terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dez coisas que levei anos para aprender:


Muitos escreveram inclusive Fernando Veríssimo, e eu:

Dez coisas que levei anos para aprender:

1-Os homens só se acertam quando tem os mesmos interesses.
2-Num papo em grupo, todos esquecem os próprios defeitos e falam dos outros como fossem perfeitos.
3-Amigos de verdades ás vezes enchem o saco, nunca os dedos da mão.
4-As invenções vêm das necessidades dos homens. Isso é a pura verdade, sendo assim se fosse imprescindível inventariam a paz.
5-A verdade é uma só. O ponto de vista é que muda dependendo do personagem.
6-A mulher é ótima mãe, boa amante, mas como esposa deixa a desejar.
7-No diagnóstico o médico não olha a cor da tez. Olha a cor do dinheiro.
8-O amor é físico, logo degenera.
9-Se a morte não for o ponto final, com certeza será uma reticência.
10-Os olhos veem o que ver, o cérebro transforma no que quer, o coração dilui e finalmente o ânus expulsa.
Tentem vocês também e boa sorte.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O último texto


Meu último texto

Li duas crônicas de ótimos escritores, Rubem Braga(Meu ideal seria escrever...) e Fernando Sabino(A última crônica)onde eles discorrem como queriam sua crônica ou poesia se soubessem que seria a última.

Eu no afã de aprendizagem correria de pupilo, essas coisas de iniciante, perdoem-me, escrevi também, ladeando ombro a ombro com tais.

Enorme foram suas sombras, mas espero que tirando as influências que podem até ser maléficas, estruturei meu texto, sofrido, saído palavra por palavra com dificuldade e ao mesmo tempo corrente com tão enorme proximidade.

Como falam os que gostam da gente “vá pela sombra” sabendo que andar livre e ao sol requer experiência, fui pela fresca aproveitando uma sombra ali outra aqui. Eis o texto:

Queria a escrita pela escrita. Palavras pesadas que fizesse sofrer e amenas que fizesse sorrir. As letrinhas caíssem do teclado como uma chuva branda e às veze tempestade. Cheio de adjetivos para colorir. Verbos e verbos ação. Substantivos muitos. Sem eles como nomear?

Só vi um problema que me deixou atarantado. Observem bem a pontuação. Notaram? Desde cedo vi. Dizem coisas que às vezes não queremos. Um perigo. Uma vírgula no canto de um olho é lágrima ressecada. E nesse árduo trabalho diário, tais palavrinhas saíssem pretas e tortas e como amontoados de iiiiiiii ferissem como tachas caídas no chão, cheio de vírgulas chorosas.
Saudade, saudade e saudade. Ah! Palavra bonita. Escreve quem a sente. Amor rima com dor já disse o poeta. O ponto é uma barata no porão. Não teria ponto, ficaria um texto aberto sem reticências, pois são três baratas em filas indianas. Elas vêm andando...

Til teria alguns. Nuvens pairando no ar. Sonho, sonho. Já soletrou? So-nho. Enche a boca. O coração também. Vejam: Mão, pão, não, ilusão, perdão. Enfeita. Esperança, palavra radiante. Dois pontos: Socorro! Baratas subindo na parede. Exclamação Ah! Não! Duas. Uma espremida pela porta. Interrogação? Uma barata e uma cobra. “Aspas” Parecem rugas ou rusgas. Cedilha bicho de rabo. Ponto e vírgula insetos; circunflexo só em careca é chapéu ou em ovo, cara de palhaço em você não tem graça. Não sem pontuação. Sem pontuação coisa supérfluas. São signos que nos lembram de insetos e detesto-os. Ah! Deixa a pontuação. Aos insetos interessam os insetos, eu cuido da emoção e só.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O macaco e o milho


O macaco e o milho


Certo grego, autor de fábulas famosas deu aos animais, vozes muitas vezes mais sensíveis e inteligentes que os humanos. Esopo era seu nome. Foi daí que me lembrei de uma história, se não me falha a memória, quem me contava era minha ama de leite, Maria, quando eu nas minhas estripulias sofria algum ferimento. Era o melhor remédio para as dores.

Deitado numa cama macia ouviu-a e a imaginação ia longe. Esquecia das dores, de tudo e de mim.

