quinta-feira, 4 de abril de 2013

Virulência






Cansados, da violência diária, certo dia eles resolveram morar num condomínio fechado. Armando, sua esposa e dois filhos pequenos. A vida sorriu para eles. Investiu na bolsa de valores, a grana que sobrava- o que não era pouco-, defendendo o direito dos cidadãos, já que era um advogado famoso e moravam num país que não respeita as leis estabelecidas em constituição, havendo assim muitas questões a recorrer, abrindo um vasto caminho para os bacharéis conseguir a riqueza e tudo que o dinheiro pode comprar.


E o prazer da vez era uma cobertura grandiosa em plena avenida atlântica. O edifício era de alto padrão, muito luxuoso sobremaneira que escapou da sua esposa uma interjeição do tipo:

-Nós merecemos! Fizemos jus a tudo isto. Apesar de que a verdade depende de várias coisas e modifica dependendo do ponto de vista. E seus olhos eram sempre cobertos por óculos escuro sendo assim o prisma que eles viam era outro.

E essa frase viera a calhar e tirou o peso da consciência, ciente que a grande maioria não tinha nem o que comer muito menos onde morar.

-Que os sociólogos ou filósofos pensem no caso e escrevam muitos livros sobre isso. Não me dizem respeito. Não é de minha alçada. Dissera na ocasião.

Mudaram no outro dia. A vista era esplêndida. Via toda a praia, o horizonte juntar-se ao céu, e até ouviam as gaivotas na pesca diária. Tinha um playground de fazer inveja a qualquer hotel de cinco estrelas, com todos os apetrechos que a vida moderna necessita como academia, piscinas, uma normal e outra aquecida, jogos de toda a natureza e espécie. Resumindo: Se quisessem ficar internados, sem sair para coisa nenhuma estavam bem servidos.

E foi o que fizeram. Quase tudo era feito pela internet e isso lhes deu grande tempo de prazer. Dissera um dia Armando ao telefone com um amigo enquanto fumava um charuto e divagava:

-Nos furtamos de fazer aquelas coisas chatas de pequeno burguês... O que? Ora amigo,como ir à padaria bem cedo... Rá rá rá rá...

Sentou-se na poltrona e puxou o cinzeiro.

...encontrar pessoas que falam o mesmo assunto todo dia, não é?Que chatice isso! Entendeu Roberto?! Estou ou não estou com a razão. Imagine você sair para uma caminhada, parar numa praça com o cachorro a tira colo e ser importunado por um desconhecido. Hem! Hem! Ou ir à banca de jornal ler as manchetes em jornais e ouvir comentários da novela das oito.

Deu uma tapa na poltrona e riu as gargalhadas.

-Além do mais notei que houve um ganho de saúde, sabe? Não respiramos mais o ar contaminado das grandes cidades. Entendeu Roberto? Deu um grande trago no charuto e soltou a fumaça devagar saboreando o perfume do fumo. Tchau! Roberto, depois nos falamos mais. Venha conhecer nossa maravilha. Desligou o telefone e foi à janela.

Armando não sabia é que depois de certo tempo os filhos já burlavam a segurança. Saíam todas as noites para verem os golfinhos ou os namorados. Às vezes banhavam-se nas águas mornas da praia.

-Venha Paulinho, não tenha medo. Gritava o filho maior para o menor.

-Tenho medo Pedro.

-Deixa de ser bobo. Vamos brincar de pique esconde. E brincavam muitas vezes até de madrugada.

E assim uma noite conheceram o filho do dono da barraca. Era da mesma idade de Pedro. Chamava-se Francisco, mas podiam chamar de “Chico”. Navegaram dias em sua prancha vermelha. Tinha um grande escudo do Flamengo. Daí para levarem para dentro do prédio foi um pulo. Chegavam à frente da guarita e o menino pedia:

-Deixa eu! Aí, em frente à câmera impostava a voz e imitava Pedro. A porta se abria. Paulinho caia no chão de tanto ri.

Esse grande aparato de tecnologia agradou em cheio os meninos. Servia bastante de brinquedo para eles. Para entrar na primeira portaria tinha que se identificar numa guarita onde dois homens vestidos de preto falavam entre si, abrindo e fechando portas mecanizadas. Câmeras por todos os lados. Na segunda guarita o portão que dava para as garagens era acionado pela voz dos moradores. Tudo era visto pelo lado da aparência. O menino vestia-se com as roupas de Pedro.

