segunda-feira, 8 de março de 2010

O retorno



Adão acordou com uma dor apertando-lhe o peito. Docemente olhou para dentro de si perscrutando, os sentimentos que volta e meia o atormentava. Sombrios. Tentou conectar-se como fazia todos os dias à internet, conversando com pessoas representadas por avatás, sem conseguir seu intento. Havia um vácuo, um vazio que a cada dia aumentava tornando-o estranho e melancólico.

De um dia para o outro sentiu, saudades do tempo remoto, quando as pessoas conversavam pelas manhãs, em bares e esquinas. Imaginou-se entrando, bem cedo naquelas padarias de outrora, o cheiro de pão quente, onde nas filas se falava de nada ou de alguma coisa sem importância, as notícias do dia a dia. Se não conhecesse a pessoa iniciava-se falando do clima, mas que logo se falava da mulher, dos filhos, da vida.

Começou abominar esse modo de vida moderno, trancafiados em apartamentos, fugindo das contaminações que diariamente aparecia nas doenças raras e por isso, tudo era feito através do computador pessoal, desde a mais simples coisa a mais complexa, como estrelar um ovo ou fazer sexo com uma parceira.
A família há muito perdera a referência, já não era a base, havia coisas mais sérias como o prazer e a fantasia. Os filhos eram encontrados em grandes magazines, todos adquiridos na grande rede, descriminados de acordo com a cor, raça, sexo e perfil físico e psicológico.

Era só escolher, produto altamente acabado, concebidos em provetas e laboratórios sem deformidade, seja físico ou psicológico. Assinava-se um termo de compromisso, se responsabilizando pela total educação daquele novo ser, e que declarava jamais o utilizar em benefício próprio se comprometendo a criar um cidadão livre para no futuro saber fazer suas escolhas sem amarras.

Havia a educação primária secundária e definitiva, seguindo-se a risca apostilas disponibilizadas em sites feitos pelos maiores educadores da “administração”, conteúdo estes pragmáticos para uma vida correta e ditosa sem sentimentos dúbios e tentadores. Pois, tais sentimentos fragilizavam o ser humano tornando-o mais propensos a infecções e pensamentos danosos ao próprio desenvolvimento.

As doenças a muito que fora extinta, e vivia-se em espaços estéril sem bactérias e vírus. O sexo era todo automatizado e as partes sujeitas a toques eram revestidas por materiais plásticos e lubrificantes bacteriostáticos. No ato só poderia dizer poucas frases como “nos adoramos simplesmente para o nosso crescimento e prazer” ou alguns gemidos próprios para despertar a libido do parceiro, porém jamais demonstrar paixão como abraçar longamente ou puxar os cabelos ou xingar, indecorosamente.

Era nesse mundo criado pelo homem, que Adão se encontrava perdido, lembrando-se de imagens passadas, que não expiraram ainda de sua alma. E nessas cenas como em flashes rápidos, se via pedindo a benção aos pais, reunidos em torno da mesa, de manhã o cheiro do café fresco, as brincadeiras na rua, como jogar pião, soltar pipa, futebol no campinho e tantas outras.

Namorar de mãos dadas numa pracinha qualquer, trocarem beijos em público sem protetores, sentir a saliva doce, exalar os feromônios gritar “eu te amo” ouvir uma canção alta, dançar na chuva.
Quando saia de carro, a rua branca e sadia lhe davam uma tristeza sem fim, as árvores sem cheiros, os pássaros voavam num túnel de vidro, sobre os edifícios, para não contaminarem o ambiente. A brisa era soprada por grandes aparelhos de ar condicionados tratados e purificados.

O sol a muito extinto, a luz vinha de um teto de aço, de lâmpadas poderosíssimas.
Os gramados eram de plásticos para não nascerem ervas daninhas nem insetos. Tinha uma diversidade de cores e formas. Nunca as crianças foram tão silenciosas. Os sentimentos eram cruzados pelo olhar, pois não se podia tocar, a não ser com os braços robóticos por trás de grossos vidros. A carícia fora descuidada em prol da saúde e da longevidade. Como os olhares eram tristes esse tempo.

Foi por um acaso que encontrou este arquivo de Word em seus documentos secretos:
“Quero te conhecer, correr todos os riscos. Procura-me nas salas de conferências, Eva.”
Foram longas noites acordados. Eram representados por dois desenhos simples, chamados de avatar- Na teogonia bramânica, cada uma das encarnações de um deus, especialmente de Vixnu, segunda pessoa da trindade bramânica; Ícone gráfico escolhido por um utilizador para representá-lo em determinados jogos e comunidades virtuais. Estes representavam eles.

Depois veio o desejo de se ver pessoalmente.
No início olhavam-se de longe. Ele tentava adivinhar seu perfil, loura ou morena, seu cheiro, a cor dos olhos. Ela queria ouvir o timbre da voz, saber de seus sonhos. Ficavam a uma distancia segura, mais ou menos mil metros, umas vezes ficavam em pé, acenavam, sopravam nas mãos beijos invisíveis, outras desenhavam corações com as mãos e riam em gargalhadas que terminavam em lágrimas.

Um belo dia ele desceu da montanha e chegou ao vale. Ela fez o mesmo caminho ao encontro dele. Olhou o pequeno riacho passar sob os pés, coberto por placas de vidros. Como gostou de pescar noutras épocas. Ela olhava as flores artificiais, sem abelhas nem borboletas atrás de seu néctar.

Aproximaram-se. Já não agüentavam tanta emoção. Um lampejo no céu como um clarão de metal. Deram-se as mãos. Tão macias notaram. O coração borboleta presa na mão. Pulsar de animal aprisionado. Beijaram-se. Deus que suavidade. A pele pêssego maduro. Fecharam os olhos e ficaram na delícia do tato. Maciez, pelos, músculos...O côncavo no convexo, aguçaram os sentidos, os cheiros, o sabor, os sons de aconchego,saliva, líquidos, molhando, retesando, lubrificando, acoplando, despejando, sugando, amando, gozando e sussurrando “eu te amo”.

Os carros dos patrulheiros os cercaram. Fizeram um círculo grande deixando as marcas no gramado verde. Falaram pelo rádio alto-falante. “Mãos para o alto!” A brisa que soprava agora era morna com cheiro de querosene. “Desrespeitaram as leis e serão castigados”. “Vão, saiam pelo portão, no final dessa estrada, seguindo a grande muralha. Sofrerão as conseqüências dos seus atos, e assim a partir de agora não serão mais imortais, perderam esta prerrogativa; a partir de hoje ficam sujeitos a todas as doenças e dores; se amarão como os animais, e os filhos nascerão de parto.

Eva olhou Adão, mirou os homens atrás de si, puxou-o pela mão que se encontrava fria pelo anseio, desamparado, sentiu toda a brisa fria, as cores berrante da natureza, o canto dos pássaros, o perfume das flores e atravessou o portal.

quinta-feira, 4 de março de 2010

A Praia


Acordei cedo. Era dia de ir à praia. Férias. Eu, minha mulher e dois filhos adolescentes. Peguei o fusca, pois o carro novo ficaria na garagem protegido da maresia. Bem cedo organizamos a tralha. Entramos no carro e o mais novo foi logo ligando o rádio. O trânsito estava intenso, parecia que todos tiveram a mesma idéia.

Chegamos à orla, coqueiros, areia branca um belo bar ensombrado foi logo o que procurei que tivesse umas cervejas geladas e um bom ambiente. Os garotos não deixaram. “Como assim, vamos ao bar “burburinho” onde ficam as gatinha” eles falaram em coro. A mulher concordou: “Se for para ir numa praia deserta, Osmar, melhor ficar em casa” Sentenciou. Olhei em volta. “Tá certo” e acelerei. Como estava de férias, em paz, relax toquei sem reclamar.

Era numa praia bem mais distante, tinha algo de peculiar: O mar era azul, a areia limpa, pelo menos àquela hora, as ondas quebravam mais perto e as mesas ficavam dispostas como se tivessem em nossos quintais. Aprovei.

A “flanelinha” nos acenou para uma vaga ali, bem próxima. Franzi a testa, não sou de acordo lotearem assim as áreas públicas, afinal é de todos. Mas aceitei, não tinha outro jeito, pois o estacionamento em frente estava cheio e custar-me-ia bem mais caro. Ele desejou-nos um bom dia, falou que olharia o “carango”, que eu ficasse tranqüilo e espetou um papelão sobre o pára-brisa, disse que era para proteger do sol. Torci o nariz, mas aceitei. Estava em paz comigo mesmo.

Abri o porta-malas e peguei a tralha: Uma caixa de isopor com a cerveja gelada, cadeiras, frescobol, sombrinhas, toalhas, chinelos, protetores, bronzeadores, sacos de lixo para guardar as sujeiras e livros, pois sem eles não vivo. Acampamos propriamente dito.

Aproveitamos uma mesa montada, com cadeiras e sombrinhas e quando já estávamos com o pé na areia, aproveitando as delícias da liberdade e do não fazer nada, os garotos olhando as nádegas rígidas, eu lendo o prólogo de um livro à mulher se desfazendo das roupas, veio um garçom com cara de poucos amigos: “Não podem ficar aí sem consumo mínimo, são ordens do patrão.”

Eu não estava para discussão, sabia que aquilo estava errado, que quem era dono do pedaço era a marinha brasileira essas coisas, mas estava de férias, não queria estragá-la com picuinhas do dia a dia, e disse-lhe que ficasse tranqüilo, pois com um sol de “lascar” desses, beberíamos até chumbo derretido.

Eva tava bem bonita com um biquíni colorido. Achei até meio estranho ela ficar ali daquele modo quase pelada, ás investigações dos olhos dos homens. Se olharem para a minha devorarei a deles, pensei vingativo. Peguei do livro e tentei ler. Tentei, pois no primeiro parágrafo, quando o autor dizia para o que veio, um vendedor gritou no meu ouvido, talvez pelos meus cabelos brancos, “ovo de codorna senhor, amendoim torrado, castanha e camarão assado.”

Repeli-o com um aceno. O que pensa esse otário? Sou melhor do que muitos jovens por aí. Não preciso desses “Viagras ditos naturais”. Ri intimamente. Voltei ao parágrafo: “As tatuagens cobriam-lhe o corpo. Foguetes, pessoas, fontes, caminhos, cidades, flores, planícies, montanhas, estrelas – enfim, um universo em miniatura.” Sonhava com os substantivos, quando Eva sussurrou, Amor, espalha no meu corpo o protetor. Ofereceu-me o corpo, despudorada. Espalhei o óleo, extasiado com tão saboroso parágrafo. O contato do líquido com a carne macia quis despertar sentimentos vadios, mas o lugar era impróprio para certas coisas e em volta muito olhares de “cachorro morto”, vidrados no que fazíamos.

