quinta-feira, 31 de julho de 2008

Inocência

Há um vazio no meu interior. Meu longo corpo cilíndrico encontra-se todo machucado e contorcido. Jogaram-me na sarjeta e meus inúmeros ossos estão quase todos quebrados, assim não consigo me arrastar para lugar algum.

Todos me evitam.

Como sempre observam o exterior das criaturas. Não notam que tenho sentimentos e que também gosto de carinho. Creio que no estado lastimável em que me encontro mereço ao menos respeito.

Estou faminta. Rastejo sofregamente até uma sombra e refresco-me debaixo de uma árvore. Olham-me com nojo e medo. Sinto-me fraca e dependente.

Um menino pega uma vareta e me cutuca. Sinto dores lancinantes. Creio que não tenho salvação. Acusada desde o princípio de incitar ao pecado sou verdadeiramente uma controladora da natureza. Alimento-me de ratos e camundongos. Creiam: Não sou má. Só cumpri o meu dever. É minha intuição.

Agora alguém me atirou uma pedra. Suplico: ”Deus! Não me abandone!” Sinto-me quase como seu filho, apedrejado nas vias publica e crucificado. Que audácia! Pensaste. Comparar-me ao filho doHomem.

Junto às últimas forças e tento fugir. Sinto-me triste e oprimida.Queria que o chão cedesse sob mim e jogasse-me em algum buraco. Como sou odiada! Como é deprimente sentir-se assim! Como queria ser amada e idolatrada por todos.

Mais pessoas se aglomera. Sinto o sol quente sobre a pele. Vejo-me nos dias felizes e sinto que não sou feia. Achava-me bela quando deslizava no momento em que ouve o desastre. O carro me acertou em cheio. Meus escamas no momento brilhavam ao sol.

Agora penso de si para si: Não sou culpada de nenhum desvio de conduta que me imputam. Sou sim, e me vanglorio disso, de ser a causadora do despertar do conhecimento humano. O que seria eles sem mim? Pobres autômatos na terra.

Sinto-me cansada com tudo isso. Enrodilho-me e deito a cabeça sobre o corpo esguio. Com esse movimento me interpretam em pugna. Se me dessem o instinto de chorar, agora vertia lágrimas.

Olho a multidão que se formara. Não compreendo tanto ódio e rancor por uma criatura que só quis mostrar o caminho do conhecimento e da felicidade. Sem isso estariam até hoje no período das trevas. Agora são possuidores do livre arbítrio, capazes de nomear e de discernir entre o bem e o mal.

Por que fui causadora de tanto engano? Porque á maldição? “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre sua linhagem e a dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar (Gn.3,15)”.

Súbito a multidão se abre deixando passar uma mulher. Olha para mim. Inicio uma oração.”Talvez... seria possível! Em volta ouço gritos”:

- Mata! Mata!

Fecho contrito os olhos.

Violentamente sinto minha coluna despedaçar-se em pedaços. Na angústia da morte vem-me um pensamento: “Como sinto não ter usado na mulher, toda minha peçonha!”.

Uma voz ecoa no vale: ”Deixem-nos! Eles não sabem o que fazem”.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Dores

Das dores, a maior...(Parafraseando Miguel Falabela)

De:Marinaldo L Batista

Á vida é cheia de dores:

De dente, ouvido, garganta...E tantas que poderia citar

Mas há maiores, bem sabes.

Eles, os poetas, falam que é a saudade. Discordo.

O que é a saudade senão um coração cheio de vida...

De recordações, tantas...

De um beijo roubado

De um olhar

Do cheiro de café numa manhã de domingo na casa da mãe.

Dos amigos que se foram ou ausentes.

Do pequeno povoado que nos viu crescer...

Porem maior que a dor física, bem sei.

Saudade é lança que transpassa o coração e a alma.

Com o passar do tempo transforma para sempre em marcas.

A dor maior, contudo é o vazio.

O vazio...O vazio.

Nesse não há salvação, só lamento.

E uma queda livre no escuro.

É o cabo das tormentas.

É como um turbilhão que nos puxa para o fundo.

O fundo de nós mesmos.

E lá, O vazio...

Imenso.

Assim das dores prefiro a saudade.

Mesmo com o coração ferido e que ao sangrar encontrarás recordações tantas...

Amores perdidos... Não vividos...Transformados talvez em poemas...

Talvez nem tanto...Somente em lagrimas secas pelo vento.

Recordações essa, guardadas a sete chaves e que num final de tarde, buscamos para amenizar nossos tormentas.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pela janela



Pela janela

Um homem passa...

Um carro também...

Devagar.

