredes paralelas. Lá para o meio dia ele já desaparecia dentro dele. A terra é morna. Incrivelmente morna. Já podia sentar. E ficar olhando sua obra. A obra tinha lá sua importância, mas não era tudo. Mais ou menos um metro e oitenta de diâmetro e dois metros de fundura. Sabia por que conseguia deitar e ficar olhando as nuvens passando. A terra, essa terra que um dia cobrirá seu corpo, como um cobertor, lhe protegendo do frio, das adversidades do tempo, das intempéries da natureza, guardando seus ossos até tornarem-se iguais, somente pó.

Almoçou com grande apetite. O trabalho braçal lhe deu fome. Os outros dão-nos fastio. Será por isso que a maioria dos escritores do passado morria jovem? Será que a criação de arte suga nossa vida? Suga nossa alma?

Fez a sesta. Em sua casa era sagrado. Logo após o almoço corriam aos quartos. Um sono leve de meia hora. Levantou disposto. Passou em frente ao computador. O cursor piscava. Tinha forma de garra. Ele que quis. Baixou da internet.

A página brilhava a espera de uma palavra, uma frase, um parágrafo. Teclou sem muita convicção:

“A vida é formidável porque é finita”.

Minimiza novamente a janela.
Pegou a cavadeira e a pá. Era hora de continuar o trabalho.  Toca em algo. Uma raiz. Estava viva, pois correu uma seiva. Era o sangue das árvores. Se eu arrancar a mangueira poderá morrer, pensou. Deixou de lado. Servia como escora.
Bateu no fundo com força. Um baque seco. Duro. Uma pedra.
          -Porra!

Lembrou de Drummond: Uma pedra existia no caminho! E agora José?

Bateu e bateu. Nada. Deve ser a ponta do iceberg, se pedra fosse igual às geleiras. “Se não conseguimos remover o problema do caminho, dê a volta, contorne-o”.  
Foi o que fez. Foi contornando-a. Passou dela mais de um metro. Servia de escada. Era da cor cinza.
Um tumor? Um trombo dentro de uma artéria? Uma hemorroida? Essas imagens ridículas apareceram.

Agora tinha arrumado um ajudante. Seu irmão menor. Ele apareceu pela necessidade da obra. Victor. Tinha doze anos.

          -Você deve ajudar seu irmão! Sua mãe disse.

 Depois de lhe xingar de todos os nomes feios, pois estava perto de zerar um game apareceu na borda do buraco.
Trouxe a corda e na ponta a balde. Jogou no fundo. Ele enchia e o irmão puxava para cima, com força. O céu começou a escurecer. Victor jogou a escada e ele subiu. Por hoje chega, disse, se limpando.

Victor saiu alegre. Podia voltar ao jogo. Deixamos o buraco inacabado. Olhou de cima. Era um cone comprido. Vazio. Foram dormir.
O outro dia era sexta feira.

         -Vou passar toda féria nesse buraco, questionou.

         -Essa porra se continuar vamos chegar á china, Victor brincou.

Não era de todo uma má ideia. Chegarmos à China ou outro lugar qualquer. Continuaram  cavando. 
Incrível como o buraco os aproximou, se conheceram de verdade nesse período, mesmo.

Ele falou dos seus jogos. Era sempre uma jornada do herói. No início o herói no mundo comum, vivendo em paz, construindo junto da família.  Depois algo quebra essa harmonia. Pode ser um ataque de uma tribo, um roubo de uma mocinha, que o herói para resgatá-la terá que vencer vários obstáculos e fases. E em cada final de fase terá que lutar com um chefão. E no final do jogo lutará com o maior chefão, o mais perigoso, numa batalha épica de vida e morte, onde o herói usará todos os truques que treinou incansavelmente nas fases e vencendo o inimigo poderá levar de volta sua amada. A maioria dos games é assim.

          -Estou na última fase , para derrotar o chefão!

Findou mais um dia. Victor desceu a escada. Osvaldo ainda ficou lá dentro retirando o resto de terra. A noite tinha caído. Com certeza ele Victor foi zerar o jogo. Era sua vida virtual.  
Vida diferente. Seu irmão entrava na vida de personagens criado por outros, Já Osvaldo vivia a vida de personagens criado por ele mesmo.
Nisso uns braços puxou de volta a escada.

          -Hei! Ainda estou aqui, gritou!

Não ouve resposta.
Ouviu barulho de pá.  Pás de terra caíam sobre ele em abundancia. Alguém queria enterra-lhe vivo. Era isso. Começou a gritar. Em vão. Não lhe ouviam. 

-Eu ainda estou aqui e estou vivo, gritou.

 Por fim pensou. Tenho que fazer algo para safar-me. Saltou no intuito de agarrar a pedra. Estava fora de alcance. Os dedos estavam feridos. Doloridos.
 Mais terra caiu sobre ele, até cobrir-lhe por completo. Aturdido pensava: “Se eu fosse uma minhoca?”. Ia furando a terra até a superfície. Se fosse um verme talvez.
Mas era apenas um jovem tentando fazer um texto, que se transformou num buraco enorme, vazio, lutando contra tudo e todos, só o seu corpo, em posição fetal, engolido agora, sem meias palavras.





segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O jogo





                                O jogo

Chegou bem cedo para a partida de dominó. Era sagrado. Todos os domingos depois da missa. Eram amigos de infância. Otávio e Ricardo. Um sabia tudo da vida do outro.
Otávio cumprimentou o amigo, pediu a mulher uma cerveja gelada e os petiscos de sempre: queijo fatiado e azeitona enfiada em palitos.   Baralhou as pedras com cuidado rodando com as duas mãos pela mesa.
Sentaram-se frente ao outro. Pegaram as pedras. Roberto dá início.
          -Hoje quero duas buchudas!
          -Vamos vê!
Depois de duas horas de jogo acirrado, Otávio dá o tiro de misericórdia colocando cabeça de terno nas duas pontas. Sorri.  Faz as contas mentalmente. Saiu quatro pedras.  Tem quatro com ele.  Agora sou o dono da partida, pensa. Chama a mulher.
          -Benhê! Trás mais uma gelada!
Ela entra com a garrafa de cerveja na mão. E na outra o abridor.
Ricardo olha atentas, as pedras.
          -Passo, disse Ricardo.
Otávio coloca uma sexta pedra.
          -Passo novamente, disse Ricardo. Otávio sorri. Levanta-se faz uma pantomima, e diz:
         -Aqui quem manda sou eu! Essa ponta é minha! Viu!
Ricardo sem paciência.
          -Joga!
Otávio coloca a pedra, com força.
          -Bati! E de carroção! Vale dois pontos! Fechei! Faz uma algazarra com o amigo, empurra, bate nas costas.
Depois da festa chama a mulher.
        -Benhê! Mais uma!
Ricardo avisa com gosto.
          -Ela saiu você não viu?
          -E´? Nem vi. Estava tão entretido com minha vitória!
Faz a observação
          -Anda entretido demais, não acha?
          -O que você está querendo dizer?
          -Que ela saiu e saiu com um short tão curto que se andar rasga!
E completa:  
          - Você não tem ciúmes dela sair assim não?
E desabafa para o amigo:
          -Aqui pra nós, com todo respeito.
Ricardo vai até a cozinha. Pega a cerveja. Otavio meche as pedras. Fica pensando.
Ricardo enche os dois copos. Toma o dele de um gole só. Chupa a espuma do bigode. Vai até a porta da sala. Observa se Helena havia saído mesmo. A rua deserta. Carros passam. Volta com as mãos nos bolsos.
          -O que foi, pergunta Otávio. Desembucha!
          -Não consigo ficar calado! Quando sei essas coisas, ainda mais de um amigo! Dá uma raiva! Tenho que contar! Mas é uma bomba!
Otávio solta as pedras. Fica rodando uma na mesa. Parece uma roleta.
          -Acende o estopim amigo! Que venha a bomba.

                                  A bomba

Ricardo toma mais um copo para criar coragem. Respira fundo. Fala.
          -Tua mulher, nunca desconfiou dela?
Olha para Otávio. Ele está pálido. Assustado. Por fim consegue balbuciar algo.
          -Nunca me deu um quê assim de preocupação! A família toda é assim. Da antiga. Quando casam é para a vida inteira.
         -Pois é! São dessas que eu desconfio mais, disse Ricardo.
          -Olha amigo, pare de falar mal da Leninha, pois é uma santa mulher. Aliás, ela vai todos os domingos na missa das sete, comunga com Cristo, e sai muito pouco de casa...
          -Mas esse pouco que sai, segundo a cidade inteira... inteira viu, quando você sai para o trabalho ela sai para os braços do amante. A pergunta é: Como você não sabe? Pois toda a vizinhança está careca de saber e falam por aí que você é um corno manso. E você sabe que nossa amizade não foi feita nas coxas! Isso não! Nossa amizade veio do berço, lá do interior, nossos pais foram vizinhos, compadres, toda essa coisa que faz os laços mais fortes...
          -Peraí!  Você tem provas? Porque essa vizinhança sempre teve inveja de mim, por que Heleninha é um show de bola de mulher, gostosinha, carinhosa e se não provar, toda essa ignomínia contra nós, essa amizade que tanto alardeia por aí, termina por aqui... Por essa luz, por Deus que se você não provar agora, não quero ver você aqui nem pintado de ouro, ouviu?
          -Mas amigo, como provar essas coisas?  Só se armar uma tocaia e como se diz por aí, pegar com a boca na botija!
 Otávio super apaixonado e reticente:
          -Sem provas, sem crimes! Faça o favor, de sair por aquela porta, ganhar o olho da rua, e nunca mais volte aqui! Nunca mais!
Ricardo antes de sair lava as mãos.
-Otávio!  Fiz o que grandes amigos devem fazer agora você faz o que quiser da sua vida. Sabe como o chamam por aí? Otário e não Otávio. Sai e ouve o estrondo da porta se fechando as suas costas. Meio dia Leninha volta.
          -Uai! E o jogo?
          -Dei uma buxuda nele e o idiota saiu morto de raiva.
Helena vai tomar banho. Otávio ouve a água banhar aquele corpo que ele até hoje achava que era só dele. A água corre fazendo cascatas em vários pontos. Ela é uma mulher cheia de encantos. Tenta não pensar, mas os pensamentos negativos chegam como gafanhotos, destruindo o que vê pela frente.