Já no interior os elevadores, um panorâmico era acionado pela digital de cada um. Uma voz feminina e agradável falava os andares e uma fragrância saía com o ar condicionado, escolhida justamente pelo primeiro que entrava.

Logo depois Armando subiu pelo panorâmico assoviando e escolheu uma fragrância francesa enquanto concluía com os seus botões, depois de muita observação e estudo que era impossível alguém entrar e sair sem ser percebido. E se alguém tentasse imediatamente seria rechaçado.

Uma verdadeira fortaleza observou.

Com o passar do tempo, -isso é próprio do ser humano, - é comum brincarem de burlar alguma delas. Ele mesmo na infância já brincara com a morte muitas vezes. Mesmo temendo-a. Quando por acaso um segurança pegava alguém em flagrante davam risos robóticos e sinalizavam como a dizer: “Tudo bem, podem brincar! Vocês são quem nos pagam! Aqui realmente é muito seguro”.

“E posso dizer que vários anos eu dormi o sono dos justos.” Pensava Armando nesse momento.

O silêncio era total já que todo o edifício era bem calafetado. Para se ouvir o som da cidade tinha que sair para a varanda e aí sim com toda segurança ouvir as sirenas à noite, as freadas bruscas, gritos e disparos de armas, das noites vadias e loucas das cidades grandes. As metrópoles.

A primeira vez que Francisco entrou disse:

-Esse prédio parece um hospital! Riram dele. Parece esterilizado, completou.

O prédio parecia esterilizado mesmo. Era o que diziam nas vezes que perguntavam sobre seus endereços: Diziam com desdém.

“ Moramos naquele prédio esterilizado”.Fora o nome ideal que encontraram para ele. Corredores frios e limpos. Não se tocava nada com a mão. Até as descargas dos sanitários eram feito através da voz.

Nas poucas vezes que Armando ia para a empresa, saia diretamente do heliporto construído na cobertura. Gostava dessa visão. Via toda a enseada, as avenidas entupidas de carro, o corre- corre das pessoas indo ao trabalho, tudo pequeno, visto a distancia, dessa perspectiva os problemas diários são diminutos. Lembrou-se do que o filho menor dissera dias atrás:

“Parecem formigas os infelizes!”.

Olhou a lua. Em volta de nuvens esparsas. Um bom dia para amar. Passou pela sala e viu o filho jogando. “Deve ser aquele jogo violento que a mãe não gosta”.

Passou direto para o quarto. O chuveiro escorria preguiçoso pelo corpo da mulher. Pela porta de vidro embaçado via a penumbra dela, uma visão fantasmagórica em movimento.

Sentou-se na cama, colocou duas pedras de gelo em um copo, de uísque e bebericou um pouco. Quando a mulher saiu, o viu assistindo aqueles filmes medonhos de sexo explícito. Duas loiras faziam de tudo para agradar um homem.

“Hoje vou ter que imitá-las!”.

-Prepara uma doze para mim amor!

Desvencilhou-se do roupão fazendo menção de uma dança do ventre. Depois se sentou na cama, bebeu o resto do uísque e gelo nos lábios o beijou entre as pernas.

-Hum! Que delícia!

Armando gostava de vê-la assim de calcinha, a penugem na nuca, o rego da coluna e os pés nus. Ela levantou-se de um salto.

-Aonde vai?

-Trancar a porta a chave. Um dos meninos pode entrar.

-Já tranquei! Vem amor, fazer carinho do jeitinho que eu gosto.

Armando puxou-a para si dando-lhe um beijo no ventre.

-Ah! Tenho cócegas. Observou a calcinha. O desenho de uma gata. “A safada já estava pronta”.

Nisso ouviram um estrondo e a porta arreganhar-se derrubando o abajur. “Logo agora que eu ia gozar”. Puta que pariu! Lamentou-se.

Continuaram no movimento mais um pouco. Paulinho tem dessas coisas. Quando tinha um pesadelo ou coisa parecida. Estava a meia luz. Lembrou-se que ele ficou na sala jogando videogame. Só deu tempo da mulher se enfiar na calcinha e ele puxar a cueca perna acima.

Encontravam-se agora na mira de um revólver e o pivete que estava atrás da arma riu. Não se sabe se do filme ou da calcinha. O pivete puxou o boné para cima da cara e gritou:

-Para fora os dois!