Passa a estudante com seus sonhos...

Amores contidos.

Um cachorro vadio.

Passam as nuvens, as horas...

Pensamentos bons e maus

Inquietantes, incontinentes...

A vida das gentes,

Escoa entre os dedos do tempo...

Indiferente.

Artigo


Uma opinião: Marinaldo L Batista

“Enquanto uns países o aborto é penalizado por lei, noutros pode ser feito mediante autorização prévia. Cerca de dois terços das mulheres de todo o mundo têm acesso ao aborto legal e aproximadamente uma parte vive em países nos quais o aborto está estritamente proibido. Em alguns países, o aborto solicitado pela mulher é legal durante os primeiros três meses de gravidez. Depois desse tempo, o direito ao aborto está sujeito a diferentes condicionantes em cada estado. Em determinados países, cerca de 30 % de todas as gravidezes terminam devido ao aborto, o que o converteu num dos procedimentos cirúrgicos mais freqüentes.” Parte retirado de um artigo de : Hellen Duarte

A vida, este bem maior, dada por Deus, desde a mais ínfima criatura ao homem (este pertencente ao ápice da cadeia de criação), e sagrada.

Desde a concepção, foram criados mecanismos diversos para sua defesa. Os exemplos são muitos na natureza, e só observa-los: A borboleta cria o casulo para sua proteção, ate a metamorfose da lagarta onde voa exuberante em cores a liberdade. As aves procuram construir seus ninhos a distancia dos predadores e estes são em números reduzidos; O canguru e os gambás, só para citar dois, possuem bolsas nos ventres, para carregar os filhotes protegidos, ate seu desenvolvimento; A mulher seu ventre cresce, enchendo-se de liquido, único e exclusivamente, para a proteção de sua cria.

O direito de viver e inalienável e único, estando acima de interesse de qualquer natureza –seja de moral, ético ou cientifico.

Se Deus criou toda a natureza convergindo esforços a preservação da vida, torna-se abominável àquele que luta em prol do aborto e eutanásia.

Tirar a vida de um ser, e crime contra Deus e toda natureza.

E a vida sendo, o principio de tudo, defendida por todos os poderes naturais e espirituais, os homens continuarem nessa disposição, arrastados serão, a humanidade a opressão e perdição.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ana e Abel


Ana e Abel

Na estrada poeirenta, um ônibus lotado, corta as serras em marcha reduzida. A paisagem passa como num quadro na janela. Para a maioria, das pessoas ali era enfadonho, olhavam-na com desdém. Porem intimamente um velho encontrava no seu coração encantos que lhe foram queridos.

Um garoto da poltrona da frente, abre a janela, e deixa entrar uma brisa conhecida. Era o cheiro das pastagens verde, dos umbuzeiros, dos marmeleiros e tudo o mais que trazia recordações, tantas.

Há muito que planejara aquela viagem, sendo possível agora depois de tão longos anos. Via ali retalhos de sua vida. A grande barragem e a torre da igreja surgiam em todo seu esplendor, nos olhos arregalados do sol; encantado. Fora feliz ali.

Inspirou vagarosamente como se fosse a primeira vez, o ar fresco da manha.

O garoto irrequieto grita:

-Olha um povoado mainha.

-Não amole menino, por causa de uma reles vila!Deixe-me dormir.

O ônibus desce a rua principal, gemendo sobre os paralelepípedos, contorna a praça principal, passa a igreja.

O atrito dos pneus acorda um bando de andorinhas, que voam em volta da torre, quando o sino badala cinco horas. A cidade acorda lentamente.

Abel era o nome do homem.

Há muito tempo, atrás, saíra dali a correr mundo, atrás dos sonhos. Depois descobrira, que ser feliz lá fora, longe de tudo e dos seus, era sofrido e quase impossível.

A felicidade era algo difícil e inatingível.

Nunca compreendeu porque seu grande amor, depois de mil juras, sumira sem deixar vestígio. Jamais a encontrou novamente.

Já fizera mil vezes mil, aquela viagem, no mesmo horário, na mesma poltrona, agora um pouco encardida. Na conta do tempo, a eternidade.

Puxa a cortina com mãos tremulas, fecha os olhos e perscruta o fundo da mente. Ver vestida de branco a imagem de uma jovem. Os cabelos voam ao sabor do vento. Sorria.

Ele retira do bolso, um pequeno papel roto, onde contem um poema. Lê em voz baixa.

O ônibus para na pequena rodoviária.

As pessoas arrastam seus pertences, e vão despedindo do motorista. Ele esta só, sem bagagem. Só o poema e seu destino.

