segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Como votatei


                    




                    Como votarei 


Em primeiro lugar observarei  a pessoa. Não o físico. O todo. O sexo não importa. Homem ou mulher na minha opinião estão a mesma altura. No mesmo patamar.   Não importa o credo.

Se é católico, evagélico, umbandista, espírita, ateu, ou outra denominação qualquer. Características físicas, raça, sexo é indiferente. 

Se é de esquerda, de direita de cima ou de baixo o partido não importa.


Não entrarei em aventura. Não acreditarei em salvador da pátria, em mito ou outro adjetivo qualquer. 

Sei que não existem. 


Observarei as ações se condiz com o que o candidato fala. Tem muito lobo em pele de cordeiro.  

Não adiantará o candidato dizer  que é religioso , que vai a igreja ou culto dominical , ao candoblé ao centro espírita se não tem empatia. Tem que respeitar a natureza, protegendo os rios e florestas. O meio ambiente. Investir em cultura. Em ciência.

Difícil de encontrar? 

 Sim. 

Mas que pelo menos se aproxime desse ideal: ter planos para socorrer os mais necessitados , os desvalidos. Ter planos de inclusão e não de exclusão. Saber ouvir. Dialogar com todas as classes. Com todas as pessoas, com todos os indivíduos indistintamente. O candidato tem que priorizar a educação, a saúde manter a inflação estável e a economia em crescimento.

O candidato tem que ser honesto, bom administrador, dialogar com todas as frentes e partidos, ter empatia, buscar sempre o bem comum e nunca privilegiar só uma classe. Tem que governar para todos. Isso é o que procurarei no candidato(a).

E por último e não menos importante: quero votar em uma urna eletrônica. Voto impresso é passado. 


02/08/2021

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Situação análoga


                






                   Situações análogas 




"Meu inconsciente cria fantasias que minha mente sã nunca ousaria imaginar."

Sigmund Freud

 

                     —————-


      Ele estava fazendo sessenta e quatro anos naquele dia quando sentiu uma pontada forte no peito. Correu ao médico. Um pequeno infarto. Precisaria de descanso e um pouco de exercício. Logo volta tudo ao normal disse o médico. Mas eu que tenho tanta coisa para fazer, pensar... Tira umas férias disse por fim o médico.  

Procrastinou o máximo que pôde mas, o velho medo da morte venceu. Como disse bem Drumond de Andrade:

..."o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,

o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,

cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,

depois morreremos de medo".


Para completar ele estava convalescendo de uma gripe mal curada mas, feliz depois que fez o teste que excluiu a covid e o médico prescreveu vitamina c e cama. 

Não tinha como esconder 

que a “boa idade” como chamam hoje, trás: saudade da vida passada principalmente quando vê uma bela mulher,  “elástica,  com  uma  pele  suave  da  cor  do  pão  e  olhos  de  amêndoas verdes,  e  tinha  o  cabelo  liso  e  negro  e  longo  até  as  costas”. Este era o perfil físico da jovem que Gabriel Garcia Márquez descreveu tão bem no conto que leu há pouco: “O avião da bela adormecida”. 


Enquanto entrava no carro, jogava o livro no banco de trás e abaixava o vidro pensou: O que tinha para viver era menos do que viveu até agora e precisava aproveitar da melhor forma possível o que lhe restava. Mas não estava fácil principalmente por causa da pandemia. E todos estavam guardando distâncias seguindo protocolos rígidos pelo mundo a fora. Dava graças a Deus por ter  se vacinado passado da fase vermelha para a amarela, pois finalmente estava caindo o número de contágio.

Assim  releu várias coisas e principalmente esse conto que relatava o sonho de um  homem de meia idade em encontrar a luxúria nos braços de uma jovem e bela mulher e isso lhe dava alguns comichões não para o ato em si mas, se tivesse uma mulher, uma bela mulher  para observá-la sem pressa um longo tempo em todos os detalhes como uma obra de arte aí pensou na  "A maja nua", obra de 1800, de Goya. Que na época escandalizou a sociedade e foi processado pela inquisição. Depois com "Olympia", 1863 de Édouard Manet que foi influenciado pela obra  "Vênus de Urbino, 1534 de Ticiano.  E no auge da observação a obra "I'origine Du Monde", 1866 de Gustave Courbet obra essa que retrata a vagina em close de uma mulher deitada.  

Estacionou nos arredores.

Depois de procrastinar muito resolveu  fazer uma pequenas caminhadas pela vizinhança. A paisagem  estava como bem pintou Vincent van Gogh "A Noite Estrelada". A pintura retrata a vista da janela de um quarto do hospício de Saint-Rémy-de-Provence, cidade da França pouco antes do nascer do sol onde ele estava internado depois de ter provocado automutilação da orelha esquerda. São pinceladas vigorosas de azul anil.


Incrível como depois de dias recluso tudo fica mais belo, colorido , profundo e empolgante. Deve ser o sentimento dos encarcerados, pensou.

Começou com  passos largos, ouvindo o estalar dos cascalhos sob o tênis, a brisa na pele. Logo o telefone tocou.

