terça-feira, 19 de janeiro de 2010

As aventuras de um menino que tinha um sonho louco: Ser escritor ou a Gênese.


Foi aos três anos que recitei a primeira poesia. Era mais ou menos assim:

Batatinha quando nasce,
Esparrama pelo chão,
Mamãezinha quando dorme,
Põe a mão no coração.

Houve críticas e elogios. O tempo passou e esqueci principalmente as críticas, os elogios ainda lembro, já que foram de minha mãe, que chegou de mansinho: “Não se preocupe, não foi tão ruim assim é inveja deles”.

Lembro-me até hoje como um suplício. Foi com muito suor e dedicação que cheguei ao fim. Enquanto declamava, enfiava a mão no bolso, suava frio, desatando o suspensório, perdendo as calças e o estribilho. Aparecera, minha ceroula de bolinhas. Silêncio mortal.

Quando terminei, abaixei a cabeça, numa reverência, como fazem os artistas de circo e esperei os aplausos que jamais vieram, e que por isso, ecoam até hoje em meus pensamentos. Petrificado olhei ao redor. A maior parte ria. Todos gargalhavam em gozo e pilhérias. Menos meus pais.

Esqueci um tempo a poesia. Aí gozei a infância. Montei em cavalo, nadei em rios, joguei pião, bola de gude e tudo que me fazia feliz.

Veio a tristeza. A doença de meu avô. Minha mãe numa viagem que fez a capital trouxe noticia de melhora e na bagagem uma revista (Gibi) que me marcou, -Tarzan o homem macaco. E foi imitando esse herói, que quebrei o braço quando passava férias no sítio, e sem nada para fazer na convalescência, no tabuleiro nas terras ressequidas e arbustos esquálidos, dos juazeiros, do açude grande, do serrote, iniciei a minha caça ao tesouro.

Numa tarde de melancolia em que as cigarras gritavam sem parar, o sol a pino, torrava a caatinga, entrei na dispensa onde os vaqueiros guardavam os objetos de trabalho como chocalhos, arreios, cangas e todos os penduricalhos e coisas sem serventias e encontrei uma arca.

Era uma velha arca guardada ali há muito tempo. Tinha um grande cadeado, teias de aranhas e muito pó. Sobre ela uma ferradura de sete furos. Marcas de ferro diziam que alguém havia tentado abri-la sem êxito.

Naquele momento a imaginação voou, com as histórias que já tinha ouvido, de fantasmas, piratas e gigantes. Seria algo parecido?Algo se mexeu e ouvi o tilintar de dentes. Recuei um pouco e a porta atrás de mim rangeu batendo com o vento. Fiquei imóvel ouvindo o tique taque do coração. Lembrei quando na infância, tremia com medo de assombração, ficava encolhido no fundo da rede. Vi ratos que fugiam para se esconderem na penumbra. Com uma barra de ferro forcei o cadeado que frágil pelo tempo não ofereceu resistência. A tampa abriu-se com um estrondo.

Galinhas D’angola fugiram fazendo um escarcéu e morcegos balançavam de ponta cabeça no teto no meio de uma nuvem de pó e fuligem. Deixei a poeira baixar, e vi tão grande era o tesouro. Revistas de todos os tipos HQs coloridas, livros, livretos de cordel, pilhas e pilhas amarrados por fitas pretas.

Ali mesmo sentado sobre a tampa, batida a poeira, li histórias contadas em versos: de princesas, dragões, monstros, anões, gigantes em terras distantes, do sem fim, do nunca.

Vieram as paixões. Julieta fora à primeira. Fui um cavalheiro da Távola redonda. Lutei com os mosqueteiros. Ajudei João mata sete salvar a princesa, montei os cavalinhos de platiplanto; compreendi o cavalheiro da “triste figura”, conheci duendes, atravessei reinos. E todas essas histórias tinham o mesmo fim: “E então viveram felizes para sempre”.

Anos depois vi que não era bem isso. Que a vida era dura, meu avô morrera e vira uma foto de um irmão que virou “anjinho” e foi enterrado numa pequena caixa. Muito tempo pensei na frase de Guimarães Rosa: “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Os livros, estes, havia lido todos. Relidos até. Não me restava nada para sonhar. E a cidade que morava não tinha livrarias, bancas nem jornaleiros. Pedi alguns pelo reembolso postal mas demorava meses para chegar.

Foi quando triste com alguns finais, rascunhei minhas próprias histórias. Inventei finais, copiei, parafraseei, parodiei. Senti-me como um semideus, tendo sobre os personagens, o poder de vida e de morte. E esse poder é inerente ao ser humano. Pensamos, se não somos imortais, talvez nossas escritas.

Sigo agora meu caminho, entre dois mundos. Estou em aprendizado, sinto as frases quebradas, mas são minhas e isso é tudo. E essas criações, saem do papel faço-os peregrinarem em terras distantes, sofrer amores impossíveis, viverem epopéias e tragédias. Talvez para o próprio aprendizado ou de ambos, sei que hoje sou melhor como ser.

O que me fez pensar longamente. Seriam os poetas sofredores? Quem me responde é o grande poeta Fernando Pessoa:

“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”.

Assim sigo sonhando e escrevendo nem que seja para meu enlevo embora sejam fúteis os meus desejos.