Despede-se do motorista, e passeia na praça deserta, a mesma que lhe vira crescer correndo entre os canteiros floridos. Sobe os degraus e chega ao adro, senta-se no banco, que quando jovem sentava e sentiu o calor dos olhos que o espiavam, por entre a renda escura. Entra na pequena igreja. Ajoelha-se e faz o sinal da cruz. O ar denso como se fosse um sonho. Como explicar o inexplicável? Voltava ali a flor da idade, naquele fatídico dia com diploma na mão e agora estava velho.

-Que me aconteceu? –Pensou. Não era sonho. Um estrondo naquele momento quebrara o silencio e uma forca extraordinária rasgou o metal como finos tecidos, deixando todos perplexos e amedrontados. Quando silenciou o terrível barulho de coisas retorcidas, ele andou sobre a desordem em que se encontrava no interior do veiculo. O que vira chocou-o sobremaneira.Restos de poltronas e malas jogados de lado e corpos desfeitos em agonia. Súbito como acontece com todo ser, na lei da sobrevivência, no egocentrismo do ser humano, toca-se primeiro, no desespero de estar ferido. Ufa! Saíra ileso observou. Os membros se encontravam inteiro e por sorte nada lhe faltava no lugar. Só o pequeno papel que trazia nas mãos, despreendera-se das suas mãos ao choque e o inocente poema pousara no corredor manchado de sangue. Olhou para fora. A paisagem era a mesma dos dias bonitos do sertão. O dia estava claro e o sol brilhava. Porem uma melancolia tomou-lhe conta por momento. Correu ao alcance do papel. Pessoas cruzavam seu caminho em desespero. Gritos ecoavam por todos os lados, como no inferno de Dante. Como seria bom despertar daquele pesadelo? –Pensou.Porem tentou de todas as maneiras possíveis.Não era aquele da infância, em que sonhávamos sabendo que, a qualquer momento poderíamos acordar. Tínhamos o destino nas mãos: Se bom, prolongávamos o mais que podíamos. Se ao contrario, ruim, teríamos somente o trabalho de abrir os olhos.

A imagem era forte, tinha corpos despedaçados por todos os lados. Oh! Deus, que tristeza! Vidas que jamais chegarão a seus destinos. Lamentava pelos conhecidos eventuais, embora não sendo amigos íntimos, a viagem lhes aproximaram. Para onde iriam? Perguntava desconsolado. Em todos os destinos, haveria uma espera em vão. Alguém choraria, e os soluços se perderiam na distancia. Correra a sua poltrona. Onde estariam seus pertences? Estava completamente arrasado.Acabara de tomar nesse momento uma importante resolução. Tirou devagar o poema do bolso e entregaria a sua amada. O tempo e inexorável. Vivamos a vida hoje, como se fosse o ultimo. Para que o orgulho, e todas essa mazelas que nos entregamos no dia a dia, se no final o que importa e o amor. E todas essas coisas materiais que nos faz tanto “bem”, não nos levam a lugar nenhum. Isto de pensar que e melhor que os outros, e que merece mais consideração e somente vaidades fúteis.

Queria sair dali, pois se achava oprimido, e não tinha como ajudar, pois todos estavam nas mãos de profissionais. Procuraria Ana e lhe pediria perdão. Olharia no fundo dos seus olhos e como uma nau perdida pediria orientação.

Olhou para o relógio no pulso. Deus! –pensou. O relógio parou. O tempo tinha passado e via que o sol estava mais quente e as cigarras cantavam mais forte àquelas horas.Se não houvesse havido esse contratempo, estaria todo em seus destinos. Lembrou-se agora das comemorações de Santa Rita, a padroeira do município. Teria começado? Este grande acidente mancharia este dia? Lembrou-se de anos passados, das quermesses, dos parques de diversões, dos bilhetes trocados, do dia em que a vira pela primeira vez. Ela estava vestida de branco, imaculada, fazia a primeira comunhão. No adro da igreja beijara pela primeira vez. Sinos tocaram na torre espantando as andorinhas. Ela correu para longe envergonhada. Saberia agora ela deste acidente? Se souber, encontrava-se preocupada. Sua ausência a deixava mais sofrida. Tinha que avista-la mais rápido avisando da sua sorte, evitando assim tanto sofrimento. Seus olhos encontraram-se com os do menino do banco da frente: Estupefatos. Olhavam-se como quem não se viam. Era evidente que estava bem, pois se apalpara todo, e somente sentia um pouco de frio e uma melancolia. O corpo se achava todo dolorido, que não era para menos, vinham de uma longa viagem. O resto estava bem. Havia um barulho de serra cortando metal, e um horrível clamor que vinha de fora. O ônibus chorava. Lamentos vinham de todas as direções, tentou acalmar os ânimos. Levantou-se e disse:

-Calma que o socorro já vem! Todo o alarido talvez não tenha deixado o ouvi-lo.