                                       Os Domingos depois

Uma semana depois, Otávio estava sentado numa cadeira balançando-se enquanto aparava as unhas. Helena na cozinha, lavando a louça de ontem. O radio tocando as dez melhores da semana. O locutor:
“Agora vamos tocar a mais pedida da semana:   A linda música que estourou nas paradas: “Infiel”. E claro como diz o título, a letra fala sobre infidelidade. E brinca com os telespectadores.
“ Gente! Traição ninguém merece!”  “Fui! Até domingo que vem com as dez mais! Tchau!” Deixa a música martelando. Infiel! Infiel!
Helena cantarolava. Otávio parou de cortar a unha do dedo mínimo. Ficou procurando naquela mulher, sua mulher há vinte e cinco anos, traços de uma traidora. Que estava até certo ponto tranqüila a seu ver, e procurava detalhes, algum rastro de infidelidade.  
Se questionava: “Uma mulher quando trai ficam rastros? Marcas? Sinais? Como deixam nos homens?”.
Certos sinais que Leninha, procurava, quando ele chegava das peladas, das quintas à noite, ela corria para o quarto e enquanto ele tomava banho ela vasculhava, pegava suas roupas, procurava  cheiros, marcas de batom, arranhões etc. e etc.
Ela chegou ao cúmulo, lembrou.  Um dia de madrugada acordou assustado, com ela medindo seu escroto, pesando com a mão e ele desconfiado perguntou e na época ela disse entre dentes:
          - Você sabia que se o homem transar na noite passada, o escroto fica mais murcho e mais leve? Que se a mulher for inteligente vai saber se o homem está lhe traindo?
 Ela falava assim na terceira pessoa.
E completava:
         -Os homens que tomem tento, que mulher não é boba!
Terminou de cortar a unha e a letra ficou martelando em céu cérebro. Aquilo não era letra de música decente. E soltou a imaginação.
Viu a mulher, nua sobre uma cama qualquer entregue ao prazer mundano. Fazendo as coisas que ele gostava de fazer juntos, com alguém que ainda não tinha rosto, mas tinha todo o resto, até dando dicas de como gostava, assim e assado, mais devagar agora acelera e tal e tal. Um beijo aqui, uma tapinha acolá. Ele foi ficando vermelho, uma opressão no peito e levantou-se.
          -Mas logo terá rosto! Ah! Isso vai!
Leninha o interpela:
          -O que foi?
          -Nada! Pensei alto!
          -Benhê! O Ricardo não vem?
         -Não!
Inventa uma história.
           -Discutimos na pelada de quinta! Uma entrada ríspida que ele me deu!
          -Nossa! Brigou com seu melhor amigo!
          -Amigo! Amigo! Um amigo da onça, isso sim!
          -Ele parecia ser tão cordial!
          -As aparências! As aparências! Vou buscar pão!
E saiu para a rua.

                                   A rua


Chegou à padaria, uma grande fila.  Viu rostos rindo dele nas janelas. Qualquer aceno o assustava. Muita gente. Lembrou-se que quarta era feriado e o pessoal veio todo da capital emendar a semana no litoral. Ele achava um saco à cidade nessa época. Era fila para todos os lados. Nos bancos, caixas eletrônicos, mercados, farmácias.  Segundo ele o povo não tinha coisa melhor para fazer.  Mesmo nas filas, parecem felizes, com vergalhões vermelhos do sol, tatuagens, roupas curtas, uns até de trajes de banhos. A cidade deixava de ser só dos pacatos moradores, e agora pertencia a turba que vinham de todos os lados. Postou-se no final da fila.
 Conversas gerais. A maioria relacionada ao calor ou a vida dos outros.  Pensou: até chegar sua vez, dava para tomar uma ali no bar da esquina, e avisou a pessoa de trás.  Um magricela de óculos, fundo de garrafa. Assentiu com a cabeça. Um tímido pensou. Detesto os tímidos. Uma raça de gente miúda que luta todos os dias para aparecer, e quando acontece, ficam vermelhos, calados e doidos para caírem num buraco.  Sofrem demais para se esconderem da vida.
A gelada não entrou bem. Veio uma azia até a boca do estômago. Lembrou de Helena. Um turbilhão de pensamentos.
Assim que a viu gostara do jeito dela, da sobriedade dela. É claro que também seus atributos. Seios fartos e bunda empinada. Quando tentou beijá-la pela primeira vez no cinema ela pôs a mão no peito dele e questionou:
          -É para casar? Só quando ele assentiu, é que ela beijou-o com paixão, enfiando a língua o mais profundo possível.
Um ano depois desse primeiro encontro ele tentou algo mais. Novamente veio o toco.
         -Sou virgem e só faço depois do casamento!
Nove meses depois se casaram.
A lua de mel passou-se numa chácara de um amigo. Como não era noite de lua ele na hora quis acender a luz. Ela correu para se vestir.
          -Acho uma tremenda falta de pudor a mulher fazer sexo assim às claras. E apagou a luz.
No outro dia os familiares queriam saber se sangrou. Uma cafonice. Sangrou. Será que não foi a fimose? Deixa disso Ricardo. Fui seu primeiro namorado. Ela era Bv. Boca virgem.
Até chegar aos dias atuais, foram dez anos de escuridão total. Agora mais livres das amarras que a sociedade cinge os nós, tinham experimentados quase tudo. Só o sexo anal ainda era tabu. Claro que ele tinha tentado, sem lograr êxito.
Assim balançou a cabeça sem acreditar na história que o amigo contara. Mas esses lances são como chicletes, colam na mente e só se dão por vencidas quando o escritor passa ao papel.
São fatos relevantes da vida que entalham a alma.
E se ela estiver fazendo com outro justamente o que não faz comigo?  E se e se?
 Nisso o quatro olhos levantou a mão. Ele rosna.
          -Tímido imbecil!
Pagou a cerveja. Na fila.
          -Quatro pães moreninhos!
A balconista lhe sorri.
          -Gosto de moreninhos também!
Ele a olha. Os seios meios fora do uniforme. A calcinha marcando por baixo, entrando, pequena, numa bunda enorme. Pega os pães.
          -Próximo! A balconista grita.
A fila anda.
Ele sai.

