quarta-feira, 22 de maio de 2013

Considerações de um vagabundo




                              

                 Considerações de um vagabundo







Desde pequeno sobrevivo aos trancos e barrancos. Seu Joaquim meu pai, disse: esse moleque vai longe. Depois que sobrevivi a uma diarréia monstruosa e fui atropelado por um jegue, peguei sarampo catapora e caxumba. Pequeno sitiante das bandas do açude grande meu pai é um sobrevivente nessas terras secas, aprendi com ele.

Um pedacinho de terra que não dava para botar dentro nem duas rês, pastou,plantou e sustentou por longos anos toda a família de quinze pessoas e mais o dono da terra que era tudo a meia. Incrusível minha mãe. Essa gente não presta. Ele vinha quando a gente tava preparando as coivaras. E tome vara.

Todo mundo sabia incrusível meu pai, aproveitando-se na hora de assinar o contrato. Fazia uma camaradagem. Patrão sempre come o empregado. De um jeito ou de outro. Nada muda. O empregado toma sempre no fiofó.

Por isso saí mais cedo de casa. Estudar não podia. Os livros eram caros e o tempo que demandava, não carecia. Trabalhar pesado não queria. Burro de carga não sou. Logo que fiz quinze anos parti para a capital para tentar uma vida melhor. Não queria ter a mesma vida de meu pai, trabalhando de sol a sol como burro de carga. E nas dificuldades comer calango. Isso não queria.

Na rodoviária foi um chororô danado. Parecia que tinha morrido alguém. E eu si rindo, pois senti que estava nascendo. Ruma de gente besta! A viagem todinha fiquei olhando a rodagem pela janela. Um poste passava, dois postes, mil postes. Cercas infinitas. O mundo esta cercado. Vivemos reclusos, dentro de nós mesmos. Nem eu me conheço. Quando via uma casinha perdida na solidão do mato lembrava os meus e pensava: ô povo besta danado, viver nesse deserto e ainda por cima, seco. Depois dava vontade de chorar. Temos que viver duma forma ou de outra, feliz ou infeliz que se foda.

Assim que cheguei à cidade grande procurei um emprego que não fizesse muito esforço, mas eles queriam experiência e eu não tinha. Então depois de muito bater cabeça, peguei uma caixa e flanela e comecei a engraxar sapatos. Era o que eu podia fazer por enquanto. Dava pouco dinheiro. Era da mão pra boca. E no início não sabia, depois fui pegando a manha para deixar um sapato polido. Tinha o troço de esquentar a tinta. E além de polir os sapatos as pessoas querem ser polidas também, chamadas de doutor, puxar o saco mesmo. Questão de ego. Tinha um neguinho companheiro meu que sabia fazer isso muito bem. Aqui doutor, senta aqui, colocava uma espuma na cadeira, e ia perguntando pela família dele, essas coisas que nunca me interessou. A família dele que se fodesse. Fodam-se todos. Tomar no cu.

Nisso eu não conseguia juntar quase nada. Dava só para comer. Passei assim uns dois anos. Depois resolvi diversificar o negócio. Vi alguns vídeos sobre economia e resolvi ser flanelinha à noite para complementar a renda. Saí à procura de um lugar (o ponto é item principal dizia no vídeo) e vi que a coisa estava difícil. Finalmente descobri uma praça mais distante do centro porque as outras já tinham seus donos. Já estava toda loteada entre os flanelinhas e os traficantes. Eram os donos da rua.Nunca vi uma praga maior. Eles chegam a tirar um bom dinheiro. “Ô patrão vou olhar seu carro”, se o cara é uma munheca damos um arranhão no possante pra ele aprender. Roubar não queria nem traficar também. Isso eu não faço, porque sei que destrói muito lar, e se pego a cana é grande, embora os lares já não sejam os mesmos.

E porque os drogados ficam iguais zumbis nem parece gente, rondando ali ao redor da praça, perdidos. Tem jovens, mulheres e idosos. Dá dó, todos imundos, os olhos sem brilho, só pensando no diabo da droga. E são capazes de tudo para consegui-la.

Uma vez uma garota chegou para mim e pediu-me dinheiro. Se eu tivesse algum puto no bolso não daria por não ser de acordo. “Não der-lhes o peixe. Ensine-os a pescar”. Deve ser assim o ditado. Puta que pariu para os ditados. Antes só que mal acompanhado. Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje. Dizes com quem andas que direis quem tu és. As aparências enganam. Porra! Porra! Que ensinamentos! Aí ela veio com uma conversa fiada, que podia fazer qualquer coisa comigo principalmente chupar meu pau. No tempo estava carente, longe de tudo e aceitei só para confirmar o serviço. Nisso acendeu uma luz em mim que clareou minhas idéias. Eu poderia montar esse tipo de negócio, afinal dizem que é a mais antiga profissão do mundo e se ainda não acabou é por que dá lucro.