Alguém gritou de fora com uma voz sofrida.

-Abel! Meu Deus! Ele lá esta.

Sua vontade fora sair dali, ir ao hotel, tomar um banho refrescante, jantar, as seis horas fazer uma oração, e depois sair ao encontro do amor. Sussurrou baixinho “Ana”.Mas aquilo tudo o deixou limitado, a voz um pouco falseava, talvez emocionada. Os outros não o entendiam.

Levantou-se com uma certa facilidade e saiu. Achou um pouco interessante cruzar pelas pessoas como que as transpassava. Isto o deixou extasiado. Tentou chamar a atenção dos outros porem estava impossível, talvez devido ao grande tumulto. Movimentava os braços como um pendulo, agitava-os em todas as direções, observando contrito que ninguém o observava. Pensou encher os pulmões e juntar todas as forcas num grito. Talvez assim os notassem. Mas o ar da tarde não o inspirou e o cheiro doce que exalava dos marmeleiros tornara-se inodoro agora. Assim a brisa da tarde tal como um raio-X atravessava-o. Enfurecido reuniu todas as forcas e impulsionou-se no ar. Atravessou o teto do ônibus e ficou pairado a uma distancia e altura como se estivesse sobre uma montanha, e dali via tudo em seus detalhes, minuciosamente. Sentira uma opressão no coração.O ônibus estava jogado num canteiro, e sobre ele, rasgando-o ao meio, uma carreta carregada de madeira. Impossível alguém sobreviver aquele acidente. Persignou-se. Dera muita sorte. Pessoas vestidas de branco e vermelho corriam de um lado para outro. Olhou em volta aturdido. Viu as ruas de sua infância. Isto lhe trouxe uma calma. A grande barragem se encontrava deitada, como um grande réptil. De um lado as águas geladas de mãe dágua do outro um pequeno rio que serpenteava entre as gramas verdes separando a pequena cidade. Coremas. De um lado o D.N.O.C.S(Departamento nacional de obras contra as secas), bairro proletário, e de outro o centro, dos comerciantes e pescadores. Aquelas ruas simples vira toda sua infância. Os banhos de rio, os jogos de bola, o açude grande, correra todos os recantos que ficaram como filmes em sua lembrança. E foi ali que conhecera Ana. Ana era pequena e tímida. Tinha os olhos de farol. Grandes faróis que mostravam o caminho às naus perdidas. Para quem aqueles olhos fitavam agora? Sentiu uma pequena vertigem, talvez o medo de altura. Impossível ficar aquela altura. Teria que tomar a atitude correta. Ouviu soluços distantes. Disse a si mesmo: Tenho que ajudar meus semelhantes. Não devo me preocupar, pois alguém procurara por mim. Foi descendo devagar como um balão que lentamente perdia o gás. Quando chegou rente ao chão, vira Ana aos soluços. Chorava beijando alguém que jazia deitado a seus pés. Aproximou-se cuidadosamente, enciumado. Por quem vertia tantas lagrimas? Sentiu-se traído e sofria com tanta infelicidade; quando fitou e reconheceu-se naquele cadáver. Ana tinha o poema nas mãos, e chorava desesperada. Ele calou-se a despeito de tudo. Ouviu ainda alguém retira-la segurando-a pelos ombros, dizendo:

-Vamos! Tenha forca! Tudo esta acabado!

O silencio era mudo, negro, completo.

O ônibus coberto com um grande plástico escuro. No alto as estrelas brilhavam numa linda noite de vaga-lumes.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Uma aventura inóspita


Uma aventura inóspita

A

conteceu comigo, numa manha de segunda. Fazia muito calor.

Cidade pequena, do interior.

Resolvi comprar, uns jornais na banca mais próxima.Sai bem humorado desejando um bom dia a todos que encontrava, sem antes gozar com alguns vascaínos, conhecidos meus, que passavam apressados indo ao trabalho. No domingo o flamengo alcançara a tão almejada vitória: sagrara-se campeão do rio.

Aproveitando os furos da agenda naquela manha, havia vários horários vazios, tempos bicudos aqueles,leria prazerosamente o jornal do dia, curtindo mais demoradamente a vitória do meu time. Puro engano.

O que eu encontraria a seguir era uma selva, uma selva de pedra.

Desci a rua João Guilhermino, calmamente e desemboquei na São Jose, sentido ao centro. Assustei-me!