A mulher vestiu o roupão. Estava boquiaberta. “Como conseguira entrar?” perguntava-se.

O pivete corpo franzino, cabelo desalinhado caindo na testa, por baixo de um boné vermelho e tênis da Nike.

Enquanto isso Pedro, desligava o telefone depois de ouvir o seguinte: “O menino já saiu para entrega à meia hora.” Já deve está chegando pensou.

Deitou-se novamente colocou os fones no ouvido, aumentou o volume e acompanhou a letra da música.

Na sala Paulinho alheio a tudo lutava desesperadamente para zerar o jogo que prometera a si que não passava daquela noite.

Foi quando os três chegaram à sala e o encontrou compenetrado na luta. Um homem bem armado corria por corredores tentando escapar a todo custo, enquanto inimigos apareciam de todos os lados. Quando o homem acertava os alvos, o choque era devastador. Arrancavam cabeças, membros e voavam para o alto misturado a muito chumbo e sangue.

-Caralho! O pivete exclamou apontando a arma. Vou fazer o mesmo com vocês se não me derem o que quero.

Paulinho olhou para trás assustado. Nesse instante um homem saiu sorrateiro de trás de um barril e acertou o outro em cheio.

Game over.

O pivete tomou o controle das mãos de Paulinho.

-Assim é que se faz.

Deu start. Tudo começou. Agora o homem portava uma pistola de grosso calibre e á medida que ia matando ia passando de fases e conseqüentemente ganhava bônus. Trocava-os por armas cada vez mais letais.

-Uaaau!

Paulinho acercou-se dos pais. A cara de espanto. Nunca havia chegado àquela fase. Admirava o pivete. Inimigos de toda parte, do ar dos dois lados, do chão. E o pivete com mãos ágeis aniquilava todos. Esqueceu até o revólver pênsil no bolso de trás da calça jeans.

Fora passando as fazes. Chegou ao chefão. Um gigante de uma gargalhada horripilante. Mudava de lugar com uma velocidade impressionante. Aqui ele perdeu quase toda a vida. Foi quando o Paulinho tomou-lhe o controle da mão. Deixasse com ele agora. O pivete ficou observando, enquanto Paulinho eliminava todos sem dó. O macete era atirar quando o gigante parava de rir, e os olhos ficavam vermelhos. No meio da testa.A barra de vida começou a diminuir. Foram cinco minutos frenéticos. Finalmente o gigante parou de sorrir deu um berro estrondoso e caiu de costas morto. Uma música japonesa tocou e bônus e mais bônus enchia de vida o herói.

-Toca aqui! O pivete gritou batendo na mão de Paulinho. Riram. Os pais também riram.

De repente uma voz ecoou.

-Atenção senhores moradores! O sistema de segurança fora burlado. Todos fiquem em seus apartamentos em segurança até segunda ordem. Não andem pelos corredores. As luzes se apagarão agora. “Já era hora”, pensou Armando.

Todas as luzes foram apagadas exceto os monitores.

O pivete pegou a arma e saiu correndo.

Nos monitores homens armados entravam em formação militar, com toucas ninjas e óculos apropriados para o escuro.Vasculhavam os corredores.

Armando e a mulher estáticos.

Foi com alívio que viram o garoto, com o boné da Nike, se esgueirar colado a parede. Na primeira porta alvejou um policial que aparecera em sua frente. Um segundo tombou com um tiro certeiro na testa. Outro atirou uma granada, que ele empurrou de volta com uma velocidade estrondosa. Carne e sangue para todos os lados.

Isso durou meia hora mais ou menos. O pivete deu muito trabalho, pois conseguira pegar a arma e os óculos de um policial e os alvejava mais facilmente na escuridão.

Desceu para o playground. Um guarda apareceu na porta e foi alvejado no peito. Outro pulou a piscina e no ar mesmo fora abatido. A água tornou-se vermelha.

O pivete finalmente fora alvejado e caíra de bruços.

Lamentável. Falavam. A quanto anda a violência. Uma velhinha falou.

Todos desceram silenciosos como saindo de um grande espetáculo. Boquiabertos. Muitos curiosos.

O policial verificou se o pivete estava morto. Com um movimento da bota preta, chutou-o e o boné Nike caiu de lado e mostrou seu rosto alvo e frio. Sem vida. Era Paulinho.



10/03/2013