Eu já o estava seguindo há um bom tempo. Já conhecia todos os vícios e gostos. Todos os lugares que frequentava.
Estava de campana em frente ao motel desde a noite anterior. Queria pegá-los de jeito. Sem testemunhas. Um serviço bem feito.
A mulher eu a conhecia há tempos. O homem pouco, mas o que sabia, bastava.
Quando saíram ele parou o carro em frente ao meu de maneira que eu estava cercado e debruçou na porta do meu carro.
-Que carro chifrim! Vejo que seu último livro não lhe trouxe o sucesso que buscava.
-Porque está me seguindo?
Senti seu hálito azedo de uisque barato. Passou a beber também. Disse:
-Você não me esquece? Me deixa em paz!
Saiu da janela e ficou olhando para o céu de nuvens esparsas. Acendeu um cigarro.
-Mas como esquecer o principal motivo do meu fracasso, eu disse.
Ele sorriu, pareceu mais uma careta. Puxou a porta e entrou. Não era culpa dele eu expliquei. Isso acontece com a maioria. Você cria coisas que depois arrepende. Foi assim com o criador da bomba atômica. Sempre vai ser assim.
-Você compreende né?Ele ficou calado. Olhou para mim. Como está parecido comigo. Os olhos castanhos, corpo rígido. O sentimento dele dar para compreender quando se está a beira da morte. E ele não era o primeiro nem seria o último. Já matei uma criança também. Faz tempo mas não esqueço. Uma criança cheia de sonhos. Era um menino saudável que gostava de jogar o pião. Ele começou bem, com uma coragem genoína, se mostrando, fazia poesias, desenhos nos rodapés dos livros, gostava de desenhar coqueiros, aves geralmente em dupla voando no firmamento.
Aí mostrei o livro " O apanhador no campo de centeio",Depois que ele leu, sem vê nem quê começou uns desenhos esquesitos, ficou reprimido, sem fala e tive que eliminá-lo.
Desde que comecei a matança já são mais de cinquenta.
-Você não tem dó de ninguém?
Ele perguntou.
Cheguei a ficar com remorso. A mesma voz quando eu era jovem.
Mas esse é um dos erro dos novatos. Se mostrar demais.
-Você é desumano - disse ele, - -Não! Não sou! Quase baqueei.
Ele me olhou dentro dos olhos.
No início estava tudo certo,
parecia que a coisa ia fluir do jeito que eu ansiava.
Ele ficou em silêncio.
Continuei:
Mas essa mania de querer andar com as próprias pernas. Parecia um sósia. Mesmo andar, mesmos pensamentos, mesmos anseios.
Não suporto ser desnudado.
Uma lágrima caiu de seu rosto. Só tenho vinte e três anos, ele disse.
-O que você tem para me oferecer? Eu repliquei.
O mesmo de mim, minha farsa, insegurança...
Ele sorriu agora mais confiante.
Felizmente todos que eu matei ninguém veio reclamar.
Você jamais era para ter saído com ela.
Ele olhou para o carro onde a loira fumava um cigarro.
Não sei se você sabe mas demorei a tomar tal decisão, mas quando tomo não tem volta. Foi assim com os outros. É folha jogada no lixo.
O pior é que já sentia algo por eles, não sei dizer se era amor se era ódio ou as duas coisas juntas.
Tem gente que joga é toda uma vida fora, eu disse.
"Jogue tudo fora, quando eu morrer, disse Kafka ao seu secretário.
Felizmente ele não cumpriu a promessa."
Ele acendeu um cigarro. O nome dele é Roberto. Tenho problemas com nome. Acho tudo artificial.
-Posso ir ali falar com ela? Ela eu ainda não denominei.
Travei a porta.
-Não tem necessidade de despedidas. Vou mata-la também!
-Mas você disse que ela era sua musa, sua paixão!
Porra! Ele queria me desorientar.
Ele sabia que sou um romântico inveterado, apaixono-me fácil, quando penso num personagem, antes de colocá-lo no papel, faço um desenho, uma maquete, durmo na mesma cama, quero saber do cheiro, do que gostam...
Eu saquei a pistola, calibre quarenta e cinco. Encostei em sua testa. Ele fechou os olhos contrito. Parecia que rezava. Ele era católico não praticante.
-Sabia que eu escrevi algumas coisas também?
Ele queria me emocionar.
Já era tarde.
Abriu os olhos em desespero.
-Por quê? - gritou.
Ele amava a vida que eu inventei. Mas estava saindo do eixo. O que eu programei era algo totalmente diferente.Eu tinha perdido o controle. Escrevia os diálogos ele falava outros.
-Eu só queria ser livre! Ter livre arbítrio. Tenha humanida...
Não o deixei terminar a frase. Apertei o gatilho. Um tiro. Só. No meio da testa.
Soprei a fumaça.
Ele caiu de lado, com a boca aberta. Faltavam quatro dentes.
Depois dessa eu aprendi que ao criar um personagem tem que leva-lo a eito, de cabresto e tudo, do meu jeito, sem dar-lhe corda, no fio da navalha.
Já a loira do carro peguei simplesmente a página dela e joguei no lixo.
Isso tudo deu a catarse.
Iniciei imediatamente outra história.