Não conseguia atravessar a estreita rua.

Em frente ao sinal que existe ali, sobre a faixa de pedestre, onde cruzam as ruas: Duque de Caxias com a Beira rio, me fez senti acuado. Amedrontado.

Senti-me diante da rua como diante, de um rio, infestados de feras,.em plena selva. E creiam, na selva os animais se respeitam mais.

Tentei manter a calma e esbocei um sorriso.”Fica calmo!” Levei a ponta da língua lentamente e passei no palato, sentindo as nervuras gengivais. Isso me fazia mais calmo. Mãos nos bolsos, com os dedos nas moedas: tilintava-as. Senti-me inseguro.

Na rua passavam caminhões como rinocerontes aos solavancos roncando, soltavam ruídos e fuligens para todos os cantos. Ensurdecedor. Recuei.

Os carros de passeio, com vidros negros, lúgubres,levavam gentes furiosas, e estes gritavam em estrondos “vou te da uma atoladinha”. Tremi. Se tentasse atravessar seria chacinado. Esperei uma melhor hora. Olhei para o céu. Um céu azul cheio de brilho.

Criei coragem e adiantei um pouco.Com o bico do sapato tateei o meio fio. Olhei para os lados. “Era agora ou nunca!”

Subitamente apareceu outro que passou de óculos escuros, celular na mão, gritava ao falar, e que de quando em quando, socava o ar, no ritmo da “musica” falando algo de minha “bundinha”. Apavorei-me.

E eu as margens, esperava a correnteza abrandar. Outros tentavam também. Uma velhinha adiantou-se e um transeunte gritou:

-Olha a velhota! Uma bicicleta lhe pegou ao meio. Mais na frente bicicletas e motocicletas zigue- zagueavam de um lado para o outro,brigando entre si., como peixes rio acima, durante a piracema. Não só passavam por cima de tudo que viam , como não respeitavam o sentido da via. Vinham de ambas as direções. O sinal fechou. “E agora!” Pensei.

Pus um pe timidamente no asfalto, quando veio, subitamente algo deslizando e chocou-se de encontro as minhas canelas: Era um skartista que perdera o equilíbrio, quase me fazendo perder o meu. Respirei profundamente e contei ate dez como falam os manuais. Já estava quase desistindo, quando apareceu no inicio da rua, uma mocinha na direção: Como um cisne no lago, guiava tranqüilamente, deslizava no transito como no espelho d’água, parou e me deixou passar sorrindo-me. Os outros buzinavam ferozmente, xingavam-na, chamando-a de meia roda, vai pilotar um fogão e outras idiotices mais. Todos uns machistas idiotas: pensei.

Agradeci com um aceno. Correra todo o risco por mim. E anotei a placa.

No outro dia atirei-lhe uma cantada na cara.

Fazenda da cachoeira


Fazenda da cachoeira

stava eu ali, montado no barranco, caniço na mão,pescando lambaris. Sabiás cantavam em volta seus pios melodiosos. A natureza conspirava para uma grande pescaria: O cenário em volta, a tralha certa, um riacho risonho, que vinha sereno e mansinho, e que caia em três cascatas, formando cacimbas e remansos que davam para banhar-se por ali.

Único empecilho: Muito pernilongos que voavam em nuvens, sugando meu sangue com alto teor alcoólico. Eram muitos. Diabólicos.A cachaça e os torresmos dormiam na vasilha.

Fui levado para lá, por amigos, preocupados com minha saúde, pois me encontrava estressado, falando coisas com coisa, sem nexo, meio desiludido. Uns romances a fazer que não saiam, outras poesias sem rimas, o site de contos, na grande rede, não tinha visitas, não tinha um leitor sequer, isso tudo me desencantava da vida.

No primeiro momento relutei:Tinha diversos compromissos, que se iam acumulando.

Enfim, larguei tudo, joguei os problemas para o alto. Afinal a saúde vem primeiro. Agora via que todos tinham razão. Pairava no ar de tão leve.. Agora estava ali, matando mosquito, sentindo o afago das matas.

Preparei uma pequena bolinha de massa caseira, enfiei na ponta do anzolzinho dourado e esperei: Os peixinhos beliscavam. Era assim: Isca jogada na água, antes de ir ao fundo, a bóia amarela balançava e afundava, e eu puxava-os deliciosamente para cima, trêmulos no ar. Isso me excitava. E foram horas intermináveis assim, de grande contentamento: Os problemas não existiam.

Uma lagartixa sorrateira, passou ao meu lado correndo, saltou um galho seco no caminho, subiu na rocha, e por fim,balançava a cabeça para mim: Tudo era felicidade.