Era a empresa de telefonia móvel ligando pela décima vez cobrando uma conta já paga e a voz feminina educadamente dizia por fim que se a conta já estivesse sido paga que desconsiderasse. Ele parou.

      -Vá para a puta que o pariu ele disse. Sempre é a mesma coisa. Me acordou cedo hoje, desconsiderar ? Vá se danar ele replicou. Desligou.

Foi assim que ele chegou ao encontro: Puto e mau humorado. 

Hoje os casais chegam aos “finalmente” para depois perguntar pelo nome, emprego e outras coisas mais, pensou. No meu tempo, para pegar na mão da garota era a maior dificuldade. Tinha que conhecer os pais, sentar-se na sala, pedir em namoro.


A garota no entanto já o esperava . Os olhos semiaberto, sussurrou baixinho Um bom dia preguiçoso. Vestia-se com uma calça legging preta. O cabelo preso em rabo de cavalo. Uma bela mulher.  Logo ensaiou   uma posição que constava certamente do Kama Sutra, o sábio ou sacana indiano que treinou  todas as posições sexuais possíveis e catalogou-as num manuscrito.

 Começou os primeiros movimentos. Os cabelos caíram-lhes sobre os seios rígidos. Os alto-falantes tocava uma música de batida forte. Um tum tum tum no ritmo do coração. 

Deitou de barriga para cima. Sentiu o perfume dela. Suave.

Todos os dias se encontravan a mesma hora, no mesmo lugar. Maira era seu nome. Ele a conheceu a pouco tempo, pescando sua vida nos diálogos soltos que ouvia com as amigas. 

      -Nossa! Fiquei na festa até o o dia raiar. Estou morta! Disse uma

      -Finalmente passei na OAB. Disse ela.

Advogada, pensou. Defendeu tese. A tese nada mais é do que a ideia central de um texto. Ela é o ponto de vista. E ponto de vista há vários. Depende de quem olha. Ela é um “ tesão” observou.

Tirou o sobretudo. Lá fora o frio de início de inverno. Julho. Mudou de posição. Parecia um louva a deus. Deitou-se e começou um movimento ritmado para cima e para baixo. Essa posição entraria até os "bagos" pensou.  Sentiu que ela fazia um esforço tremendo. Assim a  respiração se tornou cada vez mais ofegante. Uma gota de suor caíra-lhe da testa. Ela enxugou com um lencinho branco. Chegou  a ouvir o coração palpitando mais rápido.

Quando ela descia dava um gritinho  como os jogadores de tênis. Vem das artes marciais.  é um termo das artes marciais japonesas que se refere à exteriorização da energia corporal, que nasceria desde o baixo ventre,localizado aproximadamente cinco centímetros abaixo do umbigo . A manifestação pode se dar em três momentos: no início de uma atividade; durante sua realização; ou a seu fim. 

E ela estava batendo um bolão. Que energia. No rosto dela a expressão de prazer e dor. É a serotonina pensou.

Ele  tentou acompanhar os movimentos dela. No ritmo. Ela descendo, ele subindo.  No mesmo sincronismo. Num vai vem de músculos e um sobe e dece de carnes na fruição dos corpos suados.

“De acordo com um  estudo o gasto calórico da atividade sexual é de 4 calorias por minuto para homens e de 3 calorias por minuto para mulheres, com um equivalente metabólico semelhante ao de uma caminhada a 6 km/h. Portanto, para uma relação de 30 minutos de duração, o gasto calórico aproximado seria de 120 calorias.”


Ela ficou de cócoras. Dava para vê no espelho toda a suas costas e a bunda perfeita. E com os movimentos fortes seus seios pulavam e seus cabelos balançavam em ondas rítmicas perfeita. 

Ele mudou de posição e colocou as mãos sob a nuca.

Deu umas vinte estocadas forte para cima. Sentindo os músculos tesos. 

Desprendeu-se de seu corpo um cheiro doce de sangue e suor. Para ele o perfume era inebriante.


“E como em qualquer forma de atividade física, a queima de calorias na atividade sexual vai depender da sua intensidade e duração.”


Ela aumentou e ritmo e ele a acompanhava.

Sua respiração estava como uma cuícas na roda de samba. Quando ela inspirava ele expirava. E vice e versa. Parecia um balé, um tango, um bolero , uma dança bem ensaiada.


“De acordo com um médico não recordo o nome, disse ele: é interessante pontuar que fatores como o tipo de relação (sexo oral, com ou sem penetração etc), a posição utilizada e a ocorrência ou não de orgasmos também influenciam no gasto calórico total.”

Aí mandaram ver.

Agora ele já não sentia o cansaço e as dores do início. 


“A organização Mundial da Saúde (OMS), diz que para se romper a barreira do sedentarismo, as pessoas precisam gastar pelo menos 2.200 calorias por semana com atividades físicas. Supondo-se uma relação de 30 minutos de atividade, incluindo preliminares mais ativas, no sentido de garantir um esforço físico de moderada intensidade (6 METS, sigla para Equivalente Metabólico da Tarefa), os homens precisariam ter em torno de 18 relações sexuais por semana e as mulheres, 24 relações.”


Continuaram os movimentos de vai e vem.