Belo escritor, Ray Bradbury, Uma sombra passou por aqui. “Os detalhes e as cores eram tão vívidos que se podia até escutar vozes e sons abafados, meio indistintos, murmurando em meio àquele fantástico emaranhado das mais belas cenas do universo.” Passei o óleo devagar, palmo a palmo só parei quando a pele branca brilhou ao sol de fevereiro. Eva se estirou languida, molhou os lábios, puxou o biquíni para lhe deixar marcas mínimas, fechou os olhos abandonada em devaneios.

Eu por meu lado ficava correndo em volta da sombrinha, fugindo do sol. Mirei o mar. Azul. Na frente um cachorro terminava de fazer cocô na areia. Crianças choravam abandonados pelos pais. Resolvi me banhar, pois estava muito calor, quando me acertaram uma bolinha na testa. Dois brutamontes jogavam e acenaram pedindo desculpas. Como não desocupá-los, aquelas montanhas de músculos.

Chateado joguei o livro em um canto e fui dar um mergulho que ninguém é de ferro. Ah! Como é relaxante, afundei na onda azul. Quando submergia uma prancha quase rachou minha cabeça. Os jet-skis passavam rentes pareciam quererem acertar os banhistas. Saía dali apressado quando ouvi uma voz:

-Tio, faz uma piscina para mim?
Vi um garotinho, com os cabelos cheios de areia até os olhos, sentado a moda japonesa com as pernas cruzadas. Como negar tal pedido? Sorri pensando nos belos tempos de criança. Sentei-me e fui puxando a areia com ímpeto.

-Será que continuando assim, chegaremos ao Japão? Perguntou o garotinho com o dedo na boca. Duvido, é muito chão até lá. Pensei. Expliquei que o Japão realmente ficava do outro lado da terra, mas o jeito melhor de chegar lá seria voando.
-Mas não temos asas ora?
A piscina ficara pronta, agradeci, pois as perguntas eram cada vez mais contundentes. Ele sentou-se e disse:
-Agora só faltam os peixes.
Dali eu via Eva, contorcendo-se no sol em busca da cor do verão, e ficava girando como carne na churrasqueira.
-Agora constrói um castelo com princesa, rainha, rei, príncipe, tudo. Tudo e abria as mãos sorrindo. Peguei outra empreitada. Busquei meus castelos da infância, coloquei fossos com jacarés, escadarias que levavam a torre, monstros amarrados em correntes, pontes elevadiças, anões, gigantes, bruxas, fadas de varinha de condão.

-Uma grande onda derrubou a parede norte. Ele gritou eufórico:
-São os bárbaros querendo roubar a princesa e sorria de ponta a ponta. Manda os espadachins e os arqueiros como faço no meu videogame. Não perco uma. Depois vencemos o chefão, gritou eufórico.
-Amor! Amor! Ouvi entre meio a algazarra. Faz favor. No que o garoto sorrindo falou:

-Game over! Game over! A chefona venceu. Sorri escabreado, coloquei os óculos escuros e deixei o garoto sonhar. Aproximei-me devagar.
-Bonito!
-O que? Respondi inocente.
-A bunda...
-Que bunda? A sua? Todos tão olhando.
-Não se faça de bobo. Aquela sirigaita mãe do pivetinho. Não tirava os olhos dela, seu pilantra!
- Euuuu!
-Canalha! Quase não ficou perto de mim. Você me paga, pode deixar! Já sabia dessas coisas. Ficava dias sem falar comigo.
-Cretino!
-Não faz isso! Não tenho culpa nenhuma olha nossos filhos, o que eles vão pensar?
Os garotos nem estavam aí, pois as sereias passavam por todos os lados.
No final da tarde saímos assados, cansados e com fome. Comemos um prato rápido, uma macarronada, e fomos dormir. Quem disse que eu dormi. Na construção da piscina, queimei a lombar esquerda, já na do castelo, as costas estavam como tomate maduro. À noite sem sono, vou chegando devagar e minha Eva me empurra:
-Vai ficar com a sirigaita! Está de castigo para aprender! E virou-se para o lado. Peguei o livro. “E, se observada por alguns minutos, cada ilustração "contava" uma estória. Estava tudo ali, esperando apenas que alguém olhasse. Mas havia um lugar especial em suas costas que estava vazio. Não havia nenhuma ilustração tatuada lá. Quem olhasse para aquele ponto veria seu futuro e sua morte...” Segundos depois estava roncando.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O estreito beco da vida


Naquela fria manhã de inverno, a brisa soprava amena como em um dia comum, a natureza explodia em beleza, foi quando tudo aconteceu. As energias universais calaram-se talvez com desdém do ódio e do terror. Porem, não se pode desprezar o maligno neste tempo nem nos remotos séculos passados, pois, ambos o bem e o mal andam lado a lado.

Numa alcova escura, Antônio escovou os dentes, cuspiu na pia branca, cascas de feijão e restos de verdura e observou quanto mal fazia sua higiene: pelo ralo desceu resíduos que estavam impregnados em seus dentes. Olhou-se no espelho e custou a se reconhecer naqueles olhos brilhantes, olhar de felino no escuro.

Foi ao quarto da filha, curvou-se e beijou-a na testa, viu a mulher deitada de bruços, mirou-a, encostou a porta em silêncio saindo para a rua. Olhou o céu e viu que as estrela ainda não tinham perdido o brilho, e no opaco dos seus olhos as sombras dos postes caiam esqueléticos sobre a terra amarelada pelas luzes.

Os homens para ele eram indecifráveis. Nessa estepe, havia os que eram tão amorosos, mas que de repente, quando eram contrariados por algo singelo, pobres homens, o coração explodia como bola de soprar, irados; outros iam guardando as mágoas em lugares sombrios, e esses sentimentos, represados envenenava o sangue e quando se rompia, explodiam como vulcões outrora extintos.

Com esses pensamentos pesando sobre si, olhou em volta a escuridão, os sons e cheiros monótonos do universo faziam ouvir a pequenez dos seus passos sem ecos no estreito beco da vida. Mirou o relógio. “Exatamente na hora, pensou. Como todo o sempre. Ali na esquina viu o padeiro. Em cima do pontilhão cruzou com a lavadeira. Viu-a Atravessar o pequeno rio, poluídos pelos esgotos fétidos.

A palafita seguia as margens do rio, implorava uma salvação que jamais viria. Urubus revolviam o lixo, e algumas pessoas com sacos nas costas separava coisas. “Que vida meu Deus!” Subiu os degraus, observando os pés nos passos vagos. Sentiu na pele o frio do vento, “passa morte longe de mim”, e persignou-se. Observou os braços fortes. Trabalhador braçal na construtora.

Entrou numa rua de casinhas coloridas e sentiu o cheiro de café fresco. Esse cheiro trouxe-lhe recordações. “Senta e come traste!”. Ouvia frases ditas distantes. E ai sentava e comia uma água salobra com um pouco de farinha, quieto. Morde os lábios frios pelo vento. “Agente nasce só e vive só nesse mundão. Somos como boiada, perdidos... sem rumo”. Apressou o passo em direção ao centro do pequeno povoado.
Deu uma carreira como para afastar os maus pensamentos e saltou um muro. “Bem na hora, não falei?” No mesmo instante o trem passava sobre os trilhos gemendo, as rodas de ferro batiam nos dormentes fazendo um barulho ensurdecedor. Postou-se bem perto para sentir a terra contígua afundar. Gostava daquilo, sentir-se bem perto da morte, ouvir seus alaridos o seu hálito sanguinolento. Viu-se deformado sobre as rodas, a cabeça separada do corpo, livre de todos os pensamentos ruins, e a paz.

Observou que se tomasse essa decisão, seria melhor para todos, para o mundo até, refrearia todo seu ímpeto, como um arco distendido sem força para a propulsão, e tudo se acabaria naquele instante como um passe de mágica, e o plano que arquitetou há dias, esse terrível plano, não se completaria e assim a vida correria o seu rumo, na rotina dos dias como um rio no silêncio dos vales, sem surpresas.

E esse plano que arquitetava era como as aranhas que tecia suas redes insólitas, somente no intuito de pegar suas presas. Sobravam então milhares de vítimas inocentes dos instintos maléficos dos homens. Que no silêncio, traçam as armadilhas para seus semelhantes, investidos unicamente pela cobiça e ganância, levando até o fim dos séculos suas fúrias. Pobres vítimas. Sem escapatória ou clemência. Sem lágrimas nem súplicas, nem nada. Nada.

O trem passou e as pessoas que se juntaram espalharam-se pelos caminhos em algazarras. Uns entravam a esquerda, conversando outros a direita apressados sem fitarem-se nos olhos suas tristezas. Ele em frente e em silêncio.

Como em qualquer desastre, segundos antes, tudo é normal, sem avisos de qualquer natureza, a não ser, pequenos detalhes não observados pelo olho humano. E o tempo, esse escoa vagarosamente, enchendo o silencio de sons descompassados, batendo como um coração cansado. Empurrando o sangue através das veias, aos minúsculos capilares. E no momento ímpar, do infortúnio, nada se passa despercebido, nem uma simples folha que cai. Apenas uma folha. “Ao cair da mais diminuta folha as grandiosas coisas, Deus todo poderoso tudo sabe” Pensou na frase dita pela mãe quase todos os dias.

Desceu a rua beirando o rio. Sobreveio um hálito de coisas velhas. Estava quase na hora. O sol brilhava no canavial. Parou olhando o chão. Tudo começou, há muito tempo, quando matou e decepou por inteira uma pequena ave. Pegou-a nas mãos, que ainda não eram calejadas. Curiosidade de criança. O pai falou. “Depois ele larga disso, qual menino que nunca fez traquinagem?” Nessas traquinagens sentia um prazer estranho de poder sobre as coisas, as pequenas criaturas. Cortava a cauda e ria baixinho de prazer. O pobre bicho se contorcia de dor.

Depois ia lanceando devagar, amputando-a toda. Via feliz aquele pequeno ser indefeso e frágil capengar. Os pequenos olhos do bicho piscavam e quando finalmente retirava as vísceras segurando-os nos dedos o pequeno coração da criatura, chorava; chorava de prazer. Nesse momento observava que o pulmão era como uma pequena bolha de sabão. Só largava-o quando os pequenos olhos estavam sem brilho e completamente opacos.