Pensei em um romance que li e reli recentemente: O velho e o mar. Que bela escrita. Que felicidade tivera aquele “velho”, em sua grande pescaria. Que orgulho sentira.

Fisguei um lambari num grande anzol de trairão, e lancei-o no remanso. Quem sabe? Tentar um peixe maior. Deixei quieto, parado. A traira e peixe desconfiado. Fica lá no fundo, quieta.

Os grilos cantavam nos capins, um bem te vi voou cantando. Eu tentava mimetizar com a natureza. Como camaleão, sem ser notado.

A fazenda era antiga, com grande casarão, janelas azuis, muitos quartos, todos iluminados pelo sol: Era daqueles casarões mineiros, que abrem os braços em afagos, as galinhas no quintal, ciscando felizes...a boa comida....

Lateralmente, um grande bambuzal, aonde vinha cantar, as rolas fogo- apagou, nos finais de tarde. Ladeando, o pomar, com as doces jabuticabas, o laranjal e goiabal. Mais adiante, margeando o córrego, uma mata virgem, onde cantavam o trinca ferro boi.

Fugia do calor.Era meio dia.

Na cidade estaria no transito caótico, confuso, cabeça inchada de problemas.Pensei

O sol estava no centro do céu azul, imponente, irradiava seu calor sobre a terra.

Encostei-me numa pedra lisa, e fiquei ali, olhos fechados , relaxando, cheirando a natureza. As minhocas no caneco, se mexiam, tentavam sair.

Por uma vereda, rente ao rio, enquanto eu cochilava, desceu uma negra, vestia uma roupa leve de linho. Olhou para a cachoeira, em volta encantada, inspirou o ar cheiroso das matas e se despiu. Jogou seu vestidinho nas pedras. Suspirei. Seria sonho? Aqueles sonhos, em que corremos atrás de pessoas sem rostos, por ruas escuras e sombrias, e que súbito desaparecem, sem deixarem vestígios!E deixa-nos na gente uma melancolia. Esfreguei os olhos incrédulos. Estava só de calcinha.

Era uma bela mulher de músculos rígidos, conseguidos, nas ladeiras íngremes do relevo mineiro. Quisera me anunciar. Não era correto vê-la em momento tão intimo. Invasão de privacidade. Pensei.

Foi quando, a vara grande, tremeu. Anunciava um grande peixe pelos grandes arcos que a vara formava. “Por sorte fixei-a bem”. Havia cortado uma boa vara de bambu, encastoado o anzol. Agüentaria o repuxo?

Uma cigarra cantou bem perto de mim.Na pedra, a mulher se desvencilhava da calcinha. Não queria perder o espetáculo por nada: Fiquei o mais quieto que pude a observa-la. Perderia o peixe ou renunciaria o espetáculo? Oh! Triste dilema, vai peixe cruel! Ter ou não ter eis a questão.

Ela sem me notar, colocara o pezinho na lamina da água, testando-lhe a temperatura, e com um arrepio, retirou-o rapidamente. Uma sereia. A cascata marulhava, suas águas límpidas, e caia em três grandes quedas. Subia milhares de gotas fininhas, formando com o sol um pequeno arco íris. “Todo final do arco íris tem um tesouro”. Pensei

Entrou lentamente na água fria, enrijecendo por completos os pequenos mamilos.

Morava na comunidade. Descendiam de antigos quilombos. Seus pais, se arriscaram pela liberdade. Liberdade esta, tão querida, ao toque da água.

Lembrei da primeira mulher que vi pelada há tempos. Muito estranhei. Era um reguinho comprido, em direção as pernas, pequena, branca, sem pelos. Era como uma fechadura. Conseguiam os meninos a chave?

Via perto de mim, agora, a vara, envergar quase ao chão. Segurei-a. Só quem já pescou um dia, sabe o que e que eu estou falando: A vara toda envergada na mão, o peixe puxando toda a linha. Depois puxava- a para mim. Mostrava quem mandava. Usava a técnica. O peixe queria escapar indo para o fundo, para o lado das galhadas. Segurei-o. Tempo depois, ele se entregou:

Virou para os lados, abriu a boca, cansado. Era grande e escuro, um belo espécime, olhos ferozes. Puxei-a para o capim. De relance vi uma coisa interessante: No anzol um lambari, atrás dele, um trairão menor, e após estas outras sucessivas ate a maior, jamais vista.

Com forca balançou a grande cabeça, e com estrondo sumiu na água profunda.