Vou contar a mesma história como ela fazia, cheio de caras e bocas. Para mim era como um elixir curava minhas dores, para vós se tirar-lhes um sorriso já fico pago, se nem isso, vão ao banheiro, talvez estejam enfezados.
No reino dos animais numa picada estreita vinha um macaco de nome “Chico”, sorriso na cara, arisco, brincando com um caroço de milho. Enquanto jogava o caroço para cima e pegava com a mão, com a esperteza que sabemos dos macacos ele imaginava: “Plantarei esse grão, que me dará com sorte uma espiga de milho, e estas outras dezenas e outras centenas e milhares e no futuro serei rico, até chamado o rei do milho”. Sonhando assim vinha quando numa curva o caroço caiu dentro de um toco rachado na beira do caminho. Tentou de tudo que é jeito sem conseguir recuperá-lo.
Cansado apelou para o toco.

-Toco me dá meu caroço de milho?
-Não dou.
-Então eu vou falar para o fogo, para o fogo queimar o toco e o toco me dá meu caroço de milho!
E assim fez:
-Fogo queima o toco para o toco me dá meu caroço de milho.
O fogo respondeu:
-Não queimo.
-Então vou falar para água apagar o fogo, o fogo queimar o toco e o toco me dá meu caroço de milho.
-Não apago.
-Então vou falar para o boi beber a água, a água apagar o fogo, o fogo queimar o toco, e o toco me dá meu caroço de milho.
E o boi disse:
-Não bebo.
Então vou falar para a vaca, para a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, o fogo queimar o toco, o toco me dá meu caroço de milho.
A vaca respondeu:
-Não mando.
-Então vou falar para o homem matar a vaca, a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, o fogo queimar o toco, o toco me dá meu caroço de milho.
O homem falou:
-Não mato.
-Então vou falar com a mulher para a mulher mandar o homem, o homem matar a vaca, a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, o fogo queimar o toco e o toco me dá meu caroço de milho.
-Não mando, falou a mulher.
Então vou falar com o rei, para falar com a mulher, a mulher mandar o homem, o homem matar a vaca, a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, o fogo queimar o toco, e o toco me dá meu caroço de milho.
O rei em sua majestade falou:
-Não.
-Então vou falar com a rainha, para a rainha mandar o rei, o rei ordenar a mulher, a mulher pedir ao homem, o homem, matar a vaca, a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, o fogo queimar o toco e o toco me dá meu caroço de milho.
A rainha:
-Não!
-Então vou falar com o rato, para o rato roer a rainha, a rainha mandar o rei, o rei ordenar o a mulher, a mulher pedir ao homem, o homem matar a vaca, a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, o fogo queimar o toco, e o toco me dá meu caroço de milho.
E o rato respondeu:
-Não!
-Então vou falar com o gato, para o gato pegar o rato, o rato roer a rainha, a rainha mandar o rei, o rei mandar a mulher, a mulher ordenar o homem, o homem matar a vaca a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, e o fogo queimar o toco e o toco me dá meu caroço de milho.
O gato miou:
-Não!
-Então vou falar com o cachorro, para o cachorro pegar o gato, para o gato pegar o rato, o rato roer a rainha, a rainha mandar o rei, o rei mandar a mulher, a mulher ordenar o homem, o homem matar a vaca a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, e o fogo queimar o toco e o toco me dá meu caroço de milho.
-Não, latiu o cachorro.
-Então vou falar com o leão para o leão comer o cachorro, o cachorro pegar o gato, o gato pegar o rato, o rato roer a rainha, a rainha mandar o rei, o rei mandar a mulher, a mulher ordenar o homem, o homem matar a vaca, a vaca mandar o boi, o boi beber a água, a água apagar o fogo, e o fogo queimar o toco e o toco me dá meu caroço de milho.
A majestade o rei dos animais era ano de política, falou assim urrando:
-Pode deixar que eu como o cachorro! O cachorro ouvindo latiu enraivecido:
-Pode deixar que pego o gato. E o gato:
-Pode deixar que como o rato. E o rato:
-Pode deixar que rôo a rainha. E a rainha:
-Pode deixar que peça ao rei. E o rei:
-Pode deixar que eu mando a mulher. E a mulher:
-Pode deixar que eu mando o homem. E o homem:
-Pode deixar que eu mato a vaca. E a vaca:
-Pode deixar que eu mando o boi. E o boi:
-Pode deixar que eu bebo a água. E a água:
-pode deixar que apago o fogo. E o fogo:
-Pode deixar que queimo o toco. E o toco:
-Toma teu caroço de milho.