Sentou-se no meio do canavial e ficou parado como uma fera no cio. E nesse dia o sol parecia estático, uma eternidade que vinha rondando no mesmo lugar perscrutando o silêncio, os sons, o cheiro, ameaçador. Viu um formigueiro em fila indiana, um movimento contínuo, desesperador para ele, infernal até, pois não gostava dos ritmos, da rotina do dia a dia, perguntando-se para si que força movia esses pequenos seres, acordar tão cedo, ter todo trabalho, todos os dias, meses, anos e séculos indefinidamente para sempre. Depois escutou os pios dos pássaros, o vento tangendo as folhas e o som parecia da infância, quando assava pipocas , o estouro dos grãos, enchendo a panela com a polpa branca e macia, comer queimando o céu da boca, receber umas tapas e encher-se de sentimentos ruins. Sentir uma secura nas entranhas que água nenhuma o saciava, nem a água gostosa dos potes de barro da infância.

Num impulso de ira, esmagou toda uma fileira e as observou correrem pela sobrevivência, para lá e pra cá com as mãos à cabeça como tentando compreender aquela fatalidade, ajudando-se umas as outras, fraternas nas dores, se tocando amigavelmente, questionando o motivo da grande tragédia que as abateram. E talvez, ao anoitecer orassem aos mortos, perante um deus e chorasse suas dores e rogassem proteção e paz, porquanto, no outro dia continuava tudo de novo, a mesma fila, o mesmo trabalho, os mesmos sonhos e as mesmas aflições. Não entendia essa fé no invisível. Gostava da dor, depois de tudo o caos.

Sorriu pesaroso. “Pobres criaturas! Se soubessem que seu deus era tão surdo que mesmo com a total aniquilação jamais seriam ouvidos seus gemidos e orações.” Deitou na grama macia, entediado e fitou o tapete azul do céu. Sentiu-se livre e possuidor de todas as forças. Dias e dias caminhou o mesmo caminho. E sempre viu as mesmas pessoas, as mesmas casas fechadas, os sons que vinham dessas casas alguns sombrios como urros e gritos e choro. Muito choro de criança. As casas com seus tormentas e dramas. Foi numa daquelas vielas que a viu pela primeira vez. A menina. Pobre menina de trancinha, amarrada com laçinho de fita amarela. Um arco dourado com uma constelação de estrelas azuis.

Ela acordou como todos os dias fazia. Feliz. Correu para a cama dos pais e beijou-os no rosto. Depois se vestiu e preparou a mochila com um pequeno pedaço de bolo de chocolate e suco de laranja. Da porta acenou e ouviu ainda “Deus te abençoe filha” e saiu correndo pela mesma estrada. Os pássaros eram os mesmos, gorjeavam as mesmas canções, as flores perfumavam o campo, o aroma doce de matas frescas e as borboletas bailavam no ar furta cores. Nada diferente. A beleza é inócua, não tem sentimento. Se por acaso tivesse, as flores essa manhã estariam murchas, os pássaros silenciosos, o sol rubro ou sombrio, a brisa, não haveria brisa e as borboletas não ousariam saírem dos casulos.

Se um meteoro gigantesco entrasse na atmosfera terrestre, em fogo e colidisse num impacto grandioso com a terra o terror não teria sido tão grande. A força da gravidade impulsiona os corpos um de encontro aos outros, do menor para o maior. O rio corre para o mar. As ondas quebram na praia. Que força atraiu aquela menina?
A menina ainda olhou para trás e acenou à última vez. E esse movimento formou ondas invisíveis no espaço, como gritos e lamentos e lançou desespero e abandono na humanidade e todos começaram a chorar lembrando cada um de seus dias tristes e era tanto pranto que o espaço ficou branco e rígido e essa parede invisível abafou a todos e foi por isso talvez que as forças do bem ficaram imóveis. Havia um vazio nas pessoas, algo para se temer.

Se num truque de cinema, levantássemos a câmera numa visão geral bem de cima, segundos antes do impacto, viríamos à estrada deserta ladeadas por grandes canaviais e as pegadas de ambos, uma de encontro à outra, uma grande outra pequena, como foi Jesus ao encontro do diabo, ambas se encontrando, inexoravelmente, debaixo daquela árvore onde existiam as três cruzes de madeira pintada. A menina e o monstro.

A menina prosseguiu, ora cantando ora calada, sem imaginar jamais o que a esperava. Quando as mesmas ondas tocaram aquele ser feroz deitado, esperando a presa, tão inocente e desavisada que nem as forças ocultas perceberam, pois o dia era magistral, o sol penetrava nas clareiras, borboletas tremulavam no caminho, o riacho, o pequeno riacho, corria quieto para a imensidão do mundo e sabia que bem longe encontraria o mar. E o mar um azul escuro e profundo como a tristeza de saber-se só. E que jamais voltaria para casa, não na mesma forma, mas talvez como o rio que corre para mar e volta em forma de chuva; outras formas, outros elementos...

Naquela fria manhã de inverno, a brisa soprava amena como em um dia comum, a natureza explodia em beleza, foi quando tudo aconteceu.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

As aventuras de um menino que tinha um sonho louco: Ser escritor ou a Gênese.


Foi aos três anos que recitei a primeira poesia. Era mais ou menos assim:

Batatinha quando nasce,
Esparrama pelo chão,
Mamãezinha quando dorme,
Põe a mão no coração.

Houve críticas e elogios. O tempo passou e esqueci principalmente as críticas, os elogios ainda lembro, já que foram de minha mãe, que chegou de mansinho: “Não se preocupe, não foi tão ruim assim é inveja deles”.

Lembro-me até hoje como um suplício. Foi com muito suor e dedicação que cheguei ao fim. Enquanto declamava, enfiava a mão no bolso, suava frio, desatando o suspensório, perdendo as calças e o estribilho. Aparecera, minha ceroula de bolinhas. Silêncio mortal.

Quando terminei, abaixei a cabeça, numa reverência, como fazem os artistas de circo e esperei os aplausos que jamais vieram, e que por isso, ecoam até hoje em meus pensamentos. Petrificado olhei ao redor. A maior parte ria. Todos gargalhavam em gozo e pilhérias. Menos meus pais.

Esqueci um tempo a poesia. Aí gozei a infância. Montei em cavalo, nadei em rios, joguei pião, bola de gude e tudo que me fazia feliz.

Veio a tristeza. A doença de meu avô. Minha mãe numa viagem que fez a capital trouxe noticia de melhora e na bagagem uma revista (Gibi) que me marcou, -Tarzan o homem macaco. E foi imitando esse herói, que quebrei o braço quando passava férias no sítio, e sem nada para fazer na convalescência, no tabuleiro nas terras ressequidas e arbustos esquálidos, dos juazeiros, do açude grande, do serrote, iniciei a minha caça ao tesouro.

Numa tarde de melancolia em que as cigarras gritavam sem parar, o sol a pino, torrava a caatinga, entrei na dispensa onde os vaqueiros guardavam os objetos de trabalho como chocalhos, arreios, cangas e todos os penduricalhos e coisas sem serventias e encontrei uma arca.

Era uma velha arca guardada ali há muito tempo. Tinha um grande cadeado, teias de aranhas e muito pó. Sobre ela uma ferradura de sete furos. Marcas de ferro diziam que alguém havia tentado abri-la sem êxito.

Naquele momento a imaginação voou, com as histórias que já tinha ouvido, de fantasmas, piratas e gigantes. Seria algo parecido?Algo se mexeu e ouvi o tilintar de dentes. Recuei um pouco e a porta atrás de mim rangeu batendo com o vento. Fiquei imóvel ouvindo o tique taque do coração. Lembrei quando na infância, tremia com medo de assombração, ficava encolhido no fundo da rede. Vi ratos que fugiam para se esconderem na penumbra. Com uma barra de ferro forcei o cadeado que frágil pelo tempo não ofereceu resistência. A tampa abriu-se com um estrondo.

Galinhas D’angola fugiram fazendo um escarcéu e morcegos balançavam de ponta cabeça no teto no meio de uma nuvem de pó e fuligem. Deixei a poeira baixar, e vi tão grande era o tesouro. Revistas de todos os tipos HQs coloridas, livros, livretos de cordel, pilhas e pilhas amarrados por fitas pretas.

Ali mesmo sentado sobre a tampa, batida a poeira, li histórias contadas em versos: de princesas, dragões, monstros, anões, gigantes em terras distantes, do sem fim, do nunca.

Vieram as paixões. Julieta fora à primeira. Fui um cavalheiro da Távola redonda. Lutei com os mosqueteiros. Ajudei João mata sete salvar a princesa, montei os cavalinhos de platiplanto; compreendi o cavalheiro da “triste figura”, conheci duendes, atravessei reinos. E todas essas histórias tinham o mesmo fim: “E então viveram felizes para sempre”.

Anos depois vi que não era bem isso. Que a vida era dura, meu avô morrera e vira uma foto de um irmão que virou “anjinho” e foi enterrado numa pequena caixa. Muito tempo pensei na frase de Guimarães Rosa: “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Os livros, estes, havia lido todos. Relidos até. Não me restava nada para sonhar. E a cidade que morava não tinha livrarias, bancas nem jornaleiros. Pedi alguns pelo reembolso postal mas demorava meses para chegar.

Foi quando triste com alguns finais, rascunhei minhas próprias histórias. Inventei finais, copiei, parafraseei, parodiei. Senti-me como um semideus, tendo sobre os personagens, o poder de vida e de morte. E esse poder é inerente ao ser humano. Pensamos, se não somos imortais, talvez nossas escritas.

Sigo agora meu caminho, entre dois mundos. Estou em aprendizado, sinto as frases quebradas, mas são minhas e isso é tudo. E essas criações, saem do papel faço-os peregrinarem em terras distantes, sofrer amores impossíveis, viverem epopéias e tragédias. Talvez para o próprio aprendizado ou de ambos, sei que hoje sou melhor como ser.

O que me fez pensar longamente. Seriam os poetas sofredores? Quem me responde é o grande poeta Fernando Pessoa:

“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”.

Assim sigo sonhando e escrevendo nem que seja para meu enlevo embora sejam fúteis os meus desejos.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Da solidão


Como estamos sempre aprendendo, melhor com os grandes. Paráfrase (termo grego, paráphrasis, que significa ao lado da frase, ou melhor, reescrevemos o mesmo texto utilizando palavras diferentes. Usei como exercício o maravilhoso texto de Cecília Meirelles: Da Solidão.

A solidão atinge um grande número de pessoas. As pessoas, logo que se acham sozinhas, ou longe de entes queridos, para que se desesperem em terrível melancolia, como se não houvesse vida em volta ou pressagiassem o mais terrível tormenta.