Nas pedras, a mulher vestiu-se calmamente, me acenou e partiu. Esta tinha pelos. Pelos escuros, todo enroladinho, como a cabeça de um anjo. Juntei as tralhas

Contei depois para todos, como eu deixei fugir o maior peixe da vida. Ninguém acreditou: Historia de pescador, diziam.

Voltei muitas vezes depois, ansioso por reencontra-la, jamais a vi novamente.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Rubro

Manha de domingo, sol claro de setembro.

Um homem se levanta.

Esses movimentos, muitos fazem, semelhantes. Uns apressados outros devagar, uns tristes outros alegres, movimentos ordinários do dia a dia. Indefesos.

A cidade sorria, a natureza em flor. Tudo era felicidade.

O sangue circulava satisfeito por suas artérias e veias, levando calor e vida aos extremos.

O domingo lhe doía mais.

Vai ao banheiro e se observa no espelho. Cerra os dentes num gemido rouco. Seria humano? Essa pessoa ou coisa? Talvez um bicho, desgarrado de sua manada. A barba por fazer, a mente em turbilhões, uns olhos frios de murchar roseira.

Passa a espuma no rosto, pega da navalha, mas não consegue se barbear. Sente uns torpores, umas tristezas, dificultando-lhes os movimentos, como nos pesadelos infantis.

O monstro noturno se aproxima cada vez mais rápido e ele lento como ao correr sob água parada tirava-lhe a forca para o escape, e sentia-se presa fácil, inerte se entregava a sua destruição. Mãos bolinaram-no no escuro.Envelhecera.

Seus músculos, nervos e tendões, não o obedeciam como antes. A campainha toca, mas ele não se move. A luta era desigual. Ele contra as forcas ocultas. Como vencer o medo do obscuro?

O cérebro, um amontoado de nervos e massa cinzenta, inoculada de sangue mal. Impregnava-o

Baixa lentamente a cabeça e observa os pés: Estavam fincados ao chão, como raízes. Como fugir do passado tão preso nas entranhas?

Ver-se no espelho de soslaio. Irreconhecível.

Cadê o ser juvenil de outrora? E o riso na cara larga? E todas as suas mascaras? Agora se sentia uma ilha, na solidão do banheiro. Só. Agora era ele contra si. A solidão lhe doía n’alma.

O chuveiro ligado caia pingos brilhantes e escorria ao ralo.

A campainha insiste e tudo o que ele faz e fechar a porta do banheiro.

Trepado em uma perna, sacode a outra num esforço pesado, e estronda a porta atrás de si. Pega a navalha, olha-se fixamente no espelho e corta as carótidas. A água no ralo se tingem de vermelho. Rubro.

O velho e a onda



O homem chegou ali, mancando, trôpego, sentindo na carne o bafo da antiguidade. Tinha quase um século de vida. Depois de sentar-se, jogou como fazia todos os dias, pão aos pombos.

Perdidos por ali voavam, juntos com as aves marítimas, atrás de comida. Lixo que os turistas mal educados deixavam para trás.. Final de tarde.

A brisa soprava macia. Ajeitou-se na cadeira e fitou o horizonte.

Uma gaivota voou mansa, planou contra o vento, parou por um instante, e mergulhou na onda azul. Trouxe a presa no bico.

Viu alem um grupo de jovens em algazarra.Pardais coloridos. Vieram-lhe recordações. Os doces beijos da juventude.

Abriu o jornal, leu algumas linhas, deixou cair sobre os olhos fechados. Cochilou. Uma voz despertou-o.

-Miro e o senhor?

Defronte uma jovem cheia de carnes e cores. Usava biquíni. Sobre, uma mini transparente.

-Valdomiro... Enrugando a testa,....Miro para os íntimos. Qual sua graça? (Sorriso nos lábios).

-?...

-Como se chama?

-Vilma, mas pode me chamar de Vivi.

Olhou-a no fundo dos olhos azuis.

-Valda me falou do senhor...Posso chamá-lo de Miro?

-Era segredo. Prezo por isso.

-Sou amiga, sua melhor.

-O que ela lhe contou? Baixando o jornal e dobrando-o sobre os joelhos.

-Tudo. Todas as brincadeiras. O velho tremeu as mãos, sorriu nervoso.

-Era segredo de tumulo.

O pezinho enfiou-se na areia, jogando um pouco para os lados, baixou a cabeça sem graça.

-Sonhava com esse momento... O velho pensativo tirou os óculos. Uma couraça se formou indelével como nos lobos.

-O que você quer?

-O mesmo.

Suores cobriram-lhe o rosto

-Mais você e só, uma menina.

-Preciso.(carente)

-O perigo ronda perto.

-Sou um tumulo.

A boca seca dificultava a fala.

-Não sei...

