sexta-feira, 24 de junho de 2022

O primeiro amor


 


                 O primeiro amor



A brisa da manhã forçou a janela soltando a taramela deixando-a aberta ao vento ou a deus dará e por ela entrou a vida: a paisagem avançou pela fresta, o sol esticou-se no lençol da cama e os pássaros cantou nos remansos.


 O menino levantou e lavou o rosto na fria tina, da água do pote da varanda, os da cozinha era para beber e cozinhar, dizia a mãe. 


O menino tirou as remelas dos olhos com o próprio xixi, 

receita das tias. Bater e valer.


Era o primeiro dia de escola

O coração aos pulos

Deu um capricho nos dentes

Sorriu duas vezes no espelho

Arrumou os cadernos no embornal ia contente

Lapinzeiras, borrachas e cadernos empilhados.

O livro o pequeno príncipe com a página marcada, com uma fita "lembrança de Nossa Senhora Aparecida" que a tia trouxe de São Paulo e por fim um pão com salame bem guardado no fundo da lancheira azul.


Logo ao chegar ao pátio

No final da fila uma menina

Com laço nos cabelos

Uma Catita, os olhos pousou na menina

Uma pequena 

Com olhos de ressaca

Que se encantou

Como uma flor

Que a partir dali

Foi musa de seus sonhos

E a  amou

Sofregamente

Silenciosamente

E levou,

Escrito no rodapé do caderno

Dentro de dois corações,

O dizer:

"Amor para sempre"


Um segredo prá toda a vida, guardado a sete chaves. 




 Poema para as crianças Ucranianas.


Foi numa tarde silenciosa

Que a bomba estourou...

Ensurdecedora.

E doeu os tímpanos

E doeu na alma

Levou a calma

Do povoado.


Em instantes o verde tornou-se cinza

O céu já não era anil

Era vil quando viu o menino


As paredes assustadas tremeram de pavor e caíram enfareladas como pão seco

As ruas vazias como uma boca sem dente

Ninguém corria de vê o vento balançar as rosas

Nem em vê a borboleta voar

Para lá e para cá

Essas coisas miúdas que nos faz feliz, agora eram tediosas

Caiu a tarde e as paredes das casas

Elas ficaram como feridas abertas mostrando as intimidades: via-se as cortinas vermelhas e azuis, as camas desfeitas e fumaças saindo das chaminés sem cheiro de comida, que pena! fedia isto sim, a pólvora e gás


A noite as estrelas caíram do céu e brilhavam nas poças pelo chão e no céu um gosto amargo na boca da noite gosto de fruta trevosa

Ah! Estou tão triste de vê minha cidade toda moída

Os prédios sem formas,

Amontoados de lixo

Os pássaros assustados não revoam mais

Só os pássaros metálicos defecando bombas sobre as pessoas, sujando as ruas

E eu senti-me  tão doído dessa vida...

Que não ouvia meu coração soluçar baixinho.

A pelada

             


          

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                             A pelada


Os meninos todos juntos e misturados no quintal. Colocaram as traves. Dois paralelepípedos  cerca de dois passos. Sem goleiro. Cada um gritava seu ídolo.

 

-Eu sou Pelé!


-Eu Mané Garrincha!


-Eu Zico!


No primeiro chute Pelé arrancou o tampo do dedão. Correu para colocar mercúrio cromo. Estava fora de combate.

Gols eram muitos. Sempre 6 a cinco. Um dia um ganhava outro perdia.

Hoje por azar acabou empatado. A bola furou num espinho de Xique Xique.

Depois todo mundo correu para tomar banho de rio.

Eh vida boa a de muleque.


               

A mariposa

                    


 A mariposa


Pela rua triste e escura e silenciosa

Vem uma mulher 

Segura de sua insegurança

No feitio de sua sombra 

Magrinha, uma penumbra




Quando pára debaixo do poste

E se vê iluminada pelas  luzes de neon as mesmas que 

Ludibriaram as mariposas.

As casas escoradas uma nas outras para não ruirem,


Ela espera o cliente chegar

Sem alarde olhando para o chão branco de mariposas caídas. Todas perderam as asas

Não voam mais em liberdade

Em direção a luz que a iludiu

E que a largartixa encheu o buxo

Com regalo

Ela vende o prazer

Que  ousa dar

Com seus braços delgados

Os seus olhos tristes

Que vêem o brilho das estrelas

Num céu longe, muito longe.


A mudança

                        


                       


 A mudança


De pensar morreu um burro. Dizem.

Mas quem um dia não pensou uma besteira do tipo: Como seria a vida de uma pedra se ela vivesse? "Pra mim no mínimo uma vida estranha!" Pensou Joaquim no instante em que num passe de mágica foi transformado numa pedra. 

Ele tomou um susto. Não é pouco.

O que é isso? Pensou. Sonho ou realidade?

Realidade está fora de cogitação embora janais

sentiu tanto peso nos ombros. 

Olhou de soslaio e viu seu dorso enrugado da cor cinza.

Era uma grande pedra encravada na mata, perto de sua casa. 

 Ia rotineiramente ali pelo meio dia fazer suas necessidades debaixo da goiabeira. 

Estava um dia bonito até o sabiá deu o ar de sua graça e veio cantar ali perto. 

Será má digestão? Tentou levantar-se mas era como mover uma montanha.

Tudo bem disse, Com certeza é um sonho e o melhor que eu tenho para fazer  será curtir da melhor maneira possível. Afinal ser uma pedra não será ruim de tudo. Afinal estaria livre dos problemas do dia a dia.

Pensou. Adeus as contas de  água, luz, telefone, prestação do carro, escola dos meninos, condomínio, etc e etc.