Ela parou um instante para recobrar a respiração e ele aproveitou para a observar pelo espelho. A bunda perfeita. Uma medalhinha de ouro pendia do pescoço esguio e suado.

Súbito ela ficou de quatro. Movimentou-se como um gato espreguiçando-se calma,  lânguida. 

Que abundância!

O côncavo e o convexo.


“O sexo é mais uma atividade que, somada a outras, ajuda a mandar o comportamento sedentário embora. E sem sofrimento, já que, nesse caso, prazer é fundamental.”


Maíra levantou-se. Vestiu o sobretudo. Tomou todo o líquido da garrafinha e despediu-se com um belo sorriso. 

Ele ficou mais um tempo.Tinha que terminar sua série de abdominais perder gordura localizada e resolver velhos problemas. Por fim saiu da academia.

Poderia ter sido uma boa transa, ele pensou.    

Mas como diz a lei: sem  "emissio seminis" ,sem cópula.



sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A banda

  A banda 


Cidade de interior era assim. 


Em dia de festa uma banda surgia  como por encanto numa rua e a meninada largava tudo que estava fazendo e a seguia.

    Primeiro a percussão soava. Tum  tum catibum!

A tuba acompanhava nos baixos. Pom pom pom! Parecia um elefante. O trombone. Os clarinetes. 

   Em minha infância eu não podia vê uma banda que a seguia por toda a rua de paralelepípedos. Vinha tocando um dobrado dos bons, “Batista de Melo “. As notas subiam e desciam em dó ré mi fá sol lá si dó.   

    Depois paravam no coreto da pracinha e ali era o epílogo. Mas, antes todos esperavam a moça da saia plissada de cor azul , esta nunca a esqueci, era o clímax, batia os pratos  uma vez na frente e depois em três toques seguidos: em cima, às costas e embaixo da perna. Tlim tlim e tlim! Por último  tocavam“Saudade eterna” e íam embora.


quinta-feira, 26 de março de 2020

 
                     


                       Em quarentena



Aos domingos  a maiorias das pessoas iam à igreja, ao clube e no final de tarde visitavam a família.  Isso desde que me entendo por gente. Hoje não.
Estamos passando por uma grave pandemia e fomos obrigado a uma quarentena. Estamos isolados em casa.
Olho pela janela o céu limpo, sem nuvens, linda manhã de domingo numa imagem plástica e bela um ambiente limpo e liso sem nuvens da cor azul turquesa.
O avião que passava  todos os  dias deixando um rastro branco as oito horas em ponto para o Rio de Janeiro que me fazia sonhar, já não passa  mais. Tudo está parado. Só o relógio em cima da cômoda ainda bate seu tic e tac frenético. Olhei em volta . O silêncio foi quebrado pelo  canto de um bem-te-vi. A pequena cambaxirra saltitava de um galho a outro perto do barranco. Incrível! Pensei.  Dava para ouvi até o farfalhar suave do vento nas folhas da mangueira. O sol com seus raios dourados chegou a queimar minha fronte.  Sentia meus pulmões processarem o ar para as minhas células. O sangue corria em minhas artérias e veias. Ouvia o meu coração.
O que estão fazendo lá fora os outros? De uma maneira ou de outra estão tentado sobreviver cada um do seu jeito., pensei. Não é que eu não goste da solidão. Tem dias que eu quero ficar só. Mas assim forçado imposto por um vírus não está sendo legal. Eu sei que é necessário e imprescindível para o combate. Mas tenho que agradecer pois estou vivo. Eu estou vivo. Vivo! Mas, tem dia que penso que não. Que já morri e essas linhas de pensamentos são processados por sinapses anterior ao caos. Que logo vão parar e virá a inercia de tudo, dos sentidos das ondas eletromagnéticas e tudo se consumirá em silencio. Mas, noutras  janelas vejo vultos por detrás das cortinas. Silenciosos...Temerosos...esperançosos...
Estamos em espera.  As borboletas voejavam sobre as flores do maracujá no quintal. Estamos no outono. À época da troca das folhagens para a chegada do inverno.
Lembrei que tenho que podá-lo se não ele esparrama as ramas sufocando as outras plantas.
Já chegamos ao cúmulo de podarmos todos os nossos contatos ditos “desnecessários” para os dias de hoje inclusive os abraços, apertos de mão e beijos.  Que dias longos e monótonos sem beijos e abraços meu Deus!
Já já entrará a primavera e tudo florescerá a despeito da vitória.  As flores abrirão suas pétalas e o perfume deixará toda a planície perfumada. As abelhas buscarão o néctar. Os ciclos passarão e tudo o mais. Até essa guerra passará.
Por ser invisível é indubitavelmente mais perigoso o inimigo. Não sabemos de onde vem nem quando vai atacar. É como tempestade de verão. É como saltar de paraquedas no escuro. É como um parto normal onde o ser ao sair do conforto para o mundo, chora ao sentir um abandono e o oxigênio pela primeira vez nos pulmões.