De onde estava via o mar sobre as coxas. Um azul profundo.

Lembrou-se da mulher.Não gostava do litoral. “A areia lhe pinicavam a pele, deixavam-na sem brilho e alem disso a envelhecia”.

Os filhos cada qual para seu canto: O mais velho engenheiro de uma multinacional e a filha advogada de renome.Os netos quando vinham, aborrecia-o com suas pirraças.Gostava de viver só. Era ele e a empregada que lhe fazia a comida e era uma verdadeira enfermeira. Aposentou-se do serviço publico como juiz federal.

Cansado das aglomerações se refugiava na praia. Um longo silencio.

-E a Valda , por onde anda?

-Caiu na estrada com um caminhoneiro.

-Sempre fora louca...E os parentes?

-Estão a mingua.

-Que pena... Esta esfriando. Vou subir.Quer substitui-la?

-Não sei se mereço.

-Seus olhos...Sofridos.

Levantou-se devagar, olhou em volta, segurou-a pelo queixo.

-Talvez...Talvez...

-Na vida há enganos. Com as mãos faz trancas, feito criança.

-Onde posso te encontrar?

-Por ai... O chicle no canto da boca.

Pega do jornal e sai batendo nas pernas ritmicamente, acompanhando seus passos um após o outro. Alcançou o calçadão. Dois olhos tristes seguem-no. De longe acena.

Ela corre como se perdesse o ultimo ônibus. Aproxima sôfrega.”Obrigada”.Ele olha para os lados com o dedo no silencio dos lábios.

-Sobe pelos serviços. Apartamento 304.

Na sala sentada no sofá se deslumbra com o luxo. Pega biscoitos sobre a mesa e come avidamente. Miro acende o charuto. O cheiro invade a sala.

-Pega meus óculos ali, indicando a estante. Liga o som. Dança para mim.

-Minhas pernas...

-O que tem?

-Gosta? Estica-as quase o tocando com as pontas dos dedos.

-Tão macias...

-De-me um beijo.

-Não. Sou difícil.

-Já transou?

-Nunca. Sou virgem.

-Guarda para quem?

-Hum... Para um príncipe. Quiseram-me penetrar quando criança...Na ultima hora ele arrependeu-se... Irmão não serve para isso... Depois foi meu pai. Fugi de casa.

-?!

-Sua mulher como ela e?

-Ela tem cabelos brancos como eu.

-Toma conta do senhor?

-Do dinheiro somente.

A paixão arde como fogo diz a canção.

A voz rouca ainda mais aflita:

-A blusa, tira? Ela sorrir pensativa.

-Meus seios não são grandes coisas...Envergonhada.

-Não me incomodo...Dos menores frascos as melhores fragrâncias...

Toca-a com os dedos trêmulos.

-Os bicos são rosas.

-Quantos anos têm?

Cobre-os com as palmas.

-Deixe-me vê-los.

Pêssegos maduros. Prensa entre os dedos os mamilos.

-Quero-a para mim.

-Todos querem. Arfa o peito como uma pomba. Ao longe o estrondo das ondas.

Distancia-se.

-Vamos brincar de boneca?

-Vamos começar que e tarde.

-Sou seu filhinho

-Venha mamar

-Quelo sim. E suga-a aflito.

-Dispa-se. Trás a maquina e o tripé.

-Empine o bumbum. Isso. Agora mostre sua flor. Ma-ra-vi-lho-sa! Deixe-me toca-la.

-Não!

-Te chuparei como a um picolé...Farei-te sentir mil gozos...Sem tirar pedaço algum...

-Tenho medo

-Da-me um beijo, pois posso enlouquecer...E na loucura não sei o que será de ti...Cheiro fresco de fruta. Que lindos são os seus botões de rosas.

Os pés pequenos, o esmalte vermelho descascando.Ela levanta-se e faz pose com as mãos na cintura. Carinha sapeca. O púbis preto de pelos sedosos.

-Agora chega! Veste-se rapidamente. Voltou a cara triste.

-O que foi? Ele te ama como eu?

-Muito alem...

-Pago bem.

-Não tem preço...

-Amanha, talvez? Agarra-a pela cintura beijando-a com sofreguidão. Desvencilha-se dele. Pega as notas e some no elevador.

******

Lá fora o namorado a espera, aborrecido.

-E o velho, se portou bem?

-Como todos, uns cínicos. Fedem as maresias.

Mostrou as notas novinhas.

-Vamos! E saíram correndo. As gaivotas assustadas voaram pra longe.

Da janela o velho os observa. Entra, veste o roupão, e baixa as fotos na internet.

O desejo corre o mundo.