                               O amigo

Quando retornava para casa uma voz o chama.
          -Otávio! Está fugindo de mim? Era Ricardo. Com roupas e tênis para malhar. Estava suado.
          -Depois de tudo que me falou! Não era para menos.
          -Podemos conversar? Vamos sentar ali naquele bar. Ele reluta, a mulher está esperando, não tem tempo agora, fica para outra vez mas...
Sentaram-se.
          -Uma cerveja, por favor!
          -Já tomei uma ali!
         -Mais uma não vai fazer diferença!
 Tomaram várias. Saíram abraçados até no final da rua. Por fim ele disse ainda:
          -Ela é uma santa e vou provar!
 Otávio seguiu em frente e Ricardo subiu ao sobrado onde morava.
Chegou à varanda. Talvez pensasse assim. “Ali vai um bobo, um corno manso!” Ou “O marido é o último, a saber”. Ou “Tem gente que é cego”.
Mas a verdade é que não pensou nada disso. A mente estava vazia olhando o outro, o amigo, trocando passos tortos pela rua até sumir de vista.

                              Em casa

Quando ele colocou o pé dentro de casa escutou:
          -Mas isso são horas de chegar, para quem foi só comprar o pão? Você está louco?
          -Eu encontrei o Ricardo, e ficamos batendo papo até agora!
          -Quanta coisa para se falarem! Está doido?
          -Você que está maluca mulher! Ora essa! Vá se daná!
Helena nunca vira o marido assim. Arregalou os olhos.
          -É culpa da bebida! Eu sei! Quando bebe perde o juízo, a noção! Amanhã quando passar o pileque, conversaremos!
          -Isso! Amanhã colocaremos os pingos nos is! Nos is, viu?
Ela ainda falou antes de entrar no quarto:
          -É! É bom mesmo! Chega dessa vida dupla!
Ele ficou pasmo no meio da sala, ela bateu a porta.
As discussões eram sempre assim. Não ia a lugar algum.



                                            O caso

Na segunda feira Otávio fez o de costume. De manhã bem cedo, tomou um banho, escovou os dentes beijou Leninha no rosto e no que ela retribuiu com sofreguidão eles fizeram amor pela primeira vez depois que o amigo contara aquelas coisas. Era para aplacar a discussão do dia anterior.
Não se sabe se por sadismo ou cólera, talvez Freud explique, mas  ele finalmente conseguiu penetrá-la por trás. Ela falava que sentia dores e ele mais tesão. E esse jogo foi longe, levando-o a um gozo jamais sentido.
Assim deixa a mulher, toma um banho rápido e corre para o serviço. Até o trabalho foi assoviando. Era seu plano. Senta uns cinco segundos olha uns papéis e pede ao patrão para sair, coisa de vida ou morte diz. “Hoje pego com a boca na botija!”.
 Chega à esquina e espera.
Não muito. Leninha, sua Leninha, sai toda arrumada, olha para os lados e pega um taxi. Ele pega outro. Diz a frase célebre: “Segue aquele táxi!” Muitos filmes têm essa cena. Sendo assim não vou narrá-la. Passam direto pelo centro e toda área comercial. Nada de compras ele pensa. Depois entra no giratório passa o viaduto para o lado das praias. Em frente ao shopping. O estacionamento lotado. O maior palco do capitalismo. Tudo ali é feito para tomar seu mísero dinheiro. Passam direto. Entram num bairro conhecido como dos estudantes. São casas menores para os gastos apertados de quem está estudando forte para crescer na vida. O taxi para. Ela sai. Uma casinha isolada de frente a um precipício. As ondas, lá embaixo quebram-se na encosta. Ela desaparece pela porta e a fecha com cuidado.
Já vira essa cena noutro filme. Não se recorda agora. O traído consegue entrar na casa e escutar todo o diálogo. Não lembra as palavras. Deve ser a raiva. O ódio. No filme há uma tempestade. Relâmpagos clareiam o cômodo escuro. Trovões roncam no céu.
Ele entra. Fica pasmo.


                         No botequim

 Depois de virar o décimo copo Otávio continua:
          -Então meu amigo, eu me esgueirei pelo muro, pelos quintais, e vi. Vi com meus próprios olhos. Tinha levado aquele revólver vinte dois, e o apertava contra a mão, Ela me traia sim, descaradamente. Recebia carinho de outra pessoa, dizia que amava, que adorava, essas coisas bobas que dizemos. Aí não agüentando mais ouvir, joguei meu corpo sobre a porta.
          -E o que aconteceu?
          -O que eu não imaginava!
         -O quê, conta!
          -Calma! Vou contar!
Otávio vira mais um copo.
Continua:
-Leninha, minha Leninha, estava na cama do jeito que sempre sonhei!
Ricardo de boca aberta:
          -Como?! Como!
          -Ela estava nua, como veio ao mundo, abraçada e beijando-se loucamente uma  loira, uma estudante, vinda do interior, com as pernas entrelaçadas...
          -E ... O que você fez? Matou-as?
          - O que eu fiz? Ora bolas! Convidei-me à festa!
          -O que? Que??
          - Isso mesmo que você está demorando a entender! Agora moramos juntos! Precisa ver amigo, que pitéu! São carne e unha!  E eu que não sou bobo nada, formamos o trio mais feliz do mundo.
O amigo diz:
          -Mas e.... E a traição?
          -Que traição amigo? Foi a coisa mais legal que aconteceu comigo nesses trinta anos!
O amigo ficou rindo. Por fim pergunta:
          -E nosso dominó de domingo?
          -Sem falta! Mantemos a tradição, claro!
E brindaram sorrindo.
-Viva a La vida!

















quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Resumos e anotações & anotações




                                  

     Resumos e anotações & anotações
              
Do personagem:

Tinha fama de namorador. Já havia flertado com a filha do pastor, do vereador, do dono do mercadinho e só faltava agora, de solteira, a filha do prefeito. Afinal era um povoado pequeno e a fama ia longe.