A forma que eu achei nessa espera soturna, foi escrever essas linhas, lê um bom livro, dá um oi pela janela ao vizinho , ter bom senso...e gritar a plenos pulmões e cantar na chuva se possível, com a plena certeza de que com fé em Deus o homem vencerá essa batalha mais uma vez.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Uma bandeira de respeito







                  Uma bandeira de respeito



          Estava dirigindo-me ao clube Mangueiras, na manhã de domingo, aonde vou praticamente todos os finais de semana, quando me deparei no cruzamento da beira rio com a  Santos Dumont, creio eu, embaixo do sinal, um rapaz portando uma faixa com os dizeres:

         Se apóia o impedimento do ministro do STF buzine.
Lembrei que seria em todo o Brasil tal manifestação.
Eu fiquei entusiasmado em saber que um jovem estava largando de lado a diversão para lutar por algo.
Alguns gatos pingados buzinaram, outros como eu passamos em silêncio.
          Imediatamente fiz uma reflexão para entender melhor o ato em si, questionando-me primeiramente qual a função do juiz do supremo.

          Segundo o Google, um dos maiores sites de conteúdo, o Supremo Tribunal federal é o órgão máximo do poder judiciário e seus ministros têm a principal função de proteger a constituição que é a norma mais importante do país.

          Soube também que a demanda do jovem era porque o ministro votou contra a prisão após segunda instância e que segundo o jovem, levaria a liberdade com esse ato, milhares de  investigados, réus de todos os tipos e raças, chegando ao motivo principal do ódio que era a soltura do ex- presidente Lula.

         No entanto sabe-se que não é assim. Existem várias maneiras de manter o acusado preso se for necessário e legal, que determine a lei.

          Não quero ponderar sobre a segunda instância aqui, pois já comentei em artigos anteriores. Quem tiver a curiosidade leia no meu blog.

          Busquei informação e de acordo com vários juristas o ministro foi correto em seu voto. Seguiu criteriosamente o que diz a constituição no artigo referente à matéria sendo assim o pedido esdrúxulo.

          Só restava então tentar entender o rapaz que segurava a faixa e os outros manifestantes que buzinaram na ocasião, visto que, o ministro só fez o que espera-se dele,-  a defesa da carta magna promulgada em 1988 pelos deputados e senadores votados para serem constituintes aquele ano e só uma nova eleição daria poderes para esboçar uma nova, partilhada em debates  com toda a sociedade.

          A não ser que essa turma queira que o ministro burle a lei.
Hipoteticamente falando, o tal rapaz deve pertencer a uma sociedade paralela que está surgindo e que tentam manipular a todo custo os poderes constituídos ao seu bel prazer, como fizeram na adolescência com os pais,  garotos mimados que são.

          Essa sociedade nos seus sonhos tresloucados, não é de hoje, tentam impor no grito idéias extravagantes e antidemocráticas  do tipo: Volta a ditadura, fechamento do congresso, pena de morte etc e etc.

          Vestem-se de verde amarelo como se a bandeira e essas cores fossem exclusividade deles, como marcas famosas de roupas estrangeiras.

          Não se importam com a vida alheia, sem empatias com nada a não ser seus ídolos, que são pastores de várias denominações que visam exclusivamente o lucro, donos de televisões que não passam de contraventores de jogos de azar e empresários que são contumazes devedores da receita federal.

          Afirmo que se a faixa fosse: Buzine para diminuição da pobreza, da melhora da saúde e excelência na educação,  eu buzinaria entusiasmado e creio com certeza que seria  ensurdecedor o barulho.

          Pois a luta boa e grande que merece uma bandeira nesse país é: a diminuição das diferenças sociais, da fome e da miséria.



terça-feira, 12 de novembro de 2019

Fim








                                           Fim



Creio que seja a primeira vez que leem algo começado pelo fim. Quis fazer dessa forma porque esta história veio assim sem pé nem cabeça e seu desenrolar vai parecer para o leitor  incauto, uma piada de mau gosto, mas não é. Essa historia acontece nos lares, isto não tenho nenhuma dúvida.

Todos os casais passam por três fazes distintas que são:

A fase da lua de mel onde tudo é perfeito e doce.
A fase lua de fel onde tudo é defeito e amargo.
A fase  de eclipse onde não há lua, nem luz no fim do túnel.

É nessa fase que encontramos Seu Artur e Dona Margarida.
Ambos aposentados e sós. Os filhos já vieram e foram; os netos vieram e cresceram;
 Enfim o lar era um ninho vazio.
Só restou a implicância um com o outro.
          -Artur você já notou que parece um pato?
          -Como assim?
         -Aonde você vai deixa tudo molhado. Se escovares a dentadura deixa o lavabo todo molhado, se usa o vaso, o vaso fica todo molhado... E não é só isso... Agora de uns tempos para cá ronca e solta gazes na maior altura...
       -Não ronco querida!
      -Qualquer dia eu gravo tudo com o celular e posto no youtube para todo mundo vê! Você sabe como são as redes sociais. Destrói qualquer  vida mesmo a quase  perfeita. Imagine a sua que é só defeito.
O velho ficou quieto. Ele tinha lá suas reclamações também.
Ele sempre reclamou dela, de deixar o tapete bem junto da escada. Um tropeço e quebraria o pescoço. Ou as muitas  vezes que ela errou no sal, sabendo que era um veneno para ele.
Ou ele comprar aquele maravilhoso pudim e deixar a mostra bem perto da água na geladeira sabendo que ela era diabética.

