quarta-feira, 7 de março de 2018

O Ninho






                                  

                                       O ninho                                                   


          As árvores sempre me assombraram. As de copa alta e frondosas mais. Sou vidrado nelas. Acho que todas têm um mistério.

          Por isso quando Claudia disse que estava na hora de podar a que plantamos na frente da casa para fazer sombra, aqui temos um sol para cada um, fui à contra gosto. Mas realmente não dava mais para protelar: Seus galhos invadiam a varanda, os fios e a rua.
           Assim larguei o filme que estava vendo, estava nublado, amolei o facão e comecei pelos galhos mais baixos.

          -Porra! Como tem moradores nas árvores!

          Gritei quando uma montoeira de formigas caiu dentro de minha camisa. Aí tive que arrancá-la às pressas e fiquei contando as bolotas vermelhas que se formaram em minha pele.
          Aí lembrei o dia em que tomei uma decisão sem pensar, depois de uma pirraça homérica, meus pais não deixaram eu ir nadar no rio com os colegas.
 
           -Na rua do rio. Nem pensar mamãe disse.
Bati o pé:
          -A partir de hoje vou morar na copa da goiabeira! Para sempre!

Minha mãe não levou a sério. Meu pai era de poucas palavras.
Ela disse:
          -É mesmo? E vai viver de quê?
          - De goiaba, retruquei.
Continuou me testando:
          -E quando a goiaba acabar?
          -Passo para o pé de jaca.
          -E quando a jaca acabar
          -Passo para o pé de abacate.
          -E quando o abacate acabar?
          -Passo para o pé de coco.
Ela não ia me vencer.
Realmente tinha um belo pomar.

          Entrei no quarto e voltei com um embornal e o meu binóculo. O embornal para guardar as frutas e o binóculo eu queria observar o mundo.
          Subi rápido na goiabeira. Tem uns galhos fortes. Achei um local legal onde podia ficar sentado e em pé, a escolha. Observei ao redor.

          Via um pedaço da rua de baixo, conhecida como “rua do rio”. Via o cemitério com suas cruzinhas caiadas de branco. A torre da igreja. E ao longe a barragem do açude grande. Aquele era meu mundo. Além dali, das serras era o desconhecido.
Naquele dia minha mãe falou gritando com meu pai:

          -Na rua do rio, ali é lugar das mulheres da vida!

Depois maior, ouvi:  “Quem andava por ali não prestava”. Diziam:
“A felicidade era fingida. Comprada. Roubada”.

           Também descobri como tinha moradores nas árvores. São insetos como:  a formiga, um besouro fedorento, abelhas de todos os tipos e tamanhos.
          Pendurei o binóculo e comi a primeira goiaba aquele dia. A disputa estava feia, pois tinha um casal de bem te vis, que ficou por ali perturbando a manhã inteira.
          E também, minha mãe que se mostrou uma verdadeira bruxa. Ela começou a misturar suas ervas e temperos e lá para as onze horas o cheiro de comida fresca estava incrível. Quase desisti.
          Só à noite(tinha medo de escuro) quando vi que teria que disputar com as galinhas, pombos, rolinhas e outros pássaros, afinal eram hóspedes dali,  desci e ao passar por minha mãe que estava em oração, eu falei:
          -Só vou dormir aqui,amanhã eu volto.
Encontrei a cama preparada, meu travesseiro, os chinelos, até o penico ali. Dormi o sono dos justos.
          Já livre das formigas continuei cortando quando numa ponta de um galho baixo, vi um ninho. Era uma rolinha-rocha chocando. No sertão chamamos de “caldo de feijão”. Penso logo no desenho do pica pau, ele se defendendo do homem que quer cortar sua árvore.
          Mas aqui é uma pobre rolinha indefesa. Nossos olhos se cruzaram. “Será que esse ser, vai cortar minha árvore, destruir minha casa, e matar meus filhotes ela deve ter pensado.
          -Não! Vou parar por aqui!
Nesse momento Claudia apareceu.
          -Uai! Já parou?
          -É ... Infelizmente...
          -Você deixa tudo para depois...

Expliquei-lhe que era por um motivo nobre. Uma rolinha estava chocando ali, tinha filhotes e que os galhos maiores eu já havia podado. E se eu cortasse o galho ela e os filhotes morreriam. Ela compreendeu. É mãe. Temos filhotes também.
Enquanto eu guardava a foice um garoto em meu pensamento subia a goiabeira no segundo dia. Minha mãe olhava-me da janela os braços apoiados no parapeito pintados de azul, a fumaça cheirosa subia pela chaminé e ganhava os céus.
“Quero vê até onde ele vai aguentar!”. “Como se parece com o pai”. “Cuspido e escarrado” As gentes falava na rua.

          Não houve surpresas esse dia. Só uns gritos e uma cara disforme. Os gritos foram às vizinhas gritando: “O safado do seu filho está em cima da árvore, nos bisbilhotando no banho”.  A cara inchada foi um marimbondo vermelho que me picou bem na sobrancelha que deixou minha cara parecendo uma jaca madura. Passei uma semana deitado. 
         Desde aquele dia que minha mãe gritou eu tinha ficado “encucado”.  “Mulheres da vida!”.
Aproveitei que eu estava "dodói" como ela dizia a meus amigos quando chegava para me chamar, e soltei essa:

           Eu tinha passado um dia desses  por ali e vi  mulheres,cantando, vestidas de cores berrantes, rostos pintados, rouge e batom. Pareciam felizes.
Aí eu falei:

         - Toda mulher, um dia  vai querer ser da vida!

          Só não apanhei por milagre, mas ela me prometeu uma surra assim que eu melhorasse.


          Desisti de morar na árvore quando meu pai comprou a televisão. Agora ela é o centro até hoje, na minha casa, quando subi para terminar de ver o filme.

          Até tirar os filhotes foram quase quinze dias. À tardinha eu ouvia o  ”uú-uú-uú” dela. Parece cantiga de ninar. É monótono. Saíram dois filhotes.
          O mundo é perigoso para todos principalmente para os filhotes. As rolinhas da cidade já não têm que se preocuparem com os caburés, o falcões-de-coleira, os quiriquiris. Na cidade na existe esses bichos mais. Agora a grande preocupação é o gato doméstico.
          Depois de quinze dias aproximados tentaram e conseguiram o primeiro voo. Um gato olhou-os  e os seguiu até o pouso numa balaustrada.

Depois eles se foram. Ficamos sozinhos. Eu, Claudia e o ninho vazio.

         Temos saudades. Tem vez que ao olhar o ninho eu me pego perguntando se os filhotes  algum dia se lembrarão.
“As aves criam os filhotes até certa idade, depois eles voarão por conta própria. Virão os filhos, os netos.
         Eu particularmente fiz o mesmo. Construí um ninho com amor, dedicação,  eduquei, protegi, até onde minha asa alcançou. Depois que eles alçaram voo entreguei nas mãos de Deus.

 Não cortei a árvore. Está cada vez mais forte. Os filhotes ganharam o mundo. Só quero dizer-lhes que o ninho está intacto.


Um dia, se eu cismar, ainda morarei em cima de uma árvore.