Também pudera. Além do porte físico, tinha os predicados que as garotas do interior cobiçavam:
Uma bela cabeleira a Elvis, um sorriso mentolado com a ajuda do chiclete Adams, calça boca de sino, tamanco, óculos ray-ban e por último o relógio automático seiko. E para arrematar figura tão peculiar, usava no cabelo penteado para trás, a velha e cheirosa brilhantina Gessy(como dizia a propaganda na revista Cruzeiro, “seus cabelos ficarão mais sedosos e brilhantes”).

Essa figura para desdenhar dos conterrâneos uma noite dormindo na casa do avô paterno, amanheceu todo picado e queria saber por quem.
A tia disse:
-Oxente!  Isso ai foi muriçoca das brabas!
No que ele se fez de desentendido.
-Uê! Lá no rio, na cidade maravilhosa conhecemos por pernilongo!
Noutra ele estando na mesa para o almoço inquiriu a avó.
-Vó! O que é exta fruta branca?
-Oxente, menino, deixa de ser besta! Por acaso isso não é macaxeira?
-Uê vó, é meixmo! Tinha me eixquecido! Lá no rio chamamox de mandioca!
-Deixa de ser bexta menino! Quatro anox no rio fizeram exquecer tua origem? Larga a mão de ser bexta!
Aí ninguém se agüentou com a velha imitando o menino e todos caíram na gargalhada. O avô até então calado falou:
-Oxente mulher! O menino agora é carioca, vice! Só tome cuidado com as moças de família! Aqui a coisa é diferente. As moças aqui não são as desavergonhadas de lá não, vestindo aquela minúscula roupa de banho e em público! Tome tento, garoto! No que ele levantando-se da mesa respondeu imitando a propaganda de preservativo:
-"Eu levo uma a todo lugar onde eu levo meu pênis".

Isso se passou numas férias que ele esteve por aqui, no carnaval de mil novecentos e cinqüenta.
 Pesquisar década de cinqüenta.

Era a festa da cidade e teria o grande baile,
 Dessa feita, quando chegava às festas, geralmente em aniversários, quermesse ou no clube, deixava as mães das garotas em pavorosa.   
Por sinal os amigos já haviam notado sua grande desenvoltura nos bailes, balançava bem as cadeiras, dançando muito bem o rock and roll. Questionaram dele na época:
          -Tu foi estudar no rio pra ser doutor ou cantor de banda de rock? 
No que ele parou, bem assim, fazendo pose, Tirou do bolso um maço de cigarros parecia àquela propaganda, “Onde se divertem pessoas de bom gosto… aí se encontram os cigarros Hollywood. Chegou a hora do show…mas, para apreciá-lo melhor, acenda um Hollywood – o cigarro que dá mais realce às horas de lazer e faz passar mais rápidas as horas de trabalho”.acendeu calmamente com o isqueiro a gás, e respondeu:
-Bicho! Fui fazer ambax as duax coisax! É a onda morou?
Entrou no quarto para a sesta.

Do cenário:

Pacata cidade do interior de povo ordeiro e levado pelas circunstâncias a fofoca. Falam da própria alma. Dizem de uma moradora que se morrer vai precisar de duas urnas funerárias: Uma para o corpo outra para a língua. Tem uma igreja católica apostólica e romana, dois templos, um cinema uma sorveteria, um hospital, um cemitério tudo em volta de uma pracinha. É comum perguntarem aos gritos:
-Esse vai pra onde, pro cemitério ou pro hospital?
O assunto predileto é saber quem está morrendo e quem está nascendo.
Por essa praça a noite é que rodam o povo atrás de diversão. Povo de característica moral conturbada. De dia segue a Deus e seus ensinamentos. A noite o diabo e suas diabruras. Clima quente parece até amostra grátis do inferno. Em volta sítios e chácaras.

                               Sobre o baile

Anos cinqüenta.
Dezoito horas. Depois da ave Maria toda a cidade subia a pé para o clube. A distância era pequena e aquela época, quem tinha carro contava-se nos dedos e o prefeito era um deles.
Assim será que nosso herói, verá Angelina sair do Romi-Isetta, vestida num impecável vestido branco.
Ricardo com seus amigos haviam chegados mais cedo, e se encontravam tomando uma mistura de crush e aguardente e se postaram naquela posição privilegiada no intuito de observar mesmo quem chegava. Contavam piadas cretinas, quando os olhos dele e de Angelina por instantes se entreolharam. Aqui a câmera se aproximará dando um close.
-Uau! Quem é esta? O amigo mais chegado completou:
-É Angelina Figueira do Carmo, filha do prefeito.
-Mas que pitéu! Vai ser meu troféu dessas férias! No que os outros responderam em uníssono:
-Du-vi-de-o-dó!
Nisso a banda começou a tocar. Eram cinco cabeludos. Um baterista usando óculos, um baixista gordão, um guitarrista alto e magro, o pianista e o cantor com costeletas compridas.

Pode ser um cover dos Beatles.