Assim ao invés de se sentir triste, estava até feliz com a sua sorte.

E quando tivera sonhos assim,  logo sacara a verdade aproveitando,isso sim, de toda extravagância possível. 

Saltou de prédios, nadou em águas profundas, se jogou em frente de carros, correu em meio de tiroteios, comprovando assim que era apenas uma farsa de sua mente doentia. Sim. Ele sempre achou que sua mente gostava de pregar- lhes peças.


Teve um sonho que para ele voar bastava agitar os braços vigorosamente.  Fez muito sucesso com as garotas. 


Olhou para o sol quase se pondo. Porra! Já faz umas seis horas que estou aqui. Adelaide deve está preocupada, coitada.


A brincadeira já está indo longe demais. E se for um sonho dentro de um sonho e o pesadelo for  que jamais acordarei?  Teve uma vez que precisou fazer um esforço sobrehumano para acordar e com medo buscou ajuda médica para saber se tinha catalepsia.

Qual parâmetro  usamos para medir a realidade?

No meu caso desconfio de tudo que ultrapassam a barreira das coisas plausíveis: penso lcom meus botões: isso não é real.

Porém, se pensarmos bem, toda a tecnologia que existe hoje não passaram de sonhos que tornaram realidade devido a pessoas que ousaram tornar seus sonhos em realidade?

Mas convenhamos, se transformar numa pedra é descabido por  demais. Não é todo dia que temos sonho assim.  

Fez um esforço enorme para se esticar na relva onde estava encravado e viu que não tinha membros.  Nada de anormal, afinal pedras não tem braços nem pernas. Sorriu consigo mesmo. 

Uma largartixa caminhou em seu dorso. O pequeno animal balançou a cabeça e ficou olhando em volta para achar algo para comer. Uma borboleta passou voando fora do alcance da largartixa e saiu sacolejando as asas amarelas. Um mosquito voou perto e o pegou com um só golpe de  língua. Mastigou devagar e engoliu remexendo os  olhinhos pretos. 

Estava observando o bichinho quando o ronco de motores e dois homens falando o fizera fugir para debaixo da pedra .

      -Patrão, fim da linha! Tem uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tem uma pedra. Já ouvi isso em algum lugar ele tentou lembrar.

Mas, e minha consciência... Eu perdi e agora tenho a da pedra?

Ou...


-Ou dinamitamos essa pedra ou a estrada dá uma pequena volta e segue adiante.

Joaquim ficou mudo de espanto. Sabia como era feito a coisa. Enfiam brocas enormes e fazem furos e  colocam dinamite dentro delas e as explodem em pedacinhos. A dor deve ser horrível ele pensou.


-Damos a volta, gritou o patrão!Não temos tempo a perder.

Ele se sentiu aliviado.

Tempo! Tempo pensou Joaquim. Quanto tempo durará uma pedra? A eternidade?

Os homens há muito que tentam serem eternos. Desde os  faraós. Nessa saga construíram pirâmides, sarcófagos se mumificaram buscando a eternidade. O que buscam os escritores se não o reconhecimento e a eternidade! Verdade seja dita. Quando ele Joaquim e Adelaide escreveram há vinte anos no tronco de uma árvore, dentro de um coração a palavra "eternamente" não estavam querendo justo isso? A eternidade do amor. Do seu amor?

O retrato de Dorian Gray não é sobre isso? A imortalidade.

Fez-se silêncio.


E eu consegui isso assim de uma forma tão inusitada.

Sorrio de si mesmo. 


Acontece que com o seu sumiço as autoridades locais procuraram por meses até um dia que abandonaram as buscas. 

Adelaide demorou a acostumar-se. Passava ali, todos os dias olhando em volta da pedra e depois seguia o caminho cabisbaixa.

Ele tentou várias vezes chamá-la  de alguma forma sem resultado.  Afinal as pedras não falam e isso o deixava bastante desolado. As pedras ecoam.


Nesse ínterim a estrada foi asfaltada e agora pertencia  a uma grande malha rodoviária. Por ali passou muita gente que ele conhecia. 

Adelaide mudou- se para a capital desiludida de seu abandono. 

Por aquela estrada passaram os filhos, os netos , bisnetos, tataranetos...toda uma geração e várias outras.

E ele ali incólume, as leis dos homens e dos deuses. 


Com o passar dos séculos  ele foi se tornando por assim dizer, insensível, agregando rochas sedimentares em sua crosta, trazidos pelos vento que ora batia frio ora batia quente, forte ou ameno pelas chuvas finas, torrenciais.


Um certo dia apareceu um cara barbudo com uns aparelhos e vaticinou: Essa Rocha deve ter mais ou menos milhões de anos. 

Meu Deus! Ele exclamou.

Chega! Agora vou acordar como fiz das outras vezes.

Forçou levantar-se. Nada. Tentou de todas as formas possíveis. Nada.

Aí pensou mortificado de medo:

E se não for sonho e  sim minha terrível realidade de vida em outros corpos.  

Já leu em algum lugar que o ser humano para avançar em sua jornada em direção a luz, terá que  passar pelas três fazes: mineral, vegetal e animal.

Pobre homem que nasceu com o pecado.

                          ···


Há muito que aceitou e tenta compreender sua triste verdade.


"Como somos insignificantes!" Pensou Joaquim já bastante acostumado com a vida de pedra. 

Todas as suas reminiscências ficaram num passado remoto.


Chegou o tempo em que já não pensava em mais nada, não via mais nada, não escutava nada. 

Tudo era escuridão. 

Era finalmente uma pedra.