quinta-feira, 13 de maio de 2010

Primeira carta


Oi, Filho, Deus te proteja sempre.

Levado por algo que chamamos de saudade, palavra esta que dizem só existir na língua portuguesa, mas que mora em meu coração redigi este e-mail(Antigamente seria uma carta ou missiva) para começarmos, se você quiser, fique isto claro iniciarmos um diálogo entre pai e filho.

Nada de original nisso. Depois que li Ana e Pedro(cartas) Livro de Vivina de Assis Viana e Ronald Claver, onde eles usam a carta para se conhecerem, tive a mesma idéia.

Poderemos contar coisas que nos acontece no dia a dia e por estarmos longe, fica-nos um vácuo que preencheremos quem sabe a partir de hoje.

Não aceito a desculpa de “não sei escrever” ou falta assunto. Às vezes olho no olho acontecem essas coisas talvez pela emoção, e aí dar aquele silêncio. Mas o que é o silêncio entre amigos senão uma sinfonia que só quem ama ouve.

A escrita filho, ela é feita de muito suor e exercício. Aí está mais um motivo para tal. Sabendo que a redação é importante em qualquer ramo de atividade, mataríamos dois coelhos de uma só cajadada. Treinaremos nossa prosa e ao mesmo tempo trocaremos figurinhas.

Um abraço do seu pai,
Ubá, 13 de maio de 2010

P.S Comprei um álbum da seleção para relembrar os velhos tempos. Quem sabe não trocaremos figurinhas novamente.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Parecia sonho



“Por acreditar que a violência, ainda nos constrange.”
Aldo Marin

“HOJE NÃO TEMOS MAIS A OPÇÃO ENTRE VIOLÊNCIA E NÃO-VIOLÊNCIA. É SOMENTE A ESCOLHA ENTRE NÃO-VIOLÊNCIA OU NÃO EXISTÊNCIA.”
Martim Luther King

Foi na saída de um shopping Center. Eu fui lá pra mode ver as vitrines. Era meu sonho de vida inteira. Assim. E como são bonitas. Dá gosto em ver. Não fui para comprar não, isso não. Não tenho dinheiro. Fui realizar um sonho antes de morrer. Não tenho casa, não tenho família, lugar para dormir.

Aproveitei a roupa que ganhei de um pastor que me quer em sua igreja. Umas histórias de vida eterna esses troços que não entendo. Talvez ele seja político não sei. Sei muito pouco. Sei muito, assinar meu nome. Só. Severino de Assis Silva.

As vitrines só faltavam falar. É. Surgem assim como fossem voar sobre nós. Se oferecendo como mulher da vida. Umas mocinhas sorriem assim de muitos dentes para você dentro das lojas. Dez vezes no cartão. As lanchonetes têm fotografias que dá água na boca de só ver. Meu estômago começou embrulhar de fome. Era para mim como “televisão de cachorro”, aquelas máquinas de assar frango que fica nos botecos. Eles só olham coitados. Como eu me senti agora. Um cão.

Doía na vista tudo aquilo, aquela fartura que nunca sonhei. Senti-me como dentro de um paraíso. Vi nos olhos das crianças, o brilho que se perdera nos meus. Os brinquedos corriam e falavam como se fossem gente. Gente melhor do que eu. Mesmo assim me senti tão feliz como pinto na merda. Mesmo sabendo ser como erva daninha num jardim.

Subi várias vezes à escada rolante. Único brinquedo gratuito por ali. O resto é o olho da cara. É sim. Da hora. Nunca me diverti tanto.
Estava quase me sentindo como um deles, quando na saída alguém me estirou a mão. Olhei para ele, estava sujo, desleixado, barba por fazer, fedendo a fumaça, encardido, cheio de remelas, a pobreza na cara, sem dentes, olhos opacos.

Olhei de lado, sorri intimamente e falei: Não tenho trocado agora! E ainda: Afaste-se! Não me importune! Dei as costas e andei. Sem olhar para trás. Depois xinguei, Caralho! Puta que o pariu! Não se pode ser feliz um dia? Um dia. Dia. Diabo!

Observei-o. Segui-o de perto. A sombra de mim mesmo. Ele entrou numa rua escura, parou, olhou em volta, deitou-se sob uma marquise. Aproximei-me devagar. Com receio, talvez com pena. Olhei de perto. Uma ruga surgiu em sua testa, o infeliz. E foi nesse instante quando ele parecia sonhar, pois estava sorrindo, que eu joguei o álcool e taquei fogo.