quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Os dois violinos








                                Os dois violinos


          Na noite em que completava dez anos de casamento e que acabara de receber um buquê de flores vermelhas, Luíza recebera um telefonema em que uma mulher dizia peremptoriamente: “Seu marido é um monstro. Eu o reconheci hoje na televisão. É um torturador frio e sórdido!”.

          A mulher não diz mais nada e desliga. Luíza senta-se para não cair. Abaixa o fogo das trempes e põe as mãos na cabeça.

          Justo agora que Francklin recebera a medalha de honra ao mérito e estavam tão bem. Parecem coisas de invejosos, pensa.
          Vai até a mesa de centro e reler o cartão:

Parabéns para nós e para nosso casamento! Você é a esposa mais querida, fofa e amorosa que algum dia poderia imaginar ter na vida. Sou feliz ao seu lado e tenho certeza que sempre serei. Te amo, meu bem.
              Assinado: Francklin Moura Scarpa

          Luíza é uma mulher bela de trinta e três anos, arquiteta e dona de casa exemplar. Conheceu Franklin quando ele apareceu no escritório dela em busca de um projeto. Foi amor a primeira vista.               Desses de novela ou contos de fadas.

          Conheceram-se em janeiro e casaram em maio do mesmo ano no mês das noivas, escolha dela, numa capela simples de um pequeno povoado. Só amigos mais chegados escreveram no convite.

          Volta à cozinha a tempo de evitar um acidente iminente.  A filha de três anos que deixara sozinha para atender ao telefone. Estava atarantada.

          Grita:

          - Camila!  Já te falei mil vezes para não fazer isso! A filha assustou-se. Continua:

          -Não pode fazer isso entendeu? Entendeu?

          Justo na hora que Franklin chegava da corrida  e a viu chacoalhando a filha daquele jeito.

          -O que aconteceu?

          -Essa maluca quase se queimou no fogão! Por um triz!

          Acontece que ele sabia conquistar qualquer um, principalmente a filhinha dele.

          -Monta aqui no papai vai! Fica de quatro.

          Camila de primeira não quis. Mas sabe como é criança.

         -Vem senão o “vavalo” dá um coice!

          Fingiu acertar a ponta do pé na filha. Uma loirinha encantadora de três anos.

         Ela abriu o sorriso e montou nele. Brincou  um tempão.

          Franklin pensa: “Que diacho deu nessa mulher? Ela nunca tratou a filha dessa maneira!”.

         Subiu as escadas correndo.

         A mulher vai atrás. Fecha a porta do quarto.Liga a televisão.

          -Você ainda não viu? Veja você mesmo.

          Uma mulher falava para um jornalista, o quanto sofrera na mão de um torturador. Contava em detalhes como fora torturada, dias a fio, e se encontrava arruinada física e psicologicamente pelo homem chamado “Chacal”. Tinha a foto do homem.  Seu querido Franklin, amor da sua vida, seu marido.

          Franklin desligou a TV. Não fala nada, pega a toalha, entra no banheiro, pede que Luíza coloque um vinho na mesa e prepare algo saboroso para comerem. “Do chuveiro diz simplesmente: Sou inocente. Vou provar”.

          Luíza preocupada desceu para a cozinha, ficou pensando, enquanto preparava algo, se por acaso conhecia a fundo o seu marido. A resposta não veio assim de pronto, verdade sejam ditas, existem pessoas que não se deixavam conhecer, se surpreendeu saber que Franklin era uma incógnita para ela. 
          Não, não o conhecia.

          E agora não podia fazer muito, estava na casa da praia um chalé construído sobre uma rocha sólida. Ele comparou essa casa com o casamento deles. Como disse seu marido orgulhoso quando comprou, longe de tudo e de todos, mas o importante é que nosso quintal abre-se para o mar. Realmente uma vastidão de mar.

          Preparou a mesa para dois. Dois pratos dois talheres um vinho e duas taças de cristal.

          Esperava agora na cabeceira da mesa arrependida de não ter colocado um sonífero no vinho. Ele pegaria no sono e ela e a filha escaparia incólume.

          Mas por outro lado, precisava acreditar nele, ouvir ao menos a história dele, dá um voto de confiança, afinal todos são inocentes até se provar o contrário. 
          Isso a confortou momentaneamente.

         Porém não restava dúvida que uma noite de amor não teria nenhum sentido. Assim não colocou nada diferente, por exemplo: nos anos anteriores tinha comprado lingerie novas e cremes massageadores. 

         Assim Franklin chegou de roupão. O perfume do shampoo encheu o ambiente.  Colocou uma música ambiente para não acordar Camila. Escolheu a “Sinfonia da despedida” de Joseph Haydn. Tem uma pequena história sobre. Ele vai contar.

          Encheu as taças de vinho e brindaram a saúde, à vida e ao a amor enquanto  a sinfonia dava os primeiros estribilhos. 

           Franklin sempre fez questão de contá-la para as pessoas: Ele se orgulhava de conhecer a maioria das obras clássicas. Olhando para o fundo da taça começou:

          “Havia uma lei no império húngaro para que os músicos fossem ao palácio de Esterhaza no início do verão, sozinhos sem famílias para várias apresentações. Eles ficavam o verão inteiro sem vê-los e morriam de saudades dos seus. Inconformados, pediram que Haydn intercedesse de alguma forma ao príncipe.

 Então ele fez essa obra prima como protesto político. Durante a obra os músicos vão saindo e quase no final Haydn também deixa o palco e ficam somente dois violinos quase inaudíveis.

          Assim o príncipe entendendo o recado diz:

Meu caro Haydn, entendi a mensagem! Os músicos têm saudades de casa... Muito bem! Amanhã fazemos as malas...” e liberou os músicos.
          Com essa pequena estória a música fica mais bela.       Prestamos mais atenção.
A música assim se  eternizou pelos séculos.

           Agora é tarde para arrependimento pensou Luíza.

           Franklin já havia tomado duas taças. Ele veio em sua direção. Ela ficou em pé esperando-o. Ele a agarrou pelo queixo e a beijou na boca e nos seios. Com a volúpia dos violinos.

          Colocou a cara no meio de suas coxas. Mordeu, lambeu,beliscou e babou. Num impulso arrancou a calcinha. Ela está fria. Seca de sentimentos. A flor não acolhe, encolhe.

          Notando isso Franklin  pega seu membro  como se fosse um arco de violino e como um exímio violinista, que antes de tocar, passa o breu, que tem o efeito de produzir o atrito entre as cerdas e as cordas, gerando o som, ele passou lubrificante em seu membro rígido e a penetrou a força.

          Os violinos estão agora alucinantes. O breu fez o efeito desejado. Ele gozou. Gozou dentro da ferida recém aberta.

          Depois separam-se rispidamente. Um para cada lado.

          Os instrumentos vão parando um por um.

          Como fora bom o sexo outrora, Luíza pensou. 
          Agora só sentiu asco. Nojo dele e de  si mesma.

          Ele veste-se e entorna na boca o resto do vinho.

          Sobe as escadas, lento, ouvindo as últimas estrofes. Em fá maior.
         Depois desce transtornado. Descabelado.
        Os violinos rugem como um choro. Um lamento.

         -Onde ela... O que houve? Nossa filha?

          Luíza pergunta chocada.

          Tudo terminado, ele diz. A última sinfonia. Podemos ir para casa.
          Vem em sua direção. Coloca as mãos em seu pescoço e vai apertando...Apertando. Ela desfalece.

          Agora só a voz dos violinos em uníssono.