Imaginem o que duas pessoas sozinhas que se odeiam(elas se conhecem demais para ter algum amor), morando na mesma casa, dormindo na mesma cama são capazes de fazer?  Solte a imaginação leitor. Com certeza suas histórias serão bem mais diabólicas do que a dos escritores, isto tenho certeza, pois os escritores muitas vezes ficam temerosos de colocar no papel o que pensam, com receio de se mostrar. Sim. Os escritores além de serem  tementes a Deus odeiam os críticos. Tem uns que usam codinome, heterônimos ou até fazem trabalhos anônimos para se esconder.
Vou deixar aqui embaixo um espaço para vossos desenvolvimentos.
Sejam criativos.




O certo é que os velhos foram dormir e nunca mais acordaram. Esqueceram o gás ligado.





O Alfa e a menina









                                            O alfa e a menina



Sou aquele homem que perdeu a virgindade na vila boêmia da cidade natal. Todas as putas do lugar eram conhecidas. Cruzavam conosco na missa dominical. Elas doavam o dízimo semanal. Já falei disso antes. Foi em setenta e quatro. Estávamos na ditadura de Geisel. Ele oferecia uma abertura para a volta da democracia. Eu estava mais preocupado em outras aberturas. Havia treinado bastante com as prostitutas e já era hora de comer minha namorada eu pensei esse dia. Nessa época nossos pais diziam “segurem suas cabritas que meu bode está solto”. Foi assim que eu aprendi.
Estávamos no sofá. Não sabia se ela queria, eu queria e isso bastava. Ela era linda. Criada totalmente ao contrário. Enquanto eu passava o dia treinando sexo ela treinava ser mãe com as suas bonecas. Vamos vê o que vai dar essa disparidade.
Nesse dia foram dormir mais cedo. O pai era retireiro, tinha cem vacas para tirar o leite bem cedo. A mãe igualmente ajudava o velho na lida. O irmão mais novo ficou me vigiando até quando pôde. A gente sempre inventava algo para ele fazer. Buscar um copo d água, Ir lá fora vê se ia chover, mas aquele dia ele dormiu como uma pedra.
Só ficou acordado o bode e a cabrita, o lobo e a ovelha.  
Ela levantou-se como fazia todas as noites e veio beijar-me na boca longamente para despedir-nos. Eu agarrei-a pela cintura e disse ao seu ouvido, hoje eu quero mais. Ela disse que não, que o que eu estava pensando, só depois de casados.  Que jamais ia ceder, que sabia como eram os homens etc e etc.
 Eu estava mais seguro, sabia o que a mulher esperava nesse momento. Já tinha praticado de tudo com as prostitutas.
Quero comê-la eu disse.   
Ela hesitou um pouco, mas me beijou longamente. Avancei a mão por entre suas pernas.
Ela tinha o sonho de casamento com véu e grinalda, na igreja, leu todos os livros dos autores românticos principalmente Shakespeare e os primeiros de Machado de Assis. Eu lia somente os romances de Machado em sua fase realista.
Mundos diferentes. Ela fora criada brincando de boneca. Tomar conta da casa, da cria. Eu fui criado como bode solto. Como Alfa.
Com muito custo consegui que ela deixasse colocar por cima da calcinha. Ela estava excitada também. Perguntava toda hora se eu a amava. Eu te amo, te amo, te amos eu teria dito mil vezes mil  enquanto ela deixava-me avançar mais.
Falei a frase crucial. Deixa eu colocar só a cabecinha...
E deixar colocar a cabecinha não tem mais volta ou tem ida e volta.
Enquanto ia e voltava ela não parou de falar um minuto:
Você promete não me abandonar ela dizia. Prometo, prometo, prometo mil vezes mil, um milhão ai gostosura eu dizia.
Ela ficou com uma cara de Madalena arrependida.
Depois chorou em meu ombro lágrimas mornas não sei se de felicidade ou de tristeza.
Não achei muito interessante, devia ser porque era a primeira vez dela.  Ela limpou as lágrimas, jogou os cabelos para traz com um pouco de timidez.  Ela quis beijar mais, mas eu estava satisfeito e a beijei na testa.
Ela não dormiu essa noite.  Eu dormi um sono pesado.  


sábado, 9 de novembro de 2019

O Alfa


Quadro de Toulouse Lautrec(Pintor francês impressionista conhecido por pintar a vida boêmia) retirado do site  https://frenchmorning.com/plus-que-quelques-jours-pour-voir-toulouse-lautrec-a-arlington/





                                                              O alfa


Eu sou um homem.  Estou na vila boemia de minha cidade natal. Precisamente em 1974. Já tomei uma cachaça para ganhar coragem. Tenho medo no olhar. Nosso passado machista me fazia temer esta missão. Por isso enchia a cara para ganhar coragem.