Verdadeiramente há a solidão? O que é a brisa se não formas indeléveis de Deus; E o sol, a lua, as estrelas que são? Mesmo que não sentíssemos o tato ou a audição, o olfato a visão ou qualquer outro sentido, na nossa mente reina as imagens que retornam em lembranças podendo ser vivida a qualquer momento, basta acordá-las.

É só saber escutar a voz do coração. As emoções emanam de qualquer parte, das pequenas e singelas coisas as maiores e complexas estruturas e são interligadas no mesmo universo, erigida da mesma matéria. E aí reina o divino e nossa atenção voltada para essas sutilezas eis o segredo. Como os índios que aprenderam a linguagem da natureza, e a respeita poderemos também observá-la e esse ilusório vazio não existirá, pois nos cercaremos por grandes emanações de beleza e amor.

Artistas em geral são lapidadores que tiram da rocha bruta, sua obra de arte, buscando a essência das coisas. Mesmo a rocha tem seus segredos suas aventuras. Quem senão as montanhas que viram todas as caravanas passar, desde os faraós aos escravos, e principalmente o Rei dos reis.
No seu silêncio existem todos os segredos.

Façamos assim. Concentre-se onde estão. Use seus sentidos. Veja a textura das paredes, as cores, as luzes; escute o compasso de seu coração, sua respiração, seus pelos são como uma floresta desbrave-a, vão ver que tem muito que ver em vez de pensar que estão sós.

E onde estiveres verá os pequenos insetos. Observe-os devagar um por um, o que eles fazem como andam suas cores, como trabalham, a quietude, a paz das coisas em volta. Dê um aumento nessa imagem, imagine vendo de uma altura absurda, e veja lá de cima, sua pequenez, mas mesmo assim mantêm sua beleza, uno, por inteiro.

Aprenda a olhar as coisas com olhar de criança que nas descobertas tudo se encontrava maravilhoso aos olhos, veja suas mãos, tanta nervuras, os dedos, o movimento complexo que faz, movam os olhos, esse movimento simples, movimentou todo um sistema de nervos, ópticos, e sensibilidade.

Ame você, sua alma, pois você é único. Em suas células, há o código genético, que herdastes dos pais, e isso, indefinidamente, desde a origem, fomos criados a semelhança de Deus.

Seja como as flores, que independente onde floresce se em um jardim ou num pântano, não importa, emprestam seu aroma a todos sem egoísmo, simplesmente desabrocham.
Enfim existe em volta toda uma eclosão de vida, o nascer duma estrela, uma folha que brotou. Aproveite então esse tempo, como a crisálida, que sozinha, em seu casulo, ganha a essência, e sai para a vida, numa forma colorida e harmoniosa.

sábado, 9 de janeiro de 2010

A cidade


Andando, pela beira rio, fazendo minha caminhada matinal, encontro um papel amassado, jogado no lixo. Abaixo e pego com curiosidade, talvez um bilhete de uma amante, ou alguma falcatrua. Somente algumas anotações de algum pretenso escritor. Cheio de erros de concordância e pontuação. Transcrevo aqui na íntegra.

A minha literatura é universal. Explico: Em qualquer crônica, deixo lacunas para que o caro leitor altere à sua maneira, os nomes dos personagens, cenários no intuito de torná-los mais verossímeis e, assim eles (Os personagens) se apresentarão a todos, mais autênticos e humanos e por isso mesmo, a maioria das vezes, inescrupulosos e cínicos.
Numa pequena cidade (Aqui nessa lacuna, poderão colocar qualquer uma, por exemplo, Ubá, fica ao vosso critério), logo após o pleito a ala vitoriosa, (pois nessas cidades só tem os que mandam e os que obedecem), promove o primeiro debate, se podemos chamar assim, pois nessa assembléia estão presentes somente os vereadores de um partido só e o povo (Aqui não tem como substituir, pois (“povo” é povo aqui e na caixa prego), que os elegeram. E essa reunião discutirá as principais “obras”, o leilão de cargos, enfim o desmando geral.

Não critico aqui o povo (pobre) o verdadeiro o que trabalha, este é humilde, simples, bom, por isso mesmo acreditam em tudo, na sorte, na tele sena, mega-sena, quina, e outras maldades. Até eu que sou mais bobo, naqueles dias de poesias, faço minha fezinha.

Pois bem e m toda divisão há confusão, igual à partilha de bens. Há sempre brigas e fofocas uns querem mais, falam mal, se chutam, e vira um pandemônio, mas que no final chegam a um “ponto” em comum. Prestem atenção: Esse comum não é de comunidade.
Na câmara recém construída, os afilhados prancheados, a gordura ultrapassando os limites das poltronas de couro legítimo, compradas sem licitação aquelas caras de bonachão, nunca pegaram no pesado, suas mãos são mais lisas do que bumbum de nenê, sorriem imbecilmente já imaginando a sala que vão ganhar para fazer nada, com ar condicionado e uma secretária sorridente nos quatro anos de desgoverno.

Os diálogos que virão, estes suguei, de um conto antigo, mais ou menos do século dezoito e La vai pedrada. Singular como soa atual. Tais homens por incrível que pareçam não progrediram emocionalmente. Por isso peço-vos, leiam com prazer, pois a leitura é para tal, mas não custa nada, um pouco de reflexão. Conselho gratuito: Reflitam na hora de votar, nem que seja para eleger o síndico de seu prédio, ou a garota da laje tão em moda, nas colunas sociais.

E se o tal candidato são daqueles que pagam para saírem em colunas sociais, dão tapinha no ombro, vivem com os dentes no quaradouro desconfiem. O melhor jeito de descobrir: Se o tal é daqueles que para falar primeiro coçam a garganta, imposta a voz, olha para um ponto perdido sem olhar nos olhos corram dele. Se vão a todos os velórios até naqueles que não sabem nem o nome do santo, olha para todos os lados, fingem tristeza desses fujam.

E se, contudo, com todos esses cuidados, elegemos um (lacuna), para nos governar, só nos resta rezar para que eles não tomem o que é nosso, a honra, pois o dinheiro o parco dinheiro já nos tomaram no início de ano, com inúmeros impostos, só nos resta encher a cara como faço, todos os domingos. Não faço apologia à bebida. Desculpem-me leitores, mas as que eu bebo eu pago, às vezes a vista outras no “pendura” com o garçom meu amigo e canto aquela musica “deixa a vida me levar, leva eu”.

Aí vão os diálogos ouvidos por alguém que não quis se anunciar (sicrano), naquela pequena cidade que demos o nome de Ubá para exemplificar, mas fique a vontade para trocar, aí estão às lacunas, é só preencher com o nome devido.

-Senhores, senhoras presentes! Conclamo todos para nesse primeiro dia de nossos mandatos, para unirmos esforços e trabalharmos furiosamente em prol da comunidade desta nobre cidade de povo carinhoso. Quando, um dos nossos filhos, em viagem pelo mundo, principalmente nas praias capixabas, orgulhar-se da boa terra e passarem a chamar “ubabão” ou coisa que o valha. Para isso é necessário fazermos uma obra, não subterrâneas como os opositores querem, mas algo grandioso, para nos orgulharmos de citar- La fora nossa origem, com a boca cheia, não somente do suco da manga, mas também de muito orgulho.

-Apoiado!

É inadmissível senhoras do “corte grande” bairro de nossa linda cidade que municípios vizinhos e bem menores, insignificantes, em toda essa zona, cheias de mendigos, indústrias aquém das nossas, tem em suas praças, obras magníficas...

-Vergonha!

E riem de nossa cara com toda razão. É só oferecerem algumas benesses, para que percamos algumas indústrias. E ainda nos acusam de ingratos.

Outro: - Meu caro... Pausa. Continua olhando para o teto: - essa coisa de honra, estou pouco me lixando, são todas conversas para boi dormir. Faz-se ouvido de mercador e pronto. Mas a obra essa é importante.

-Meu bom Deus! Se construíssemos em uma de nossas praças um chafariz e jorrando cascatas sobre a estátua de um de nossos vultos, iluminados por fachos de luz. Hem! Hem! Seria orgulho de nossa terra querida. Um grande benefício para toda comunidade, principalmente para a rede de hotelaria, bares e afins e principalmente para nossos bolsos.

Nisso começou umas risadas e burburinho.

-A pura verdade outro falou. Até para nossos pobres que passariam ao largo envergonhados do luxo.
Aplausos quase botam a câmera abaixo. A obra fora votada em primeira instância, urgentíssima.

O prefeito esse momento de êxtase voltou os olhos ao púlpito e além nas montanhas, prenunciando a inveja dos municípios vizinhos. O vereador conversava com o vizinho: “Todos os cargos foram repartidos”. O padre impostava as mãos, pois a igreja matriz fazia parte do complexo central. O único jornal (lacuna) deu manchete, extraordinária, de página inteira; aumentaria seus comerciais.

E tudo chegou aos termos ou quase. Depois de construído o chafariz se descobriu que a mina de onde retirariam a água tinha secado e pior não acharam um vulto da cidade verdadeiramente honesto.

Não haveria a grande inauguração, falada aos quatro cantos através da rádio e colunas sociais? Como saciar as senhoras que fizeram seus vestidos em confecções de fundo de quintal, e pediam segredo, como se fosse de grandes estilistas? E o colunista que já fizera sua lista de “mulheres luz” amealhando uma boa “grana”, pois todas pagaram à vista? E os discursos que já foram escritos por um rimador que se dizia poeta, e sentava-se na primeira cadeira da academia? E a benção do pároco, que já havia recebido de antecedência, e já tinha separado litros e litros de água benta? E os pastores que iam fazer um descarrego, livrando a praça do mal?

Inauguraram assim mesmo. Cortaram a fita, que por sinal foi à primeira dama, com uma tesoura banhada em ouro, seguida por aplausos e discursos. Na hora de benzer quando o padre jogou a água benta, dizem que ela fritou como se fosse um ácido sulfuroso, e no descarrego, ouviram-se vozes do além. Disseram que foi um mendigo que com raiva de ter sido deslocado de sua morada, pois vivia ali no banco da praça, tinha jogado água oxigenada e as vozes eram os filhos gritando atrás do muro onde foram jogados.

O dito por não dito, não desconfio nem acredito. Só sei que todos que estavam presentes hoje são todos louros com os cabelos oxigenados. E a praça, essa já tentaram de tudo para revitalizá-la, mas não tem jeito. Servem somente para os apontadores de bicho, mulheres da vida fáceis e aposentados e esses dificilmente pagam impostos.