 Atacaram com Asa Branca de Luiz Gonzaga. Os casais mais velhos foram se formando no centro do salão. Ao redor, nas mesas a maioria, ocupadas com as famílias.
Um garçom circula com a roupa branca e preta cheio de mesuras pelos corredores, e os jovens circulam por trás das mesas fugindo dos olhares dos pais. Uma fumaça espessa. Muita gente fuma nessa época.

Pesquisar se já fumavam maconha. Geralmente são caretas.

A banda agora ataca de brasileirinho de Waldir Azevedo, para demonstrar sua presteza com os instrumentos e os casais se desfazem da dança para admirá-los. Quando finda a música chovem palmas.
Aproveitando esse frenesi Ricardo tinha ido até o cantor e passado um pequeno papel pedindo uma música. Normalista, Nelson Gonçalves. Quando o pianista dava os primeiros acordes e a música iniciava no vozeirão do cantor, Ele se encontra á frente de Angelina fazendo um rapapé:
-A senhorita dar-me a honra desta dança?

O foco nos rostos dos pais, sobressaltados.

Ela não teve como recusá-lo. Entrega a mãozinha trêmula e vai para o meio do salão.
Os pais ficaram olhando, aliás, todo o salão.

Diálogo entre os pais.

-Maria, quem é esse rapaz, é filho de quem?
-Neto de Seu Joaquim, aquele que foi estudar fora!
-Joaquim aquele dono da terra perto do rio?
-Sim! Aquele que lutou na guerra contra os alemães.
-Boa bisca não é! Fica de olhos bem abertos.
-Pode deixar!
Aumenta-se o som da banda.
Toca agora, Jamais Te Esquecerei de Antônio Rago.

Câmeras no meio do salão e no teto para dá impressão de grandiosidade.

-Como tu chamas?
-Angelina.
Eu Ricardo muito prazer.
-Que fazes?
-Estou fazendo o normal e tu?
-Fiz o científico no Rio, e agora extou extudando muito para o vextibular. Quero ser advogado.
Toda esta conversa, dita em sussurro no ouvido. Angelina quando escutava a voz serena, e soprada com mil esses no seu pavilhão auditivo, sentia um calafrio que a deixava toda arrepiada.

Escolher bem a atriz. Deve ser uma mistura de Eva e de serpente.

-Agora que me conhece, poderia tirar essa trava?(Nessa época as garotas colocavam um braço no peito do homem, para que ele não se aproveitasse).
-Hum! Hum! Meu pai está olhando!
-Posso sentar-me em sua mesa?
-Venha vou apresentá-los.
Depois da apresentação onde o prefeito faz vários questionamentos foi anunciado o torneio de dança. O locutor grita o premio e todos batem palmas. O primeiro lugar uma Lambretta cinza clara.

A lambreta deve está sobre algo móvel que a fará girar num pedestal.

Do torneio:

Tocaram então um rock e o salão encheu-se de jovens.  Ricardo usou todos os seus passos.
Tinha um que parecia um macaco com dor de barriga. Outro girava como uma hélice de ventilador de teto.

Ele deve se transmudar no cociente dos pais como um diabinho  de rabo. 

 Mas tinha um rival: O primo de Angelina, sobrinho do prefeito que até ali, torcia por ele. Mas  Ricardo como previsto ganhou por três a dois, isso porque o prefeito não conseguiu comprar o outro jurado. Vendo a derrota, o prefeito na última cartada ainda tentou desvirtuá-lo dizendo que não valia, pois o rapaz mesmo sendo filho da terra, era um forasteiro, mas a maioria foi contra essa hipótese e Ricardo levou o prêmio a despeito do sobrinho do prefeito.

(Melhorar o personagem sobrinho do prefeito fazendo com que ele seja o vilão na jornada do nosso herói).
Observação: Tratar melhor as cenas e dá um pouco de dramaticidade para não cair no lugar comum. Pode ser também o primo responsável pela primeira vez de Angelina. A tirada do cabaço.

A partir daí Ricardo passou a comparecer à casa de Angelina, aos domingos, sobre a vigilância da irmã mais nova de treze anos, e olhos aguçados que nem um lince.

Margarida poderá nutrir um amor platônico por seu cunhado.

-Parem com isso! Vocês estão se adiantando! Ela disse isso um dia na saída de Ricardo lá pelas dez horas da noite, num furtivo beijo de despedida.

                                O namoro

(Tudo se transcorrerá rápido). A travessia do limiar. Batalha contra o guardião do limiar. (Margarida e os pais).

Todo mundo sabe como é um namoro daquela época. Ainda mais com a vigilância da Irmã mais nova e os pais.
Ricardo chegava ao domingo de tarde depois da missa das cinco, entrava com a Lambreta, na garagem, subia os cinco degraus até a sala, onde encontrava os pais e Angelina já sentada na poltrona em frente deles, ouvindo o programa da rádio nacional (depois pesquisar programa da época, pois não tive tempo agora) e naquele momento era que dava um beijo de leve na face dela que se encontrava enrubescido pela presença dos pais. Ali se conversava sobre generalidades, enchia-se lingüiça, como fazem muitos escritores quando são pagos por laudas escritas, o que não é o caso aqui,e só lá para as nove horas quando se recolhiam, deixava em seu lugar, Margarida de olhos e ouvidos abertos. Era esse tempo mínimo que ele tentava alguma coisa. Segurar-lhes as mãos, roçar-lhes os seios, afagar-lhes os joelhos brancos como cera. Aí ouvia a voz incriminadora da irmã:
-Agora eu vi, dissera ela, logo que os pais fecharam a porta do quarto.
-O que tu viu Margarida? Para de inventar coisas, mulher!
-Os dedos mindinhos se tocaram. Eu vi! Mais uma vez, eu chamo meu papai! Aí Ricardo tinha de pagá-la com guloseimas.

