sábado, 15 de junho de 2013

Quem somos?






O menino ficava vidrado na tevê. Isso o pai logo notou. Coçava a cabeça. Improvável era, porque logo no horário eleitoral aonde a maioria das pessoas desligam o aparelho, ou sai da sala, aproveita e vai ao banheiro, vai olhar a vizinha passando com o shortinho apertado, essas coisas banais da vida. Tem gente até que faz sexo nesse horário, pois afinal se tudo sair errado há a desculpa. Pois bem.

Contudo o pai dizia: Esse menino vai ser grande!

Grande: Que é bom, generoso, magnânimo (ex.: um grande coração. Que atingiu a maioridade (ex.: as pessoas grandes podem ser muito complicadas). = ADULTO. Pejorativo Que é ou existe em elevado grau (ex.: grande mentiroso). Vão escutando.

E a odisséia do menino começava logo de manhã. Quando terminava o desenho do pica pau (O curioso é que o pai nem desconfiava que o menino sempre torcesse contra o pica pau, vai entender!), e quando começava os discursos dos pretendentes ao cargo público o menino ficava em silêncio prestando enorme atenção. Muitas vezes ria ou somente esfregava as mãos.

Essas ênfases todas faziam do pai um sujeito todo orgulhoso. E quando o danado do menino notou que o pai gostava e contava na repartição, aí sim passou a fazer mais trejeitos. Uma hora entortava a boca, outra, fechava o cenho, ficava sério, sorria com ele mesmo o danado.

Chegou a se deparar um dia com o menino à frente do espelho. Ele se olhava de lado mirando-se. Dessa feita o pai saiu com essa: Vai ser um grande homem, desses que lemos suas biografias, orgulhosos em tê-los como conterrâneos. Seria um deputado ou senador ou até presidente da república? Aí mulher, que maravilha! O pai a partir daí embalou esse sonho.

E o menino seguia ali todo dia em frente à televisão. Até acabar o horário eleitoral. Um dia ao passar rapidamente pela frente (Esgueirava-se para que o filho não perdesse nada), quando o pica pau deu sua temível gargalhada, escutou algo assim:

- Essa porra desse pássaro que leva sempre a melhor! Puta que pariu! Se fosse eu! Se fosse eu! Depenava esse puto.

O pai achou isso interessantíssimo e falava aos vizinhos.

Com o tempo o menino já falava frases inteiras sem piscar na frente do espelho. Repetia em voz baixa alguma frase mais elaborada. Na rua mandavam-lhe repetir. Depois dava um riso satisfeito.

Os pais o enchiam de mimos e colocava em sua frente, pipocas, batatas fritas refrigerantes etc. As batatinhas ele mastigava com prazer sem tirar os olhos da tela. Já pedia em voz alta a sua mãe como se estivesse num bar:

- Mais batatas mamãe! E que não faltasse dissera o pai.

–Esse menino tem futuro.

Passado, presente e futuro. Pretérito mais que perfeito, futuro do subjuntivo tudo tempos verbais.

E o danado do menino não se ligava no que o candidato dizia e sim nos trejeitos que ele fazia. E imitava-os deliberadamente. E sabemos que é imitando que aprendemos. Até nas artes funciona assim: Primeiro você copia, copia e copia. Quando adquire o cacoete, pensa que já sabe ganha confiança e escreve algo que pensa seu. -Mentira! (Impossível largar as influências! Impossível, impossível! Todo texto descende de outro, é uma praga, erva daninha ou algo maior).

O menino mesmo parecia um camaleão. Ganhava todo o mimetismo dos outros. Parecia uma cópia de tão parecido. E foi se adaptando a todas as falas, aos jeitos. Tudo. Falava todo o discurso como se fosse dele. O ritmo, a fluência, o timbre, o tom...

E olha que essa época ele tinha somente sete anos.