Até hoje, ao entardecer um velho homem, - igual ao filósofo que andava com uma lanterna na mão, e quando questionado respondia: Procuro um homem honesto, passa sob o chafariz, ilumina o próprio rosto, dos outros e cabisbaixo, olhar perdido, some na escuridão.

Autor(lacuna).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Todos pela educação

Quando o galo cantou a primeira vez, eles já estavam longe na estrada. Já havia descido o morro do biscoito e agora vinha em fila indiana caminhando para o centro. Acordaram cedo, o homem a mulher e os filhos. Gabriela de seis anos levava consigo uma boneca despenteada, pendurada pelos pés; Letícia de três anos roia um biscoito de polvilho, Fabrício de dois anos, de vez em quando choramingava querendo colo.

Ele (O homem) servente dos bons, já ajudara a construir vários prédios naquelas redondezas, se orgulhava disso, inclusive a escola para onde eles estão indo. Nunca deixou faltar massa isso não. Era sua fama. A mulher catava papelão para ajudar na renda da família.

Desde a última segunda feira que faziam este trajeto, montaram acampamento em frente à escola municipal “Educação para todos”, em busca de uma vaga para os filhos. Têm que dar valor ao estudo, isto tem.
O cartaz na parede dizia que o processo de inscrição começaria dia onze de janeiro, mas estavam ali na fila há três dias, mineiro não perde o trem, uai! Alguns com cadeiras, colchonetes, barracas, guardas chuvas (para se protegerem do sol que estava de lascar) e até pedras como acentos. O sol fritava até ovo no asfalto.

A chuva que caíra dias antes não fora suficiente para amedrontá-los. Houve filante(Palavra nova que significa quem vive em fila), que teve que dormir em pé, pois ficava no final da ladeira e a enchente chegava já , a altura dos joelhos. E as autoridades locais depois de reuniões, acharam por bem prover a remoção desses, deixando nos lugares marcas, para que não perdessem a vez, pois se continuassem ali, ficariam totalmente submersos.

Trabalham o ano inteiro de sol a sol, como verdadeiros cidadãos que são. Isto eu sei. Agora, espalhados pelos passeios, uns sentados outros deitados, olhando da visão dos políticos, quando passam ali de carro, parecem menores e mais tristes. Nem votos são.

A maioria dorme no local e pela manhã são rendidos como fazem as sentinelas, revezando-se entre parentes e amigos. E todos mesmos cansados de tão longa vigília, mantem o bom humor como é próprio dos brasileiros e gozam da própria dor. A mais nova anedota era contada pelo ultimo da fila.

-Dizem que a Dilma Rousseff pegou gripe suína e está se tratando com Tamiflu. Todos em uníssono:
–Oh!
-Mas se ela for eleita presidenta, haverá somente um tratamento para nós!
Todos:
-Qual? Qual?
- “Tamos fu”.
E todos sem distinção, caíram na gargalhada, esquecendo-se por instante, da própria dor.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Conto de uma lauda

A viela era de uma favela qualquer, feliz por assim dizer, aparentemente.
O galo dava seu primeiro canto, com o gogó cheio. Nos barracos os roncos eram frenéticos de sonhos densos, pesados como uma cortina de ferro.
Uma névoa fina cobria aquela parte do morro virado para o mar. As ondas sem formas oscilavam lenta na praia na batida de um tempo comprido.
Súbito ecoou na escuridão um tiro. Rompendo a densidade preta da noite, como um lampejo seguia sua trajetória resoluta. A paz aparente estremecera. Retesaram os nervos. Ocuparam nas mente memórias infelizes. E se acaso a felicidade existisse, naquele momento romper-se-iam os elos, casais se separaram, carinhos interrompidos e o cheiro já não era de amor, mas de pólvora.
Olhou para o mar. Este estava azul escuro, e era orgulho de todos, pois a favela ficava de frente e este era testemunho com suas belezas distantes e sombrias. Já tentara desvendar seus mistérios em vão. Essas coisas são indecifráveis. A vida era assim. É assim.
A viela em que andava agora soturno exalava cheiro de sexo, até o mar se encontrava com o céu no infinito.
Outro tiro. Como o quebrar de uma vidraça, dilacerando terrivelmente o silêncio.
Nos olhares a angústia e o vazio. A esperança perdida. Mãos sustaram carícias. Frases cortadas sem nexo, sem sexo as mãos em ristes, ríspidas, tornaram-se indefinidas, indiferentes. O cheiro já não era de amor, mas de pólvora. A mágica fora quebrada, as frases curtas sem adjetivos. Novamente o barulho ensurdecedor. Bala, bólido, grito, baque. Um corpo caído. Angústia no olhar, na boca o gosto amargo na mente o vazio. Depois o soluço, a rigidez no andar, a imagem da ilha, a sua imagem uma ilha, sentia-se só como uma ilha, a pequena ilha que via nas noites de luar, agora balançava indefinida.
Um baque surdo de osso quebrado, como o estrondo de um boi morto, carnes sem vida. Uma frase cortada ao meio, dilacerada num grito:
-Deus me...
Muitas vezes ouvira aquele mesmo estrondo de carne no matadouro, o urro do touro nos seus últimos momentos, depois os nervos retesavam-se em suspiros, o relaxar dos músculos, liberando os fluidos impuros, expelindo fezes e urina.
Passos apressados nas escadas oscilando entre,
Silêncio e desespero.
Distante ouviu ainda passos apressados, o eco nas escadas escuras, o eco longínquos dos passos do pai, um murmúrio da mãe, calma filho é só um sonho um terrível pesadelo, mas que vais acordar logo...
...salve mãe, papai já chegou com os pães, sinto cheiro do café, Filho agüente! Meu Deus tanta tristeza, Onde estará Deus agora...
Medo e silêncio.
Silencio.
... senhora tome uma vela, para guiar seus caminhos, não permita meu Deus. Deuusss!
Depois um grito ecoou como um uivo tão angustioso, queimando as entranhas.
-Mataram meu filho! Meu filhinho... Filho!
Os corações descompassaram, acalmaram-se já. Cada um puxou para si o egoísmo e voltaram a dormir como se não houvera nada.
Uma luz tênue iluminava um corpo perdido numa rua qualquer.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Inocência

Há um vazio no meu interior. Meu longo corpo cilíndrico encontra-se todo machucado e contorcido. Jogaram-me na sarjeta e meus inúmeros ossos estão quase todos quebrados, assim não consigo me arrastar para lugar algum.

Todos me evitam.

Como sempre observam o exterior das criaturas. Não notam que tenho sentimentos e que também gosto de carinho. Creio que no estado lastimável em que me encontro mereço ao menos respeito.

Estou faminta. Rastejo sofregamente até uma sombra e refresco-me debaixo de uma árvore. Olham-me com nojo e medo. Sinto-me fraca e dependente.

Um menino pega uma vareta e me cutuca. Sinto dores lancinantes. Creio que não tenho salvação. Acusada desde o princípio de incitar ao pecado sou verdadeiramente uma controladora da natureza. Alimento-me de ratos e camundongos. Creiam: Não sou má. Só cumpri o meu dever. É minha intuição.

Agora alguém me atirou uma pedra. Suplico: ”Deus! Não me abandone!” Sinto-me quase como seu filho, apedrejado nas vias publica e crucificado. Que audácia! Pensaste. Comparar-me ao filho doHomem.

Junto às últimas forças e tento fugir. Sinto-me triste e oprimida.Queria que o chão cedesse sob mim e jogasse-me em algum buraco. Como sou odiada! Como é deprimente sentir-se assim! Como queria ser amada e idolatrada por todos.

Mais pessoas se aglomera. Sinto o sol quente sobre a pele. Vejo-me nos dias felizes e sinto que não sou feia. Achava-me bela quando deslizava no momento em que ouve o desastre. O carro me acertou em cheio. Meus escamas no momento brilhavam ao sol.

Agora penso de si para si: Não sou culpada de nenhum desvio de conduta que me imputam. Sou sim, e me vanglorio disso, de ser a causadora do despertar do conhecimento humano. O que seria eles sem mim? Pobres autômatos na terra.

Sinto-me cansada com tudo isso. Enrodilho-me e deito a cabeça sobre o corpo esguio. Com esse movimento me interpretam em pugna. Se me dessem o instinto de chorar, agora vertia lágrimas.

Olho a multidão que se formara. Não compreendo tanto ódio e rancor por uma criatura que só quis mostrar o caminho do conhecimento e da felicidade. Sem isso estariam até hoje no período das trevas. Agora são possuidores do livre arbítrio, capazes de nomear e de discernir entre o bem e o mal.

Por que fui causadora de tanto engano? Porque á maldição? “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre sua linhagem e a dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar (Gn.3,15)”.

Súbito a multidão se abre deixando passar uma mulher. Olha para mim. Inicio uma oração.”Talvez... seria possível! Em volta ouço gritos”:

- Mata! Mata!

Fecho contrito os olhos.

Violentamente sinto minha coluna despedaçar-se em pedaços. Na angústia da morte vem-me um pensamento: “Como sinto não ter usado na mulher, toda minha peçonha!”.

Uma voz ecoa no vale: ”Deixem-nos! Eles não sabem o que fazem”.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Dores

Das dores, a maior...(Parafraseando Miguel Falabela)

De:Marinaldo L Batista

Á vida é cheia de dores:

De dente, ouvido, garganta...E tantas que poderia citar

Mas há maiores, bem sabes.

Eles, os poetas, falam que é a saudade. Discordo.

O que é a saudade senão um coração cheio de vida...

De recordações, tantas...

De um beijo roubado

De um olhar

Do cheiro de café numa manhã de domingo na casa da mãe.

Dos amigos que se foram ou ausentes.

Do pequeno povoado que nos viu crescer...

Porem maior que a dor física, bem sei.

Saudade é lança que transpassa o coração e a alma.

Com o passar do tempo transforma para sempre em marcas.

A dor maior, contudo é o vazio.

O vazio...O vazio.

Nesse não há salvação, só lamento.

E uma queda livre no escuro.

É o cabo das tormentas.

É como um turbilhão que nos puxa para o fundo.

O fundo de nós mesmos.

E lá, O vazio...

Imenso.

Assim das dores prefiro a saudade.

Mesmo com o coração ferido e que ao sangrar encontrarás recordações tantas...

Amores perdidos... Não vividos...Transformados talvez em poemas...

Talvez nem tanto...Somente em lagrimas secas pelo vento.

Recordações essa, guardadas a sete chaves e que num final de tarde, buscamos para amenizar nossos tormentas.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pela janela



Pela janela

Um homem passa...