Moral: Quer resolver um problema fale com o chefe.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Nem só de amor...


Uma ratinha, por incrível que pareça, amava uma serpente. Acreditem! Há na natureza essas coisas inexplicáveis. Um porco que mama numa vaca, um cachorro vive pertinho de um gato. Exemplos não faltam.

Por sorte que souberam que Jesus amou a Judas. Que o povo preferiu Barrabás e que aquele dia sombrio, Nero lavou as mãos. É o que faço agora na vossa presença sem escrúpulo nenhum, naquela de que vamos ver o que acontece.

E foi isso. Diariamente a ratinha em cima do muro, note bem, via seu amor deslizar calmamente entre a grama do quintal, soberba. Oh! Serpente, bicho peçonhento, se ama, qual a natureza de teu veneno. Fora culpada em desencaminhar no paraíso. Era assim que a ratinha a via.

De tanto se encontrar aconteceu a paixão, e da paixão para o amor foi um pulo. Desesperada ficava a pensar, por que Deus na sua onipotência não a presenteava com o amor entre outras espécies.

-Senhora cobra, tenho muita curiosidade em conhecê-la, mesmo sabendo que em séculos sou de longe a preferências em suas presas.

-Oh! Ratinha. Peço-te perdão pelos meus. Desce daí e vem para a relva conversarmos melhor.

-Minha cara! Sou tímida, mas te confesso sem pudor. Amo-te loucamente, como Romeu amou Julieta, desde o primeiro dia que te vi.

-Eu de minha parte já a amo também. Vem mais perto, pois o amor é carente de afeto e de toques. Quero sentir teus pelos macios, teu pequeno coração bater perto do meu.

Desceu um pouco desconfiada e quase se sentiu desfalecer, como que hipnotizada.
-Oh! Que pele sedosa. Tuas escamas são lisas.

Nisso a serpente deu o bote. Em segundos o veneno iniciou a paralisia. A ratinha se enrubesce.

-O que é isso? Dou-te afeto tu me picas! Por que fazes isso? Não me amas como eu?

-Eu te amo bem sei, mas meu instinto... Meu instinto! Oh!

E foi engolindo devagar, degustando a presa.

O caminho



Um menino, os seus sonhos, era diferente de todos. Queria ser escritor. Então os pais contrataram os melhores professores, que deram pilhas e pilhas de livros para ele ler. Primeiro os clássicos de todas as escolas, e épocas. O menino descobriu que se lesse um livro por dia teria que viver quatrocentos anos.

Então pediu o menino: “Resumam essa lista”. E os professores de imediato o fizeram. O menino calculou que desta maneira teria que viver ainda até os trezentos anos. E rira de si mesmo. Não era nenhuma tartaruga para viver assim, tanto.

“Diminuam mais pediu. Senão passarei minha vida estudando e não sobrará nenhum dia para o grande ofício.”

E assim fora feito. A lista diminuíra drasticamente. Mas o menino já era homem. Lia desesperadamente contra o relógio.

Um professor dera a idéia de ler poucos livros, mas esmiuçando, descarnando, desossando. Sabia de cor todas as passagens, as cenas os cenários as reflexões.
E isso fora feito. Lento, gradual, suando em gotas, deslumbrado. Parecia estar pronto.

No grande dia, a página branca. Branca e branca. Quando escrevia, parecia outro, era como tivesse encarnado em seus ídolos.

Recorreu a um velho escritor. Ele dissera. “Escreva, escreva e escreva. Hoje mudo, às vezes com vozes de outros, vá em frente sem medo, escolhendo as palavras. Um dia, para seu espanto, descobrirás tua voz.”

Depois da voz, escreva, leia e escreva. Depois corte, corte e corte. Leia e escreva.

Conto de Esopo


O homem bom o falso e os macacos.
Conto de Esopo.