Uma noite o pai ao chegar da repartição mais tarde, pega o menino conversando com uma menina. Nada de anormal. No tempo dele, lembrou-se, já havia brincado de pique esconde, médico e tantas coisas mais. O que chamou a atenção foram às frases, os pedidos:

-Deixa Patrícia, eu passar a língua no bico de teus mamilos!

O pai assustou-se. Mamilos: botão em flor dos seios das meninas.

Continuou ouvindo:

-Não Pedrinho, já te disse mil vezes não!

Deixa uma vez só. Prometo que vai ser uma vez, acredite! Quando falou acredite, o pai visualizou nitidamente certo candidato. O filho do próprio. Como aqueles escritores que só tem no texto dele apenas o título ou nem isso.

Ele continuou:

-Sabia que essas coisas gostosas que fazemos na infância, ficam impressas em nossos pensamentos por toda a eternidade, sabia?

-Não, não sabia!

-Pois é. E quando velhinhos formos, essas imagens lembraremos com saudade!

Nesse momento passou pela janela uma estrela cadente. O resto do céu todo escuro, distante. O pai pensou: Outros tempos , outros tempos!

O menino continuou:

E se não fizermos, coçou o queixo, bau –bau, esse tempo presente nunca mais volta. Nunca mais. A menina viu a estrela que sumiu na escuridão.

A menina pensou. Coraçãozinho apressado. Faz, não faz. Deixa não deixa. Terrível dúvida. Queria tanto ter essas recordações. Queria ser importante na vida daquele menino. Talvez esse momento se tornasse até um poema. A menina era romântica. A natureza mesmo dá um empurrão, nos dá comichão, deixa-nos aflitos, cheios de vontades. Por fim resolve.

-Então vem. Só uma vez jura? Ele cruza os dedos as costas, e faz outra cara conhecida. Que menino!

A menina levanta a blusinha toda florida. Um botão de flor aparece com arrepio.

O pai tosse coçando a garganta no portão. (Esse menino vai longe). Os dois se ajeitam. Os dois seguem o pai atravessar todo o jardim. O gato fugiu atrás da roseira. Silêncio. Um grilo faz cri- cri. Uma aranha tecia lentamente sua teia que brilhava á noite.

O menino volta à carga:

-Viu Patrícia, não arrancou nenhum pedaço. E então. Foi bom? A menina olhos baixos:

-Foi. Fiquei toda arrepiadinha olha! A pele cheia de pontinhos.

-Então! Deixa-me dá só mais um.

-Não! Falei que era só um. E quando falo, cumpro mesmo. Pode ficar quietinho agora.

O tempo passou os meninos cresceram. Enquanto o menino engrossava a voz e cresciam-lhes pelos, a menina alargava as ancas e aumentava o número do corpete que agora usava.

Já namoravam. Uma noite após mordiscar-lhes os bicos dos seios, percorrerem-lhes com as mãos todo seu corpo, retirar-lhe a calcinha a muito custo e deparar-se com ela toda mole, como uma mina vertendo água implorou com aquele jeito de político que aprendera:

- Ai Patrícia, me deixa colocar. Ela ainda teve forças para dizer:

-Ai Nem vêm Pedrinho! Nem vem com essa história toda. (a menina estava ficando esperta também). E eu sou virgem! Virgem viu!

-Eu sei meu bem, por isso que eu te amo. Mas afinal todas já fora um dia. Minha mãe, a sua, todas sem exceção.

-Mas tudo tem sua hora, e eu não estou preparada.

-Claro que não está preparada. Por isso temos que praticar. É devagar. Hoje, olha prá mim! Hoje eu coloco somente a cabeçinha.

-Não! Tenho medo!

-De que amor?

-De doer.

-Olha se começar a doer eu paro, juro.

-Jura então!

-Juro! Juro! Juro!

- Você sabia que se nenhum casal fizesse isso não existiriam os poetas? Pensa bem. Não existiria Fernando Pessoa, Drumond...E o que seria o mundo sem poesia? (É lógico que não é assim, a poesia tem tanta importância para o homem como a rocha tem para o mar). Completa:

-E virgindade hoje não tem importância!