Um carro também...

Devagar.

Passa a estudante com seus sonhos...

Amores contidos.

Um cachorro vadio.

Passam as nuvens, as horas...

Pensamentos bons e maus

Inquietantes, incontinentes...

A vida das gentes,

Escoa entre os dedos do tempo...

Indiferente.

Artigo


Uma opinião: Marinaldo L Batista

“Enquanto uns países o aborto é penalizado por lei, noutros pode ser feito mediante autorização prévia. Cerca de dois terços das mulheres de todo o mundo têm acesso ao aborto legal e aproximadamente uma parte vive em países nos quais o aborto está estritamente proibido. Em alguns países, o aborto solicitado pela mulher é legal durante os primeiros três meses de gravidez. Depois desse tempo, o direito ao aborto está sujeito a diferentes condicionantes em cada estado. Em determinados países, cerca de 30 % de todas as gravidezes terminam devido ao aborto, o que o converteu num dos procedimentos cirúrgicos mais freqüentes.” Parte retirado de um artigo de : Hellen Duarte

A vida, este bem maior, dada por Deus, desde a mais ínfima criatura ao homem (este pertencente ao ápice da cadeia de criação), e sagrada.

Desde a concepção, foram criados mecanismos diversos para sua defesa. Os exemplos são muitos na natureza, e só observa-los: A borboleta cria o casulo para sua proteção, ate a metamorfose da lagarta onde voa exuberante em cores a liberdade. As aves procuram construir seus ninhos a distancia dos predadores e estes são em números reduzidos; O canguru e os gambás, só para citar dois, possuem bolsas nos ventres, para carregar os filhotes protegidos, ate seu desenvolvimento; A mulher seu ventre cresce, enchendo-se de liquido, único e exclusivamente, para a proteção de sua cria.

O direito de viver e inalienável e único, estando acima de interesse de qualquer natureza –seja de moral, ético ou cientifico.

Se Deus criou toda a natureza convergindo esforços a preservação da vida, torna-se abominável àquele que luta em prol do aborto e eutanásia.

Tirar a vida de um ser, e crime contra Deus e toda natureza.

E a vida sendo, o principio de tudo, defendida por todos os poderes naturais e espirituais, os homens continuarem nessa disposição, arrastados serão, a humanidade a opressão e perdição.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ana e Abel


Ana e Abel

Na estrada poeirenta, um ônibus lotado, corta as serras em marcha reduzida. A paisagem passa como num quadro na janela. Para a maioria, das pessoas ali era enfadonho, olhavam-na com desdém. Porem intimamente um velho encontrava no seu coração encantos que lhe foram queridos.

Um garoto da poltrona da frente, abre a janela, e deixa entrar uma brisa conhecida. Era o cheiro das pastagens verde, dos umbuzeiros, dos marmeleiros e tudo o mais que trazia recordações, tantas.

Há muito que planejara aquela viagem, sendo possível agora depois de tão longos anos. Via ali retalhos de sua vida. A grande barragem e a torre da igreja surgiam em todo seu esplendor, nos olhos arregalados do sol; encantado. Fora feliz ali.

Inspirou vagarosamente como se fosse a primeira vez, o ar fresco da manha.

O garoto irrequieto grita:

-Olha um povoado mainha.

-Não amole menino, por causa de uma reles vila!Deixe-me dormir.

O ônibus desce a rua principal, gemendo sobre os paralelepípedos, contorna a praça principal, passa a igreja.

O atrito dos pneus acorda um bando de andorinhas, que voam em volta da torre, quando o sino badala cinco horas. A cidade acorda lentamente.

Abel era o nome do homem.

Há muito tempo, atrás, saíra dali a correr mundo, atrás dos sonhos. Depois descobrira, que ser feliz lá fora, longe de tudo e dos seus, era sofrido e quase impossível.

A felicidade era algo difícil e inatingível.

Nunca compreendeu porque seu grande amor, depois de mil juras, sumira sem deixar vestígio. Jamais a encontrou novamente.

Já fizera mil vezes mil, aquela viagem, no mesmo horário, na mesma poltrona, agora um pouco encardida. Na conta do tempo, a eternidade.

Puxa a cortina com mãos tremulas, fecha os olhos e perscruta o fundo da mente. Ver vestida de branco a imagem de uma jovem. Os cabelos voam ao sabor do vento. Sorria.

Ele retira do bolso, um pequeno papel roto, onde contem um poema. Lê em voz baixa.

O ônibus para na pequena rodoviária.

As pessoas arrastam seus pertences, e vão despedindo do motorista. Ele esta só, sem bagagem. Só o poema e seu destino.

Despede-se do motorista, e passeia na praça deserta, a mesma que lhe vira crescer correndo entre os canteiros floridos. Sobe os degraus e chega ao adro, senta-se no banco, que quando jovem sentava e sentiu o calor dos olhos que o espiavam, por entre a renda escura. Entra na pequena igreja. Ajoelha-se e faz o sinal da cruz. O ar denso como se fosse um sonho. Como explicar o inexplicável? Voltava ali a flor da idade, naquele fatídico dia com diploma na mão e agora estava velho.

-Que me aconteceu? –Pensou. Não era sonho. Um estrondo naquele momento quebrara o silencio e uma forca extraordinária rasgou o metal como finos tecidos, deixando todos perplexos e amedrontados. Quando silenciou o terrível barulho de coisas retorcidas, ele andou sobre a desordem em que se encontrava no interior do veiculo. O que vira chocou-o sobremaneira.Restos de poltronas e malas jogados de lado e corpos desfeitos em agonia. Súbito como acontece com todo ser, na lei da sobrevivência, no egocentrismo do ser humano, toca-se primeiro, no desespero de estar ferido. Ufa! Saíra ileso observou. Os membros se encontravam inteiro e por sorte nada lhe faltava no lugar. Só o pequeno papel que trazia nas mãos, despreendera-se das suas mãos ao choque e o inocente poema pousara no corredor manchado de sangue. Olhou para fora. A paisagem era a mesma dos dias bonitos do sertão. O dia estava claro e o sol brilhava. Porem uma melancolia tomou-lhe conta por momento. Correu ao alcance do papel. Pessoas cruzavam seu caminho em desespero. Gritos ecoavam por todos os lados, como no inferno de Dante. Como seria bom despertar daquele pesadelo? –Pensou.Porem tentou de todas as maneiras possíveis.Não era aquele da infância, em que sonhávamos sabendo que, a qualquer momento poderíamos acordar. Tínhamos o destino nas mãos: Se bom, prolongávamos o mais que podíamos. Se ao contrario, ruim, teríamos somente o trabalho de abrir os olhos.

A imagem era forte, tinha corpos despedaçados por todos os lados. Oh! Deus, que tristeza! Vidas que jamais chegarão a seus destinos. Lamentava pelos conhecidos eventuais, embora não sendo amigos íntimos, a viagem lhes aproximaram. Para onde iriam? Perguntava desconsolado. Em todos os destinos, haveria uma espera em vão. Alguém choraria, e os soluços se perderiam na distancia. Correra a sua poltrona. Onde estariam seus pertences? Estava completamente arrasado.Acabara de tomar nesse momento uma importante resolução. Tirou devagar o poema do bolso e entregaria a sua amada. O tempo e inexorável. Vivamos a vida hoje, como se fosse o ultimo. Para que o orgulho, e todas essa mazelas que nos entregamos no dia a dia, se no final o que importa e o amor. E todas essas coisas materiais que nos faz tanto “bem”, não nos levam a lugar nenhum. Isto de pensar que e melhor que os outros, e que merece mais consideração e somente vaidades fúteis.

Queria sair dali, pois se achava oprimido, e não tinha como ajudar, pois todos estavam nas mãos de profissionais. Procuraria Ana e lhe pediria perdão. Olharia no fundo dos seus olhos e como uma nau perdida pediria orientação.

Olhou para o relógio no pulso. Deus! –pensou. O relógio parou. O tempo tinha passado e via que o sol estava mais quente e as cigarras cantavam mais forte àquelas horas.Se não houvesse havido esse contratempo, estaria todo em seus destinos. Lembrou-se agora das comemorações de Santa Rita, a padroeira do município. Teria começado? Este grande acidente mancharia este dia? Lembrou-se de anos passados, das quermesses, dos parques de diversões, dos bilhetes trocados, do dia em que a vira pela primeira vez. Ela estava vestida de branco, imaculada, fazia a primeira comunhão. No adro da igreja beijara pela primeira vez. Sinos tocaram na torre espantando as andorinhas. Ela correu para longe envergonhada. Saberia agora ela deste acidente? Se souber, encontrava-se preocupada. Sua ausência a deixava mais sofrida. Tinha que avista-la mais rápido avisando da sua sorte, evitando assim tanto sofrimento. Seus olhos encontraram-se com os do menino do banco da frente: Estupefatos. Olhavam-se como quem não se viam. Era evidente que estava bem, pois se apalpara todo, e somente sentia um pouco de frio e uma melancolia. O corpo se achava todo dolorido, que não era para menos, vinham de uma longa viagem. O resto estava bem. Havia um barulho de serra cortando metal, e um horrível clamor que vinha de fora. O ônibus chorava. Lamentos vinham de todas as direções, tentou acalmar os ânimos. Levantou-se e disse:

-Calma que o socorro já vem! Todo o alarido talvez não tenha deixado o ouvi-lo.

Alguém gritou de fora com uma voz sofrida.

-Abel! Meu Deus! Ele lá esta.

Sua vontade fora sair dali, ir ao hotel, tomar um banho refrescante, jantar, as seis horas fazer uma oração, e depois sair ao encontro do amor. Sussurrou baixinho “Ana”.Mas aquilo tudo o deixou limitado, a voz um pouco falseava, talvez emocionada. Os outros não o entendiam.