Levei-a para um quarto e realmente ela não fez feio. Parecia chupar um sorvete de casquinha. A boca parecia aquelas coisa de desentupir pia. E quando lambia fazia uma cara de completa felicidade. Conversei com ela depois sobre o negocio e ela prontamente aceitou. Primeiro começaria com três, ela e mais duas amigas que conhecia. À medida que fossem melhorando a clientela, aumentaríamos o plantel. Lembrei das vacas do meu pai. Dei uma gaitada.

Dito e feito. E o negócio foi concretizado. Alugamos uma casinha de meia água, que tinha lá nos fundos um quarto grande com uma cama de casal e banheiro onde seria feito o principal.

Uma sala com TV, uma vitrola, uma poltrona, mesa de centro e revistas para a clientela lê. Aparece todo tipo de gente, inclusive poetas e escritores. Até senadores já recebemos. Ali as meninas ficam conversando ou dançando, sempre em movimento. Os homens são fisgados pela visão.

Vez ou outra quando o movimento esta fraco elas saem para a rua e assim a propaganda é ambulante. Mais um ponto para esse negócio. Hoje não. O negócio ficou bom. Tem até dois seguranças para segurar as arruaças. Tem freguês que quer sair sem pagar.

Tem hora que fico matutando comigo.

Pra você ver, investimento quase zero, não paga impostos, só uma vez ou outra molhamos a mão de algum detetive. E o sexo é combustível para todos. Vivo ou morto, principalmente os seres humanos. Sabedor das safadezas deles, Deus criou logo dez mandamentos. E eles mesmos foram criando diversas regras, leis, tabus para frearem seus instintos e perversões.

E não só de amor é feito o mundo. Deus quando criou a mulher foi feita para servir-nos. E o sexo seria de bom grado. Mas muitas vezes as mulheres inventavam desculpas para não irem para cama com seus homens. Uma hora uma dor de cabeça, preocupações com isso, com aquilo outro, indisposição, etc, e etc.

E aí é que deve ter surgido a primeira prostituta, rapariga ou quenga. O homem pediu o favor à outra e a mulher deve ter dito assim: Faço! Mais tem que pagar! Dizem que é desde antes de Cristo. E esse negócio perdura por séculos e séculos sem fim. Mas não é uma vida fácil como dizem por aí. Receber todo tipo de homem em coisa tão íntima. Vôte! Até na bíblia tem um caso assim. Madalena, com certeza perambulava por ali aproveitando a multidão que assistia ao calvário de Cristo, quando viu Ele esparramar-se pelo chão. Condoendo-se Dele pegou de uma toalha e enxugou-lhe o rosto. Ele teve boas palavras com ela, que seus pecados seriam todos perdoados e disse mais ainda, que se alguém dali não tivesse pecado que atirasse a primeira pedra. E ela com certeza sabia cuidar dos sofrimentos humanos.

Sofremos sim e acho incrusível pela nossa culpa. Criou-se tanto tabu a respeito do sexo que surgiram daí todas as perversões, os estupros, a pedofilia e toda a safadeza existentes.

Inventamos o casamento, um homem não pode ter duas mulher, tem que se vestir para cobrir as vergonhas etc e etc. Muita regra.

Ou o inverso. Não sei dizer. Sou só um vivente nesse mundo sem eira nem beira. Nenhum estudo. Queria tanto aprender ler. Nem desenhar meu nome eu sei. Assino com o dedo quando é preciso. E antes eu era doido para ser poeta. Até aprendi a aboiar. Fazia versos de ouvido de ver os outros, nas vaquejadas ô tempo bom. Se tivesse tido uma chance. Apenas uma chance. Mesmo assim gosto de livro. Pego para sentir o cheiro, ver as gravuras. Ou então ficar vendo as letrinhas uma atrás da outro no seu silêncio.

Eu por exemplo quando menor vivia com os olhos baixos, sempre procurando ver por debaixo das saias. Tinha uma senhora de todo respeito, toda vez que ela se abaixava eu ficava de olho comprido nas mamas dela. Um dia guiaram minha mão por paragens desconhecidas, que assustei com o toque. Subi os dedos trêmulos pelas pernas roliças, ávido por chegar a algum lugar desconhecido, mas sabido. Quando então, senti espinhar minha mão. Hesitei um momento. A curiosidade foi maior. Quando olhei, algo assim como uma língua, uma cara de gato fazia careta para mim. Tantos sentimentos nessa hora incrusive o medo.

Já havia visto em revistas, mas era só em desenhos. Serviu para dá experiência a estranheza.

Depois devagar fui perdendo o medo e agora gosto muito de ficar alisando a cara do gato. Puxo até pelos bigodes. Até do cheiro já meio me acostumei. Deve ser assim, pois se não tivesse catinga a gente não saia de riba. Né verdade? E é uma coisa que vive em nossa mente, uma obsessão. Por quê?

Tento explicar do modo que vejo as coisas. E as coisas proibidas e escondidas chamam mais a atenção.

E isso tudo anda escondido. Se andasse descoberto como os bichos não seriam assim não. Já vi todos os bichos no oitão de casa. A vaca Malhada quando deu cria, eu fiquei olhando com nojo, o bezerro sai pelo chibiu da vaca todo sujo, e ela lambe, e quando ele fica limpo se equilibra e anda. Já o homem nasce totalmente dependente.