Da rua esquerda ela veio. Não sabia o nome nem queria saber. Ela era miúda. Dirigiu-se a mim com a cabeça baixa e perguntou se eu queria me divertir. Eu disse que sim. E pedi- lhe para que ela me mostrasse seu corpo.  Ela hesitou um pouco, mas depois abaixou a calça até os joelhos.  Tudo era interessante. Era a minha primeira vez. Um tufo de cabelos cobria ali entre as pernas sobre a fenda. Ela riu, jogou os cabelos para traz com uma desenvoltura de quem fazia aquilo diariamente. Bebi mais uma cachaça.  Ela pediu para ver o tamanho do meu órgão eu relutei mas como estava rígido tirei e mostrei.  Suas mãos eram mornas. Meu coração quase explodiu em sua mão. Eu criei coragem e perguntei-lhe quanto à diversão me custaria. Ela disse sem me largar que ia fazer para mim um precinho especial. era para virar  freguês, ela disse mordendo minha orelha. Aqui somos de fino trato, disse.

Combinei voltar no dia seguinte. Receberia o dinheiro da mesada. Ela beijou-me na maçã  do rosto e sumiu no beco escuro. Eu tirei os óculos embaçados pelo seu hálito quente e limpei na camisa. Fiquei pensativo e tomei mais uns goles. Paguei o boteco e sai. Peguei o circular e fui direto para casa.  As pessoas me olhavam. Será que desconfiavam do que eu pretendia? 

Entrei em casa passei direto pela sala ao quarto. Deitei vestido mesmo só tirei os tênis. Olhei para o teto horas.
Suspirei. Seria medo de falhar?

Cedo levantei. Coloquei uma cueca nova.  Olhei no espelho os dentes, o hálito, o nariz os olhos e por último dentro da cueca.
Inspeção de rotina. Ficou rígido.

Desci no ponto final.

Entrei na viela escura e subi ao quarto. Ela me recebeu com um sorriso e me fez deitar na cama. Deitei de frente para a janela todo vestido. Ela disse-me, não bobinho fique só de cuecas. Tirei a roupa e fiquei olhando pro teto. Acendi um cigarro que ela pegou dos meus lábios e deu um grande trago.

Ela colocou-se frente a mim. Disse que meu bigode ainda era ralo. Ela de pequena ficou enorme. Eu olhei os seios dela. Ela disse que eu podia pegá-los devagar para não machucá-los. Levei uma das mãos e toquei o bico com um dedo. Era como uma grande verruga. Ela olhou dentro de meus olhos.  Um menino. É o que ela via.

Eu via uma mulher experiente. Coitada. Já fora como eu, mas a vida lhe tomou a inocência. Tivera família, talvez. Agora vivia sozinha ela e o cafetão que estava lá fora. Qual o motivo de ter virado uma prostituta?  Faço ideia, mas não me importo.

Tenho os olhos nebulosos. Súbito ela montou em mim e colocou tudo para dentro. Quase não tive trabalho. Ela subia e descia vertiginosamente. Enquanto isso, eu não pensava noutra coisa a não ser contar para a turma da esquina. Se, demorou cinco minuto foi muito. Ela tinha outros fregueses. Não nos beijamos na boca. Ela tinha os dentes estragados.
Agora eu estava mais calmo. Mais dono de si.  Ela não gozou. Era profissional. Só fingiu uns gemidos.
Limpei-me no banheiro.  Dei uma nota mais alta do que o combinado. Fique com o troco eu disse. Ela pegou a nota e socou entre os seios. Agradeceu minha bondade.
Volte mais vezes ela disse que na próxima poderemos variar as posições. Eu disse que sim e saí.

Li no cartaz pregado no orelhão: Aninha, inteirinha, bunda empinadinha, atende prive, homens, mulheres e casais. Sem frescura.  Anal, vaginal e oral.
Anotei o nome dela.
Somos implacáveis. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Não me pergunte o motivo


       Foto sugada de http://obviousmag.org/j_domingues/2015/como-nasce-um-escritor.html




          Um belo dia depois de sair de um castigo, - minha mãe tinha imposto escrever do próprio punho “Eu estou arrependido” cem vezes numa folha de papel almaço, tinha xingado alguém de filadaputa,-  ressabiado  fiquei ali a beira da estrada sob a mangueira, que todos respeitávamos, afinal ela nos dava  três coisas essenciais: O fruto, a sombra e a algazarra dos passarinhos ao cair da tarde.

          Emburrado eu cavava a terra fazendo um buraco. Foi quando os meninos da rua do rio, ao passarem para a escola me gritaram:

          -Estais cavando um buraco para chegar ao Japão moleque?

          Eu não respondi, mas confesso que fiquei encafifado. Será que se a pessoa cavar, dia e noite e noite e dia sem parar chegará ao outro lado da terra? Seria interessante, ah seria. Sair de um buraco no meio do Japão! Eles ficariam tão assustados que me olhariam com os olhos fechadinhos.