Levantou-se com uma certa facilidade e saiu. Achou um pouco interessante cruzar pelas pessoas como que as transpassava. Isto o deixou extasiado. Tentou chamar a atenção dos outros porem estava impossível, talvez devido ao grande tumulto. Movimentava os braços como um pendulo, agitava-os em todas as direções, observando contrito que ninguém o observava. Pensou encher os pulmões e juntar todas as forcas num grito. Talvez assim os notassem. Mas o ar da tarde não o inspirou e o cheiro doce que exalava dos marmeleiros tornara-se inodoro agora. Assim a brisa da tarde tal como um raio-X atravessava-o. Enfurecido reuniu todas as forcas e impulsionou-se no ar. Atravessou o teto do ônibus e ficou pairado a uma distancia e altura como se estivesse sobre uma montanha, e dali via tudo em seus detalhes, minuciosamente. Sentira uma opressão no coração.O ônibus estava jogado num canteiro, e sobre ele, rasgando-o ao meio, uma carreta carregada de madeira. Impossível alguém sobreviver aquele acidente. Persignou-se. Dera muita sorte. Pessoas vestidas de branco e vermelho corriam de um lado para outro. Olhou em volta aturdido. Viu as ruas de sua infância. Isto lhe trouxe uma calma. A grande barragem se encontrava deitada, como um grande réptil. De um lado as águas geladas de mãe dágua do outro um pequeno rio que serpenteava entre as gramas verdes separando a pequena cidade. Coremas. De um lado o D.N.O.C.S(Departamento nacional de obras contra as secas), bairro proletário, e de outro o centro, dos comerciantes e pescadores. Aquelas ruas simples vira toda sua infância. Os banhos de rio, os jogos de bola, o açude grande, correra todos os recantos que ficaram como filmes em sua lembrança. E foi ali que conhecera Ana. Ana era pequena e tímida. Tinha os olhos de farol. Grandes faróis que mostravam o caminho às naus perdidas. Para quem aqueles olhos fitavam agora? Sentiu uma pequena vertigem, talvez o medo de altura. Impossível ficar aquela altura. Teria que tomar a atitude correta. Ouviu soluços distantes. Disse a si mesmo: Tenho que ajudar meus semelhantes. Não devo me preocupar, pois alguém procurara por mim. Foi descendo devagar como um balão que lentamente perdia o gás. Quando chegou rente ao chão, vira Ana aos soluços. Chorava beijando alguém que jazia deitado a seus pés. Aproximou-se cuidadosamente, enciumado. Por quem vertia tantas lagrimas? Sentiu-se traído e sofria com tanta infelicidade; quando fitou e reconheceu-se naquele cadáver. Ana tinha o poema nas mãos, e chorava desesperada. Ele calou-se a despeito de tudo. Ouviu ainda alguém retira-la segurando-a pelos ombros, dizendo:

-Vamos! Tenha forca! Tudo esta acabado!

O silencio era mudo, negro, completo.

O ônibus coberto com um grande plástico escuro. No alto as estrelas brilhavam numa linda noite de vaga-lumes.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Uma aventura inóspita


Uma aventura inóspita

A

conteceu comigo, numa manha de segunda. Fazia muito calor.

Cidade pequena, do interior.

Resolvi comprar, uns jornais na banca mais próxima.Sai bem humorado desejando um bom dia a todos que encontrava, sem antes gozar com alguns vascaínos, conhecidos meus, que passavam apressados indo ao trabalho. No domingo o flamengo alcançara a tão almejada vitória: sagrara-se campeão do rio.

Aproveitando os furos da agenda naquela manha, havia vários horários vazios, tempos bicudos aqueles,leria prazerosamente o jornal do dia, curtindo mais demoradamente a vitória do meu time. Puro engano.

O que eu encontraria a seguir era uma selva, uma selva de pedra.

Desci a rua João Guilhermino, calmamente e desemboquei na São Jose, sentido ao centro. Assustei-me!

Não conseguia atravessar a estreita rua.

Em frente ao sinal que existe ali, sobre a faixa de pedestre, onde cruzam as ruas: Duque de Caxias com a Beira rio, me fez senti acuado. Amedrontado.

Senti-me diante da rua como diante, de um rio, infestados de feras,.em plena selva. E creiam, na selva os animais se respeitam mais.

Tentei manter a calma e esbocei um sorriso.”Fica calmo!” Levei a ponta da língua lentamente e passei no palato, sentindo as nervuras gengivais. Isso me fazia mais calmo. Mãos nos bolsos, com os dedos nas moedas: tilintava-as. Senti-me inseguro.

Na rua passavam caminhões como rinocerontes aos solavancos roncando, soltavam ruídos e fuligens para todos os cantos. Ensurdecedor. Recuei.

Os carros de passeio, com vidros negros, lúgubres,levavam gentes furiosas, e estes gritavam em estrondos “vou te da uma atoladinha”. Tremi. Se tentasse atravessar seria chacinado. Esperei uma melhor hora. Olhei para o céu. Um céu azul cheio de brilho.

Criei coragem e adiantei um pouco.Com o bico do sapato tateei o meio fio. Olhei para os lados. “Era agora ou nunca!”

Subitamente apareceu outro que passou de óculos escuros, celular na mão, gritava ao falar, e que de quando em quando, socava o ar, no ritmo da “musica” falando algo de minha “bundinha”. Apavorei-me.

E eu as margens, esperava a correnteza abrandar. Outros tentavam também. Uma velhinha adiantou-se e um transeunte gritou:

-Olha a velhota! Uma bicicleta lhe pegou ao meio. Mais na frente bicicletas e motocicletas zigue- zagueavam de um lado para o outro,brigando entre si., como peixes rio acima, durante a piracema. Não só passavam por cima de tudo que viam , como não respeitavam o sentido da via. Vinham de ambas as direções. O sinal fechou. “E agora!” Pensei.

Pus um pe timidamente no asfalto, quando veio, subitamente algo deslizando e chocou-se de encontro as minhas canelas: Era um skartista que perdera o equilíbrio, quase me fazendo perder o meu. Respirei profundamente e contei ate dez como falam os manuais. Já estava quase desistindo, quando apareceu no inicio da rua, uma mocinha na direção: Como um cisne no lago, guiava tranqüilamente, deslizava no transito como no espelho d’água, parou e me deixou passar sorrindo-me. Os outros buzinavam ferozmente, xingavam-na, chamando-a de meia roda, vai pilotar um fogão e outras idiotices mais. Todos uns machistas idiotas: pensei.

Agradeci com um aceno. Correra todo o risco por mim. E anotei a placa.

No outro dia atirei-lhe uma cantada na cara.

Fazenda da cachoeira


Fazenda da cachoeira

stava eu ali, montado no barranco, caniço na mão,pescando lambaris. Sabiás cantavam em volta seus pios melodiosos. A natureza conspirava para uma grande pescaria: O cenário em volta, a tralha certa, um riacho risonho, que vinha sereno e mansinho, e que caia em três cascatas, formando cacimbas e remansos que davam para banhar-se por ali.

Único empecilho: Muito pernilongos que voavam em nuvens, sugando meu sangue com alto teor alcoólico. Eram muitos. Diabólicos.A cachaça e os torresmos dormiam na vasilha.

Fui levado para lá, por amigos, preocupados com minha saúde, pois me encontrava estressado, falando coisas com coisa, sem nexo, meio desiludido. Uns romances a fazer que não saiam, outras poesias sem rimas, o site de contos, na grande rede, não tinha visitas, não tinha um leitor sequer, isso tudo me desencantava da vida.

No primeiro momento relutei:Tinha diversos compromissos, que se iam acumulando.

Enfim, larguei tudo, joguei os problemas para o alto. Afinal a saúde vem primeiro. Agora via que todos tinham razão. Pairava no ar de tão leve.. Agora estava ali, matando mosquito, sentindo o afago das matas.

Preparei uma pequena bolinha de massa caseira, enfiei na ponta do anzolzinho dourado e esperei: Os peixinhos beliscavam. Era assim: Isca jogada na água, antes de ir ao fundo, a bóia amarela balançava e afundava, e eu puxava-os deliciosamente para cima, trêmulos no ar. Isso me excitava. E foram horas intermináveis assim, de grande contentamento: Os problemas não existiam.

Uma lagartixa sorrateira, passou ao meu lado correndo, saltou um galho seco no caminho, subiu na rocha, e por fim,balançava a cabeça para mim: Tudo era felicidade.

Pensei em um romance que li e reli recentemente: O velho e o mar. Que bela escrita. Que felicidade tivera aquele “velho”, em sua grande pescaria. Que orgulho sentira.

Fisguei um lambari num grande anzol de trairão, e lancei-o no remanso. Quem sabe? Tentar um peixe maior. Deixei quieto, parado. A traira e peixe desconfiado. Fica lá no fundo, quieta.

Os grilos cantavam nos capins, um bem te vi voou cantando. Eu tentava mimetizar com a natureza. Como camaleão, sem ser notado.

A fazenda era antiga, com grande casarão, janelas azuis, muitos quartos, todos iluminados pelo sol: Era daqueles casarões mineiros, que abrem os braços em afagos, as galinhas no quintal, ciscando felizes...a boa comida....

Lateralmente, um grande bambuzal, aonde vinha cantar, as rolas fogo- apagou, nos finais de tarde. Ladeando, o pomar, com as doces jabuticabas, o laranjal e goiabal. Mais adiante, margeando o córrego, uma mata virgem, onde cantavam o trinca ferro boi.

Fugia do calor.Era meio dia.

Na cidade estaria no transito caótico, confuso, cabeça inchada de problemas.Pensei

O sol estava no centro do céu azul, imponente, irradiava seu calor sobre a terra.

Encostei-me numa pedra lisa, e fiquei ali, olhos fechados , relaxando, cheirando a natureza. As minhocas no caneco, se mexiam, tentavam sair.

Por uma vereda, rente ao rio, enquanto eu cochilava, desceu uma negra, vestia uma roupa leve de linho. Olhou para a cachoeira, em volta encantada, inspirou o ar cheiroso das matas e se despiu. Jogou seu vestidinho nas pedras. Suspirei. Seria sonho? Aqueles sonhos, em que corremos atrás de pessoas sem rostos, por ruas escuras e sombrias, e que súbito desaparecem, sem deixarem vestígios!E deixa-nos na gente uma melancolia. Esfreguei os olhos incrédulos. Estava só de calcinha.

Era uma bela mulher de músculos rígidos, conseguidos, nas ladeiras íngremes do relevo mineiro. Quisera me anunciar. Não era correto vê-la em momento tão intimo. Invasão de privacidade. Pensei.

Foi quando, a vara grande, tremeu. Anunciava um grande peixe pelos grandes arcos que a vara formava. “Por sorte fixei-a bem”. Havia cortado uma boa vara de bambu, encastoado o anzol. Agüentaria o repuxo?

Uma cigarra cantou bem perto de mim.Na pedra, a mulher se desvencilhava da calcinha. Não queria perder o espetáculo por nada: Fiquei o mais quieto que pude a observa-la. Perderia o peixe ou renunciaria o espetáculo? Oh! Triste dilema, vai peixe cruel! Ter ou não ter eis a questão.

