Fazenda da cachoeira
stava eu ali, montado no barranco, caniço na mão,pescando lambaris. Sabiás cantavam em volta seus pios melodiosos. A natureza conspirava para uma grande pescaria: O cenário em volta, a tralha certa, um riacho risonho, que vinha sereno e mansinho, e que caia em três cascatas, formando cacimbas e remansos que davam para banhar-se por ali.
Único empecilho: Muito pernilongos que voavam em nuvens, sugando meu sangue com alto teor alcoólico. Eram muitos. Diabólicos.A cachaça e os torresmos dormiam na vasilha.
Fui levado para lá, por amigos, preocupados com minha saúde, pois me encontrava estressado, falando coisas com coisa, sem nexo, meio desiludido. Uns romances a fazer que não saiam, outras poesias sem rimas, o site de contos, na grande rede, não tinha visitas, não tinha um leitor sequer, isso tudo me desencantava da vida.
No primeiro momento relutei:Tinha diversos compromissos, que se iam acumulando.
Enfim, larguei tudo, joguei os problemas para o alto. Afinal a saúde vem primeiro. Agora via que todos tinham razão. Pairava no ar de tão leve.. Agora estava ali, matando mosquito, sentindo o afago das matas.
Preparei uma pequena bolinha de massa caseira, enfiei na ponta do anzolzinho dourado e esperei: Os peixinhos beliscavam. Era assim: Isca jogada na água, antes de ir ao fundo, a bóia amarela balançava e afundava, e eu puxava-os deliciosamente para cima, trêmulos no ar. Isso me excitava. E foram horas intermináveis assim, de grande contentamento: Os problemas não existiam.
Uma lagartixa sorrateira, passou ao meu lado correndo, saltou um galho seco no caminho, subiu na rocha, e por fim,balançava a cabeça para mim: Tudo era felicidade.
Pensei em um romance que li e reli recentemente: O velho e o mar. Que bela escrita. Que felicidade tivera aquele “velho”, em sua grande pescaria. Que orgulho sentira.
Fisguei um lambari num grande anzol de trairão, e lancei-o no remanso. Quem sabe? Tentar um peixe maior. Deixei quieto, parado. A traira e peixe desconfiado. Fica lá no fundo, quieta.
Os grilos cantavam nos capins, um bem te vi voou cantando. Eu tentava mimetizar com a natureza. Como camaleão, sem ser notado.
A fazenda era antiga, com grande casarão, janelas azuis, muitos quartos, todos iluminados pelo sol: Era daqueles casarões mineiros, que abrem os braços em afagos, as galinhas no quintal, ciscando felizes...a boa comida....
Lateralmente, um grande bambuzal, aonde vinha cantar, as rolas fogo- apagou, nos finais de tarde. Ladeando, o pomar, com as doces jabuticabas, o laranjal e goiabal. Mais adiante, margeando o córrego, uma mata virgem, onde cantavam o trinca ferro boi.
Fugia do calor.Era meio dia.
Na cidade estaria no transito caótico, confuso, cabeça inchada de problemas.Pensei
O sol estava no centro do céu azul, imponente, irradiava seu calor sobre a terra.
Encostei-me numa pedra lisa, e fiquei ali, olhos fechados , relaxando, cheirando a natureza. As minhocas no caneco, se mexiam, tentavam sair.
Por uma vereda, rente ao rio, enquanto eu cochilava, desceu uma negra, vestia uma roupa leve de linho. Olhou para a cachoeira, em volta encantada, inspirou o ar cheiroso das matas e se despiu. Jogou seu vestidinho nas pedras. Suspirei. Seria sonho? Aqueles sonhos, em que corremos atrás de pessoas sem rostos, por ruas escuras e sombrias, e que súbito desaparecem, sem deixarem vestígios!E deixa-nos na gente uma melancolia. Esfreguei os olhos incrédulos. Estava só de calcinha.
Era uma bela mulher de músculos rígidos, conseguidos, nas ladeiras íngremes do relevo mineiro. Quisera me anunciar. Não era correto vê-la em momento tão intimo. Invasão de privacidade. Pensei.
Foi quando, a vara grande, tremeu. Anunciava um grande peixe pelos grandes arcos que a vara formava. “Por sorte fixei-a bem”. Havia cortado uma boa vara de bambu, encastoado o anzol. Agüentaria o repuxo?
Uma cigarra cantou bem perto de mim.Na pedra, a mulher se desvencilhava da calcinha. Não queria perder o espetáculo por nada: Fiquei o mais quieto que pude a observa-la. Perderia o peixe ou renunciaria o espetáculo? Oh! Triste dilema, vai peixe cruel! Ter ou não ter eis a questão.
Ela sem me notar, colocara o pezinho na lamina da água, testando-lhe a temperatura, e com um arrepio, retirou-o rapidamente. Uma sereia. A cascata marulhava, suas águas límpidas, e caia em três grandes quedas. Subia milhares de gotas fininhas, formando com o sol um pequeno arco íris. “Todo final do arco íris tem um tesouro”. Pensei
Entrou lentamente na água fria, enrijecendo por completos os pequenos mamilos.
Morava na comunidade. Descendiam de antigos quilombos. Seus pais, se arriscaram pela liberdade. Liberdade esta, tão querida, ao toque da água.
Lembrei da primeira mulher que vi pelada há tempos. Muito estranhei. Era um reguinho comprido, em direção as pernas, pequena, branca, sem pelos. Era como uma fechadura. Conseguiam os meninos a chave?
Via perto de mim, agora, a vara, envergar quase ao chão. Segurei-a. Só quem já pescou um dia, sabe o que e que eu estou falando: A vara toda envergada na mão, o peixe puxando toda a linha. Depois puxava- a para mim. Mostrava quem mandava. Usava a técnica. O peixe queria escapar indo para o fundo, para o lado das galhadas. Segurei-o. Tempo depois, ele se entregou:
Virou para os lados, abriu a boca, cansado. Era grande e escuro, um belo espécime, olhos ferozes. Puxei-a para o capim. De relance vi uma coisa interessante: No anzol um lambari, atrás dele, um trairão menor, e após estas outras sucessivas ate a maior, jamais vista.
Com forca balançou a grande cabeça, e com estrondo sumiu na água profunda.
Nas pedras, a mulher vestiu-se calmamente, me acenou e partiu. Esta tinha pelos. Pelos escuros, todo enroladinho, como a cabeça de um anjo. Juntei as tralhas
Contei depois para todos, como eu deixei fugir o maior peixe da vida. Ninguém acreditou: Historia de pescador, diziam.
Voltei muitas vezes depois, ansioso por reencontra-la, jamais a vi novamente.
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