Assim não parei de cavar. Mas tarde outro passou:

          -Cuidado menino, pois cavando assim com tanto afinco, pode bem daí jorrar petróleo!
Dessa vez não pude segurar o riso. Sabe que seria o máximo! Eu, euzinho, o maior produtor de ouro negro da terra, do universo, das galáxias?
Seria um Sheik. Usaria aqueles turbantes, teria um castelo, um harém para meu deleite. Só assim talvez Maristela olhasse para mim. Ela a causadora principal do xingamento. Aquela presunçosa, ridícula e gananciosa. Não! Ela não é gananciosa, pois quando ela me beijou atrás da porta eu ainda não era Sheik. Ela é só um pouquinho chata e beijoqueira. Só.
Continuei cavando. Ainda não tinha decidido nada. Também se jorrasse água não era de todo ruim. Aqui água é dinheiro.

          Enquanto cavava ia perdendo a raiva e notava principalmente que quanto maior as coisas, maiores os desafios. Os que me viam de longe via a terra saltando do buraco igual uma abelhinha que perdi horas e horas da minha vida vendo o trabalho incansável dela em perfurar uma parede. Entrava, cavava, jogava a areia para fora com as pernas. Tinha muito esmero em fazer o buraquinho. Passei o dia observando. Fiz até uma lente de aumento com uma lâmpada cheia dágua. Aprendizagem sabe? Deu pro gasto. Qualquer dia conto das minhas invenções. Gosto de desenhar, de escrever, de tocar violão até versos tento fazer uma vez ou outra. Não mostro pra ninguém. Necadecapiberibe. Pra mangarem de mim! Nunca!  Outra hora.
Sabia que quanto mais fundo o buraco a terra vai ficando úmida e morna? Eu não sabia. Será que é para os mortos não sentirem frio?

          Quando deram seis horas minha mãe apareceu na borda. Devia está com pena de mim. As mãos nos quartos ela disse:

          -Pára com isso menino, sai daí e vem comer um pouquinho. Fiz aquela comidinha que você gosta!
Não respondi. Quando ela ia saindo eu disse sem olhar-la que ia morar no buraco. E frisei: Para sempre.
Ela foi sorrindo. Ainda disse sem se voltar:
          -É mesmo! E vai viver de que?

          Assim fiquei matutando como seria viver num buraco. Fui enumerando: As formigas moram e que eu saiba moram muito bem. O tatu, o coelho, a cobra, algumas abelhas, cupins, traças...
Estava lembrando-me de mais, quando ouvi os moleques voltando da escola.
Um aproximou. Sempre é aquele nosso amigo, arreliento. O que beijou Maristela e me contou sorrindo. O filadaputa.

          -Fica aí bobo, que nessa profundidade, se tu morrer agora mesmo não vai ter trabalho algum. Vai ser só jogar toda essa terra de volta e plantar em cima uma cruz. Aqui Jaz um Zé ninguém.
Aí comecei a chorar. Eu não queria ser Zé ninguém! Queria ser alguém na vida! Não um número de CIC, CPF, identidade ou   isso em minha lápide! Zé ninguém...
E pra Zé ser alguém precisa de que? Fiquei pensando e chorando.
Nunca tive tanto dó de mim na vida  quanto esse dia.
 A empregada lá de casa chegou, olhou para minha cara e disse:

          -Liga não dona Nazinha, é banzo. Meus antepassados sentiam o mesmo quando tinham saudade da África. Demora mas passa!

Então foi decretado que eu estava com “banzo”.
Esse banzo não é bom. É uma dor igual senti mais tarde com a morte dos meus pais. É dor e abandono. Junto é pior.
                                ***
Na coluna diária que escrevo alguém um dia perguntou:

"Com toda vênia que o senhor escritor merece, me diga uma coisa: o senhor viveu  tudo o que escreveu ou escreve ou de outra forma,  mentiroso e vil inventa essas coisas num lampejo para se vingar de quem viveu verdadeiramente? Ou o intuito é encher a página dessas coisas e embolsar a grana?
Assina: Maristela.

Até hoje não respondi.
Confesso que não sei.



quinta-feira, 9 de maio de 2019

Aleatório









                                   Aleatório



          Já contei das minhas andanças. Gosto de andar por aí nesse mundo de Deus. Não coleciono fotos nem postais ou qualquer outra coisa dessa ordem. O que importa para mim são as pessoas. Coleciono pessoas.  

          Nesse dia fui a um enterro de um conhecido. É  quando perdemos amigos que pensamos na morte. Ela se aproxima nessas horas, toma café conosco, até dorme na mesma cama, para de manhã, com o brilho do sol entrando pela janela esquecermos outra vez.

          Estava assim meio sorumbático, observando o trabalho do coveiro, um trabalho meticuloso  lacrando a tumba, tapando todas as frestas, ajeitando as flores, jogando a última pá de terra, colocando a argamassa, alisando-a com a colher num trabalho perfeito.

          Seu nome vim saber depois, era Sebastião mas conhecido por Tatão coveiro, veio do nordeste, com a cara e a coragem disse-me.

          Quando cheguei aqui, dissera ele, corri todos os cantos dessa cidade como um louco, para arrumar um trabalho e foi aqui nesse cemitério que me acolheram.

          O trabalho era simples disse o encarregado da prefeitura. Devia entender um pouco de alvenaria e carpintaria e o principal era ter aquela coisa nobre perseguida pelos escritores:

           Muita discrição, descrição, ação, humildade, poucos adjetivos, o mínimo de advérbios, olhar baixo e nunca, mais nunca mesmo demonstrar sentimentos.