Aqui na capital um dia fui numa praia de nudismo. Achei muito estranho no início. Quando conversava com uma mulher, não tirava os olhos do escuro de entre as pernas delas. Enquanto os outros jogavam vôlei, andava para cima e para baixo, parecia até fingimento, mas depois a gente ver que fica normal. No final do dia eu já conseguia conversar tranquilamente, olhando mais nos olhos dela, na cara dela, sem tanta atenção nas partes baixa. Vem com o tempo e a experiência.

E esse negócio de sexo parece muito como contar uma história. Os bons contadores têm esses truques. Não vai diretamente à parte principal. Arrodeia o assunto por várias páginas, como se diz, cozinhando em fogo brando, com cuidado de não enjoar o ouvinte. Depois finaliza com algo forte e rápido para prender a atenção. Conheci um assim desse jeito nessas bandas de onde vim. Eh! Contador porreta! Os meninos ficavam tudo sentados em volta, e era princesa pra ali, gigantes pra acolá, e a gente ia sonhando, e até esquecia as safadezas. Menino só pensa em safadeza num sabe.

Então eu passei para as meninas as malícias dos contadores de histórias e escritores em geral. E elas aprenderam direitinho. Tiram devagar a roupa, fazem caras e bocas, e depois termina rápido, pois tempo é dinheiro nessa profissão.

E o negócio vai bem. Já aumentamos o plantel e temos mulheres para todo o gosto. Uma japonesa, uma loira uma negra, uma mulata, travesti e homo sexuais em geral. O homem é tão escroto que acha que há diferenças entre as raças. Por isso temos que ter diversidade. Acha que entre a loira e a negra, a mulata e a japonesa há diferenças. E não há. Aliás, quando morei na roça os sitiantes de lá, substituíam as próprias mulheres por mulas. E ninguém reclamava.

Mas voltando ao assunto, tinha clientes de todas as classes. Tinha juízes, advogados, médicos, comerciantes, deputados, senadores etc e etc. Penso que é porque em casa eles têm vergonha de fazer todas as safadezas que fazem aqui. Tem muito mulher em casa que não dá o que seu homem deseja. Aí eles procuram fora.

As posições papai e mamãe são as menos feitas. Aqui se fala em posições de todos os tipos que um dia vi num livro de um japonês. Chama-se camasutra. Foi a japonesa que trouxe. É um livro grosso com desenhos de todas as posições sexuais que podem ser feitas. Uma melhora a penetração, outra rela mais no grelo, outra a mulher manda e assim por diante. Diz- se que eles sabem meter muito bem. Só não se compara com o paraibano não. Aqui sabemos usar a macaxeira muito bem.

Tem um “cara” aqui que não vou falar o nome por motivos óbvio. Nesse negócio o principal é o segredo. O tal cara quando goza quer que a mulher faça xixi sobre ele. E paga por isso. Se em casa fizesse uma proposta dessas, sua mulher pediria até o divórcio. Outro gosta de vestir as roupas das meninas. E passeia pelo quarto. E todos têm algumas particularidades. Esquisitices. E o mundo é esquisito. E põe esquisito nisso.

Comprei um videocassete quatro cabeças e varias fitas de sacanagem. Foi um bom investimento. Eu particularmente não gosto muito, acho que não tem história, enredo essas coisas primordiais. Vão todos tirando as roupas e preenchendo os orifícios.

Para me agradar essas fitas teriam que ter uma história, que não fosse tão crua assim como se está matando um porco. Derruba ele, uma gritaria diabólica, enfia-lhe o punhal na garganta e fica socando, socando e socando. Depois estrebucha vira os olhos em caretas horrendas.

Um dia desses vi um filme que no início me agradou e lembrou minha infância um pouco. Era um médico que examinava as pacientes. Ah! Chiquinha, só você teve coragem. Nenhuma outra teve. Mas a mulher na fita extrapolou. Arreganhou-se toda. Você não Chiquinha! Lembro bem. Ficou estirada na maca improvisada, gelada, coração em desabalada carreira, e eu mudo, vendo-lhe o risquinho no meio das pernas.



E se eu fosse contar todas as peripécias que nesse tempo vi, encheria mil páginas de um livro ou daria para enganar o rei das mil e uma noites com mil histórias sem fim. Mas o que quero dizer é que o ser humano é muito estranho. Ele é capaz de criar tudo. Se deixar até deus. Vi falar que tem povos politeístas e monoteístas. Um cara um dia me explicou. Tem de tudo nesse mundo. Tem até ateu. Ateu não acredita em Deus. Um ateu que eu conheci ele dizia bem assim: “O mais importante do mundo, está dentro de uma calcinha”. Não sei se ele tem razão. Acho que quebrado todos os tabus o homem viveria melhor. Mas por enquanto é melhor ficar tudo assim como estar mesmo porque as igrejas permanecerão cheias, os psiquiatras terão seus serviços, os hospitais não conseguirão atender toda demanda, o casamento se manterá firme e, principalmente esse meu negócio de putas, andará assim de vento em popa.