Iniciou-se aqui o pagamento de  propina no Brasil.
                            

                                 O susto

Acontece que apesar de toda a vigilância Angelina ficou grávida. Não uma gravidez vinda do espírito santo e sim pelo espirituoso Ricardo nosso herói. Todos ficaram curiosos para saber como. O próprio Ricardo, sendo um cínico contará nas rodas de amigos. Seguindo a moral masculino que diz: “Para o homem não basta comer, tem que contar para alguém”. Assim fez. E toda a cidade ficou sabendo.
Aconteceu que todos os domingos ele levava o bolso cheios de balas. E escondia em locais escolhido, longe onde ele ia ficar com Angelina. E falava para Margarida.
-Hoje eu escondi lá no quintal! Vamos brincar de quente e frio?
E margarida ia falando, estou quente, e ele respondia, está frio. Nisso Abraçava Angelina com vigor dos vinte anos. E isso levou seis meses. Mas segundo ele, quando, colocava a camisinha, e estava perto de conseguir, margarida aparecia com a bala gritando:
-Achei!
Muitas vezes ele fora embora vestido com a camisinha. Um dia até esquecera-se de tirar e foi dormir. Quando acordou e foi ao banheiro, urinar, não conseguia e ficou preocupado.
Seria doença venérea? Depois rio muito quando descobriu o porquê.

Essa cena deve-se dá ênfase, para se criar no espectador um riso, e uma aproximação com os personagens.

Um belo domingo, Ricardo já não aguentando mais, subia nas paredes, chutava lata na rua, enfim, estava para morrer de vontade. E o que fez?
Escondeu as balas mais longe. E pediu a Angelina que viesse sem calcinha. Que cara de pau! Ele achava que ela não ia aceitar. Tinha certeza até. Mas como desconhecemos as mulheres! Só foi ele falar que era a última semana de férias e teria que voltar para o Rio, e que isso e mais aquilo, que podia lá encontrar um alguém e se apaixonar, essas coisas que os homens falam quando querem, que procuram as mulheres da vida em busca de sexo só, e que ela será diferente e blá blá BA etc etc. Nos tempos de guerra para se comer uma mulher falavam que estavam indo com o coração partido e com certeza morreria no campo de batalha. Era batata. Nunca se comeu tanta mulher nas duas grandes guerras.
Assim Angelina chegou ressabiada e calada. Ele pensou: Diabos me mordam! Ela vai acabar o namoro. E tchau fodinha gostosa! Ricardo estava a ponto de desistir, pedir desculpas, perdão, que  fora um grosseiro essas coisas ridículas. E precisando conversar sobre, pediu para Margarida procurar as balas.
Aí Angelina veio com o jeito dela e sussurrou algo no ouvido dele.

Pode ser esse diálogo:

-Coloca a mão aqui, por baixo! E guiou-lhe a mão.

Ênfase nessa cena. Aumenta as visualizações. Todo espectador gosta de uma sacanagenzinha. Aí ele assustado e feliz sente que ela não usava nada por baixo. Sente no tato ardente pelos crespos e macios. Indubitavelmente que ele não esperava por isso.
 Aqui se deve molhar a fronte do personagem para mostrar que ele naquele momento, estar suando frio.

Ricardo sabia que não podia perder tempo. Margarida estava para voltar. Assim procura loucamente o preservativo no bolso. Nada.
-Puta que pariu, resmunga.
-O que foi meu bem?
-Esqueci a camisinha!
Ela naquela aflição de mulher que decidira há séculos (mulher quando decide é foda, ninguém segura, nem mesmo a falta de uma camisinha) falou baixinho:
-Não tem problema! Coloca só a cabecinha! E ensina: E na hora bem na hora é só tirar!
Aí não teve jeito. Ricardo colocou a cabecinha e ficou ali deslumbrado e Angelina um doce de pessoa mexia calmamente para cima e para baixo. Delícia eles diziam. Ricardo explicou assim: Como estava bem bom, e pênis não tem ombro, já viu o que aconteceu, dissera ele bem depois.
-Entrou até o talo!
Lá para as dez horas, depois de tudo acabado, apareceu margarida com a camisinha na mão perguntando, o que seria aquilo. Ele teve que inventar uma estória e disse que era balão de aniversário de uma irmã que não tinha e teve que enchê-la ali mesmo para ela brincar na sala.  
Aqui se fecha a cena.
A curiosidade do espectador fica maior tentando resolver o problema: O pai encontrar pela manhã uma bola terrivelmente estranha voando na sala.

                        A correspondência
Depois da travessia do limiar vem a calmaria. É quando o herói aproveita um mês inteiro comendo a heroína.