          Observei que com todo escândalo que a viúva fez, ele ficou calado, fazendo seu trabalho, misturando a massa lentamente deixando dá o ponto, ou colocando mais terra ou mais água,sabia que os gritos aumentariam, quando se coloca a última pá, última massa, a última frase...Era sempre assim.

          A viúva em prantos gritava para todos ouvir, que o mundo era injusto, que só morrem os bons, bom pai, trabalhador, honesto...

          Deu vontade de ri.  Não dessa cena. Meu amigo era homem bom mesmo. Lembrei da piada do advogado que morreu e a mulher fazia esse mesmo discurso quando um bêbado disse:

          -Uai! Acho que errei de velório?Aqui é o velório do Doutor Alcebíades?

          -Sim respondeu a viúva chorosa! Ele mesmo! Um grande homem!

          - Pelo que a senhora falou aqui jaz um santo! E o Alcebíades que eu conheci, era um puteiro de marca maior! Não faltava uma tarde no baile da Soninha! O baile dos casados!

          Piadas a parte depois do serviço feito ele foi tomar um café e a viúva ainda ficou em seus prantos.
Eu o segui. Ele atravessou as alamedas. Era sua paisagem de todo dia. Cruzes, choro...

          Ofereceu-me um café que eu prontamente aceitei.

          -Coitada daquela senhora. É sua parenta? Ele perguntou.

 Talvez para dá uma opinião sem risco de me ofender.

          -Não eu disse. O morto é que era meu  amigo.
Ele tomou um gole de café.

          -Ela não entende que dessa forma é melhor. A vida é bela por isso! Nossa existência é um jogo.

          -O que?

          - A forma como somos escolhidos...

          -Escolhidos?

          -Para morrer...

          -Ah!

          -Eu acredito que a existência é um jogo onde as cartas são retiradas aleatoriamente. Não quero dizer com isso a não existência de Deus. Nunca! Jamais! Só quero dizer que se as escolhas não fosse assim não haveria justiça, entendeu?

          -Não, eu disse secamente.

Quase perguntei a ele se por acaso ele já viu algum espírito, algo diferente sair daquelas tumbas... mas achei inconveniente. Afinal o espírito deve ser invisível creio eu.
Ele continuou.

          -São mais de cinqüenta anos nesse ofício e nunca vi ninguém sair daqui... Nada... Só o silêncio impera aqui...
Ele acabou me respondendo sem querer.

           - Imaginamos isso porque achamos que a vida é um prêmio, e que viver até os cem anos é prêmio máximo.

          -Mas a vida é bela eu disse.

          -Mas, e se a vida não é prêmio e sim um pagamento de pena? Observou? Muda tudo? Todo o conceito entendeu?  Toda criança quando nasce chora não é? Não seria o recado de que viemos sem querer? Como disse o velho Sócrates: vida é doença, vida é mal que se cura com a morte.

Admirei-me com seu linguajar. Olhei sobre seu ombro e vi uma pilha de livros todos sem capas. Não dava para saber os autores.

          -Não é difícil imaginar o que eu faço na minha hora de descanso não é? Leio. Leio muito.

          -Estou vendo!

Deu vontade de perguntar se tinha lido algo meu. Não perguntei.

          -Todos os dias nascem milhares de seres e morrem outros. É um ciclo. Agora imagine que lá na chefia celestial, a morte, aquela donzela que a imaginamos de túnica negra com capuz e foice na mão, com um bloco na mão todos os dias escolhendo quem vai morrer, riscando o nome um a um. Como seriam essas escolhas, as justificativas? Seria totalmente imparcial? Se fosse assim era fácil ser corrompida, receber propinas... Essas coisas. Se fosse dessa maneira era fácil explicar as pessoas que escuto aqui todo aos prantos:

          -Por que morreu tão jovem, na flor da idade, porque não escolheu um velho qualquer? Ou aquele outro já está na hora de levá-lo, pois, já se encontra doente há vários dias ou Vou levar esse por ser um assassino frio, ou levar aquele por não ter ninguém...
Veja você que se fosse assim os ricos e poderosos viveriam mais... Poderiam corromper, dá propinas, agradar...
Mas, minhas leituras me levaram a crê, vou contar aqui um segredo, as escolhas já não são feitas dessa forma. Desde que Sísifo enganou a morte acorrentando-a e colocando-a numa coleira  conseguindo ludibriá-la, desde esse dia que ela mudou o modo de escolha. Agora é de uma maneira totalmente simples e nem um pouco original. Não tenho dúvidas quanto a isto.

          -Como é feito tal escolha, perguntei incrédulo.

          -Independente do que façamos, a escolha é aleatória. Não tem oração, nem propina. Nada.

          -Como assim, perguntei perplexo.

          -Uma loteria. A forma mais honesta de escolha. Ela vai tirando bola por bola. E aceitar isso nos torna mais leves. E como disse no início, com um pouco de sorte nos livramos mais rápido de nossa pena.

          Dito isso, saiu para enterrar mais um.