Ela sem me notar, colocara o pezinho na lamina da água, testando-lhe a temperatura, e com um arrepio, retirou-o rapidamente. Uma sereia. A cascata marulhava, suas águas límpidas, e caia em três grandes quedas. Subia milhares de gotas fininhas, formando com o sol um pequeno arco íris. “Todo final do arco íris tem um tesouro”. Pensei

Entrou lentamente na água fria, enrijecendo por completos os pequenos mamilos.

Morava na comunidade. Descendiam de antigos quilombos. Seus pais, se arriscaram pela liberdade. Liberdade esta, tão querida, ao toque da água.

Lembrei da primeira mulher que vi pelada há tempos. Muito estranhei. Era um reguinho comprido, em direção as pernas, pequena, branca, sem pelos. Era como uma fechadura. Conseguiam os meninos a chave?

Via perto de mim, agora, a vara, envergar quase ao chão. Segurei-a. Só quem já pescou um dia, sabe o que e que eu estou falando: A vara toda envergada na mão, o peixe puxando toda a linha. Depois puxava- a para mim. Mostrava quem mandava. Usava a técnica. O peixe queria escapar indo para o fundo, para o lado das galhadas. Segurei-o. Tempo depois, ele se entregou:

Virou para os lados, abriu a boca, cansado. Era grande e escuro, um belo espécime, olhos ferozes. Puxei-a para o capim. De relance vi uma coisa interessante: No anzol um lambari, atrás dele, um trairão menor, e após estas outras sucessivas ate a maior, jamais vista.

Com forca balançou a grande cabeça, e com estrondo sumiu na água profunda.

Nas pedras, a mulher vestiu-se calmamente, me acenou e partiu. Esta tinha pelos. Pelos escuros, todo enroladinho, como a cabeça de um anjo. Juntei as tralhas

Contei depois para todos, como eu deixei fugir o maior peixe da vida. Ninguém acreditou: Historia de pescador, diziam.

Voltei muitas vezes depois, ansioso por reencontra-la, jamais a vi novamente.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Rubro

Manha de domingo, sol claro de setembro.

Um homem se levanta.

Esses movimentos, muitos fazem, semelhantes. Uns apressados outros devagar, uns tristes outros alegres, movimentos ordinários do dia a dia. Indefesos.

A cidade sorria, a natureza em flor. Tudo era felicidade.

O sangue circulava satisfeito por suas artérias e veias, levando calor e vida aos extremos.

O domingo lhe doía mais.

Vai ao banheiro e se observa no espelho. Cerra os dentes num gemido rouco. Seria humano? Essa pessoa ou coisa? Talvez um bicho, desgarrado de sua manada. A barba por fazer, a mente em turbilhões, uns olhos frios de murchar roseira.

Passa a espuma no rosto, pega da navalha, mas não consegue se barbear. Sente uns torpores, umas tristezas, dificultando-lhes os movimentos, como nos pesadelos infantis.

O monstro noturno se aproxima cada vez mais rápido e ele lento como ao correr sob água parada tirava-lhe a forca para o escape, e sentia-se presa fácil, inerte se entregava a sua destruição. Mãos bolinaram-no no escuro.Envelhecera.

Seus músculos, nervos e tendões, não o obedeciam como antes. A campainha toca, mas ele não se move. A luta era desigual. Ele contra as forcas ocultas. Como vencer o medo do obscuro?

O cérebro, um amontoado de nervos e massa cinzenta, inoculada de sangue mal. Impregnava-o

Baixa lentamente a cabeça e observa os pés: Estavam fincados ao chão, como raízes. Como fugir do passado tão preso nas entranhas?

Ver-se no espelho de soslaio. Irreconhecível.

Cadê o ser juvenil de outrora? E o riso na cara larga? E todas as suas mascaras? Agora se sentia uma ilha, na solidão do banheiro. Só. Agora era ele contra si. A solidão lhe doía n’alma.

O chuveiro ligado caia pingos brilhantes e escorria ao ralo.

A campainha insiste e tudo o que ele faz e fechar a porta do banheiro.

Trepado em uma perna, sacode a outra num esforço pesado, e estronda a porta atrás de si. Pega a navalha, olha-se fixamente no espelho e corta as carótidas. A água no ralo se tingem de vermelho. Rubro.

O velho e a onda



O homem chegou ali, mancando, trôpego, sentindo na carne o bafo da antiguidade. Tinha quase um século de vida. Depois de sentar-se, jogou como fazia todos os dias, pão aos pombos.

Perdidos por ali voavam, juntos com as aves marítimas, atrás de comida. Lixo que os turistas mal educados deixavam para trás.. Final de tarde.

A brisa soprava macia. Ajeitou-se na cadeira e fitou o horizonte.

Uma gaivota voou mansa, planou contra o vento, parou por um instante, e mergulhou na onda azul. Trouxe a presa no bico.

Viu alem um grupo de jovens em algazarra.Pardais coloridos. Vieram-lhe recordações. Os doces beijos da juventude.

Abriu o jornal, leu algumas linhas, deixou cair sobre os olhos fechados. Cochilou. Uma voz despertou-o.

-Miro e o senhor?

Defronte uma jovem cheia de carnes e cores. Usava biquíni. Sobre, uma mini transparente.

-Valdomiro... Enrugando a testa,....Miro para os íntimos. Qual sua graça? (Sorriso nos lábios).

-?...

-Como se chama?

-Vilma, mas pode me chamar de Vivi.

Olhou-a no fundo dos olhos azuis.

-Valda me falou do senhor...Posso chamá-lo de Miro?

-Era segredo. Prezo por isso.

-Sou amiga, sua melhor.

-O que ela lhe contou? Baixando o jornal e dobrando-o sobre os joelhos.

-Tudo. Todas as brincadeiras. O velho tremeu as mãos, sorriu nervoso.

-Era segredo de tumulo.

O pezinho enfiou-se na areia, jogando um pouco para os lados, baixou a cabeça sem graça.

-Sonhava com esse momento... O velho pensativo tirou os óculos. Uma couraça se formou indelével como nos lobos.

-O que você quer?

-O mesmo.

Suores cobriram-lhe o rosto

-Mais você e só, uma menina.

-Preciso.(carente)

-O perigo ronda perto.

-Sou um tumulo.

A boca seca dificultava a fala.

-Não sei...

De onde estava via o mar sobre as coxas. Um azul profundo.

Lembrou-se da mulher.Não gostava do litoral. “A areia lhe pinicavam a pele, deixavam-na sem brilho e alem disso a envelhecia”.

Os filhos cada qual para seu canto: O mais velho engenheiro de uma multinacional e a filha advogada de renome.Os netos quando vinham, aborrecia-o com suas pirraças.Gostava de viver só. Era ele e a empregada que lhe fazia a comida e era uma verdadeira enfermeira. Aposentou-se do serviço publico como juiz federal.

Cansado das aglomerações se refugiava na praia. Um longo silencio.

-E a Valda , por onde anda?

-Caiu na estrada com um caminhoneiro.

-Sempre fora louca...E os parentes?

-Estão a mingua.

-Que pena... Esta esfriando. Vou subir.Quer substitui-la?

-Não sei se mereço.

-Seus olhos...Sofridos.

Levantou-se devagar, olhou em volta, segurou-a pelo queixo.

-Talvez...Talvez...

-Na vida há enganos. Com as mãos faz trancas, feito criança.

-Onde posso te encontrar?

-Por ai... O chicle no canto da boca.

Pega do jornal e sai batendo nas pernas ritmicamente, acompanhando seus passos um após o outro. Alcançou o calçadão. Dois olhos tristes seguem-no. De longe acena.

Ela corre como se perdesse o ultimo ônibus. Aproxima sôfrega.”Obrigada”.Ele olha para os lados com o dedo no silencio dos lábios.

-Sobe pelos serviços. Apartamento 304.

Na sala sentada no sofá se deslumbra com o luxo. Pega biscoitos sobre a mesa e come avidamente. Miro acende o charuto. O cheiro invade a sala.

-Pega meus óculos ali, indicando a estante. Liga o som. Dança para mim.

-Minhas pernas...

-O que tem?

-Gosta? Estica-as quase o tocando com as pontas dos dedos.

-Tão macias...

-De-me um beijo.

-Não. Sou difícil.

-Já transou?

-Nunca. Sou virgem.

-Guarda para quem?

-Hum... Para um príncipe. Quiseram-me penetrar quando criança...Na ultima hora ele arrependeu-se... Irmão não serve para isso... Depois foi meu pai. Fugi de casa.

-?!

-Sua mulher como ela e?

-Ela tem cabelos brancos como eu.

-Toma conta do senhor?

-Do dinheiro somente.

A paixão arde como fogo diz a canção.

A voz rouca ainda mais aflita:

-A blusa, tira? Ela sorrir pensativa.

-Meus seios não são grandes coisas...Envergonhada.

-Não me incomodo...Dos menores frascos as melhores fragrâncias...

Toca-a com os dedos trêmulos.

-Os bicos são rosas.

-Quantos anos têm?

Cobre-os com as palmas.

-Deixe-me vê-los.

Pêssegos maduros. Prensa entre os dedos os mamilos.

-Quero-a para mim.

-Todos querem. Arfa o peito como uma pomba. Ao longe o estrondo das ondas.

Distancia-se.

-Vamos brincar de boneca?

-Vamos começar que e tarde.

-Sou seu filhinho

-Venha mamar

-Quelo sim. E suga-a aflito.

-Dispa-se. Trás a maquina e o tripé.

-Empine o bumbum. Isso. Agora mostre sua flor. Ma-ra-vi-lho-sa! Deixe-me toca-la.

-Não!

-Te chuparei como a um picolé...Farei-te sentir mil gozos...Sem tirar pedaço algum...

-Tenho medo

-Da-me um beijo, pois posso enlouquecer...E na loucura não sei o que será de ti...Cheiro fresco de fruta. Que lindos são os seus botões de rosas.

Os pés pequenos, o esmalte vermelho descascando.Ela levanta-se e faz pose com as mãos na cintura. Carinha sapeca. O púbis preto de pelos sedosos.

-Agora chega! Veste-se rapidamente. Voltou a cara triste.

-O que foi? Ele te ama como eu?

-Muito alem...

-Pago bem.

-Não tem preço...

-Amanha, talvez? Agarra-a pela cintura beijando-a com sofreguidão. Desvencilha-se dele. Pega as notas e some no elevador.

******

Lá fora o namorado a espera, aborrecido.

-E o velho, se portou bem?

-Como todos, uns cínicos. Fedem as maresias.

Mostrou as notas novinhas.

-Vamos! E saíram correndo. As gaivotas assustadas voaram pra longe.

Da janela o velho os observa. Entra, veste o roupão, e baixa as fotos na internet.

O desejo corre o mundo.