 Logo que soube do atraso no ciclo menstrual de Angelina, dos desmaios, e dos choros contidos, uma certa manhã, Ricardo acordou com a cara estranha,arrumou a lambreta, amarrou a mochila, pegou o óculos Ray-ban  e caiu na estrada bem cedo. Como dizem hoje: Picou a mula.
Viajou o dia inteiro sem olhar para trás. Na cabeça dele passava um filme que vira recentemente, Juventude Transviada com James Dean e ele se sentia o próprio.  A BR estava tão deserta no domingo, a pista uma hora pintava-se de verde dos pastos de Minas, as vacas branquinhas e quietas pastando cercadas por arames farpados, morros, montes, pradarias sem fim, depois nublava e caia uma chuvinha fina, ou o solão abrasador, e vinha um calor como uma estufa.  Na serra de Petrópolis caiu um pé d’água que o fez parar. Será castigo? Pensou. Parou num restaurante. Vários carros estacionados. Pediu uma refeição completa, essa aventura estava lhe dando muita fome.
Lá fora a chuva passou e abriu o sol, já se deitando atrás da serra. Enquanto engolia, pensava no que hipoteticamente acontecia lá no povoado, agora todo mundo sabia, o que era de Angelina, o prefeito, a mulher, margarida. Tudo em Flash Bach.
Terminada a refeição, pediu um café e depois acendeu um cigarro e ficou olhando o movimento dos carros. Era um zumbido só. Carros pra lá e pra cá o que o fez balançar a cabeça.

A câmera se distancia mostrando quão é pequeno o homem.
Depois aproxima-se lentamente do personagem, em câmera lenta para mostrar bem a cena.

Deu um chute numa lata que estava por ali, montou na lambreta e acelerou. Logo visualizou o Rio e toda sua fauna.

               Juntada de papéis

Vinte anos se passaram. 1970. O homem pisou na lua, O escrete canarinho foi tricampeão. O governo é militar e isso tudo foi fonte de pesquisa, mas que não tem nada a ver com essa história que ainda não passa de um resumo para algo que está deformado.

Ouve uma correspondência. Que voltou ao destinatário. Tinha um carimbo dos correios de 1951.  Endereço inexistente.

Sobre o pai:

Sim ele era inexistente. Um verme. Um...
 Com mãos trêmulas um jovem lê à missiva. Vai copiando as letras e frases soltas numa velha máquina de Escrever Portátil Remington. Para um momento e olha através da janela escura. Volta a lê agora concentrado. 
Cena com pouca luz. Pode ser a luz de vela. Como gostam os poetas malditos.

O silêncio só é quebrado com as letras tocando a fita preta da máquina.
                          
                    Querido Ricardo:

Não guardo ódio. Não sou dessas. O que decidi foi ter meu filho com a graça de Deus. O que me chateou foi tua fuga. Não era necessário. Achava que me amava. Por isso me entreguei de corpo e alma. O qual não foi minha surpresa de tua fuga. O que eu fiquei pensando nesses longos vinte e poucos anos é o que acontece em nossas vidas com nossas escolhas. Por exemplo: Se estivéssemos usados camisinha?
Se Margarida tivesse voltado a tempo?
Se não tivéssemos tanta liberdade?
Se e se e se... Como dizia um amigo: Se é uma conjunção adversativa e atrapalhativa.

 Se você estivesse ficado, nos casaríamos e formaríamos uma família e talvez viesse até outros filhos. Mas você não fez essa escolha e essa família que tanto sonhei se desintegra agora em meus pensamentos. Mas quero dá notícia de nosso filho está um homenzarrão. Formou-se em cinema e está pensando em fazer um filme sobre nossa vida. O que me deixa triste é que ele nunca mencionou seu nome. E não é por minha culpa Deus é testemunha.  Um dia peguei-lhe lendo meu diário. Como ele se parece com você. Um sonhador. Vive anotando coisas, diz que é para um filme que está em mente.
Um dia desses li algo dele. Será que ele escreverá sobre nossas vidas? Tomara que não. Foi uma vida vulgar. Estou com medo. O que ele escreve são frases melancólicas e de uma ensurdecedora tristeza. O que me dói mais é imaginar que você pode está precisando de ajuda, de amor, de carinho...
“Aqui o escritor olhando pela janela para. Bate-lhe pesado, como um coice de mula o branco da lauda. Não consegue mais criar.
Toca as teclas da máquina sem emoção.
Anota do lado para recordar quando a escrita voltar aos trilhos.

Obs. Pesquisar músicas da década de cinqüenta:
Velhas Cartas de Amor - Francisco Alves
 Cigarro LS (Elegância) – 1959
Cinturita Porta-Liga Leila – 1951
James Dean .... Jim Stark – Ricardo
Natalie Wood- Angelina
Refrigerante Crush
Lambreta (concurso no baile para o melhor dançarino).
Atenção:
Prováveis finais da história:

1-      Ricardo não conhecerá o filho.  Haverá grandes hiatos. Morrerá sozinho num hospital devido ao vício do fumo. Angelina vai morar no Rio de janeiro e é dona de casa exemplar cuidando do filho de 21 anos que escreve nas horas vagas com uma máquina Olivetti. O filho é inominado. Triste mas eu existo.

2-     Ricardo acordará de um pesadelo terrível, e marca o casamento com Angelina, descobre que ela usava Cinturita Porta-Liga Leila(para afinar a cintura) mas não ligou teve dois filhos e são felizes. Eu existo e tenho um irmão.

3-     Ricardo usa perfeitamente bem o preservativo, come Angelina todos os santos dias, não têm filhos, engorda bastante, ainda não casou, vive na casa do prefeito que o fez de secretário particular, por descobrir nele um tremendo de um cínico e  está de olho na cunhada que está um pitéu e ninguém escreve a história deles. Eu não existo.

4-     O escritor anota numa pasta, para terminar depois e salva no computador e sem querer deleta o resumo que se perde nos meandros da eletrônica. Não existiremos.
5-     Sem tempo para nada o escritor dá por terminado, posta na internet a espera da crítica que não vem. Inexistentes.

Urgente: Terminar o roteiro até o final de semana. De qualquer jeito. Aceita ajuda de qualquer ordem.