-Não tem? Não tem? Aposto que para casar você vai querer uma.

-Claro! Mas será com você! E o mais importante hoje é o amor. E eu te amo!

-Jura!

-Juro! E como vamos saber se vai ser bom se não provarmos?

A menina ficou sonhando com o vestido de noiva. Todo branco. A igreja cheia. Uma coruja piou.

-Então vem! Só a cabecinha viu? O sangue quente. Calor. Respiração ofegante.

Ela senta sobre ele. Com cuidado. Uma onda transpassa-os de prazer. Ela assustada se sente afagada, agasalhada.

-Pronto viu! Não doeu nada!

-Agora tira vai!

-Não amor! Deixa vai! Mexe um pouquinho. Assim vai! Prá cima! Pra baixo! Prá cima Prá baixo! Como a música. Como uma locomotiva. Isso! Isso!

Os olhos virando, voz abafada. As ancas oscilando devagar como um trem saindo da estação. Aumentando o ritmo, cada vez mais rápido, subindo , descendo , curvando, e o apito estridente, como chegando a uma nova cidade, novas emoções, sonhos, sonhos... Gemidos! Gemidos! Depois devagar, parando, exaustos.

Muitos tempos depois se casaram. Ele com Maria de Fátima uma rica empresária. Ela com Fábio um médico famoso. Ambos nem tinham aparecido na história.

Muito tempo depois caíram na rotina. Cansaram-se dos cônjuges e tornaram-se amantes.

Ah! Ia-me esquecendo. Pedro tornara-se funcionário público responsável pela desburocratização, e Patrícia trabalha numa ONG que luta em defesa dos golfinhos. Agora são mais ou menos felizes, deram seu jeitinho. E a vida continua.









domingo, 9 de junho de 2013

Santuário






O menino sonhou, viajou...

Foi buscar seu caminho.

Veio o sucesso, o fracasso...

No encalço da própria vida.

As estradas repletas de peregrinos

Como ele, pobres sonhadores,

Estradas outras desertas,

Castigadas pelas intempéries,

Coadjuvante do próprio sonho,

Na seleção natural,

Apenas encaixe de

Um projeto,

Onde o tempo é forja,

Açoitando seu limite.

Amores ficaram para trás,

Como Ulisses. Verdadeira,

Odisséia. Navegou entre mares,

Entre montanhas infinitas,

Aventuras repletas de sacrifícios.

Na volta, porque o homem sempre volta

As origens, ao torrão natal,

Aos prótons aos eletros e nêutrons,

As moléculas menores, invisíveis,

E na sua indivisibilidade,

Quando volta os olhos para trás,

Estupefato vê:

Que só restam ruínas,

Que o tempo avassalador,

Cavalgando o vento com louvor,

Rangendo, portas e janelas,

Derrubando as taramelas,

De um enorme templo vazio.





Zoom






Protegidos em nossas casamatas.

Olhos eletrônicos vigilantes, cercas elétricas.

O olhar no exterior, carros passando,

Luzes e estrelas cintilantes.

Na esquina um homem espera qualquer coisa.

Talvez algo com hora marcada.

Súbito outros dois surgem.

Um assalto.

Ele implora que não o mate.

Vemos em seus olhos,

Desesperados,

No zoom da câmera,

O medo e a derrota.

Emoção ao vivo e a cores,

Enquanto roemos as unhas, nos roem os intestinos

As bactérias, os cancros.

Nossas células se multiplicam,

Nosso cérebro deteriorado.

Um tiro fura a noite,

Sem dó nem piedade.

Cai o homem.

Os outros fogem.

A noite fria.

Nada para chorar...

Desligamos a câmera e vamos dormir exausto.

Morremos cada dia perdido.

Vivemos o experimento de uma morte futura