Esopo foi um grande fabulista, o maior deles. Foi ele quem desenvolveu o gênero narrativo na Grécia no 6º. a.C na Grécia. Suas fábulas (620—560 a.C.), contavam histórias em que os animais dialogavam e ao desenrolar da história passavam lições de caráter e sabedoria.

Dois homens um bom e um falso chegaram ao reino dos macacos. Sabendo disso o monarca ordenou a vinda deles a sua presença. E aí perguntou ao falso:

-O que os homens pensam a meu respeito?

O homem falso respondeu que todos achavam um excelente rei, seu povo extraordinário, e seus soldados os mais valorosos.

Feliz da vida o rei premiou-o com belas mulheres e muito dinheiro.

O homem bom presumindo que ao mentir o rei dera ao falso tantas coisas,então se ele falasse a verdade seus prêmios seriam melhores.

E o rei fez-lhe a mesma pergunta, no que ele respondeu verdadeiramente:

-Majestade, vocês não passam de macacos.

Irado o rei mandou matá-lo.

Moral da história: Quem ama receber lisonjas detesta a verdade.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Primeira carta


Oi, Filho, Deus te proteja sempre.

Levado por algo que chamamos de saudade, palavra esta que dizem só existir na língua portuguesa, mas que mora em meu coração redigi este e-mail(Antigamente seria uma carta ou missiva) para começarmos, se você quiser, fique isto claro iniciarmos um diálogo entre pai e filho.

Nada de original nisso. Depois que li Ana e Pedro(cartas) Livro de Vivina de Assis Viana e Ronald Claver, onde eles usam a carta para se conhecerem, tive a mesma idéia.

Poderemos contar coisas que nos acontece no dia a dia e por estarmos longe, fica-nos um vácuo que preencheremos quem sabe a partir de hoje.

Não aceito a desculpa de “não sei escrever” ou falta assunto. Às vezes olho no olho acontecem essas coisas talvez pela emoção, e aí dar aquele silêncio. Mas o que é o silêncio entre amigos senão uma sinfonia que só quem ama ouve.

A escrita filho, ela é feita de muito suor e exercício. Aí está mais um motivo para tal. Sabendo que a redação é importante em qualquer ramo de atividade, mataríamos dois coelhos de uma só cajadada. Treinaremos nossa prosa e ao mesmo tempo trocaremos figurinhas.

Um abraço do seu pai,
Ubá, 13 de maio de 2010

P.S Comprei um álbum da seleção para relembrar os velhos tempos. Quem sabe não trocaremos figurinhas novamente.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Parecia sonho



“Por acreditar que a violência, ainda nos constrange.”
Aldo Marin

“HOJE NÃO TEMOS MAIS A OPÇÃO ENTRE VIOLÊNCIA E NÃO-VIOLÊNCIA. É SOMENTE A ESCOLHA ENTRE NÃO-VIOLÊNCIA OU NÃO EXISTÊNCIA.”
Martim Luther King

Foi na saída de um shopping Center. Eu fui lá pra mode ver as vitrines. Era meu sonho de vida inteira. Assim. E como são bonitas. Dá gosto em ver. Não fui para comprar não, isso não. Não tenho dinheiro. Fui realizar um sonho antes de morrer. Não tenho casa, não tenho família, lugar para dormir.

Aproveitei a roupa que ganhei de um pastor que me quer em sua igreja. Umas histórias de vida eterna esses troços que não entendo. Talvez ele seja político não sei. Sei muito pouco. Sei muito, assinar meu nome. Só. Severino de Assis Silva.

As vitrines só faltavam falar. É. Surgem assim como fossem voar sobre nós. Se oferecendo como mulher da vida. Umas mocinhas sorriem assim de muitos dentes para você dentro das lojas. Dez vezes no cartão. As lanchonetes têm fotografias que dá água na boca de só ver. Meu estômago começou embrulhar de fome. Era para mim como “televisão de cachorro”, aquelas máquinas de assar frango que fica nos botecos. Eles só olham coitados. Como eu me senti agora. Um cão.

Doía na vista tudo aquilo, aquela fartura que nunca sonhei. Senti-me como dentro de um paraíso. Vi nos olhos das crianças, o brilho que se perdera nos meus. Os brinquedos corriam e falavam como se fossem gente. Gente melhor do que eu. Mesmo assim me senti tão feliz como pinto na merda. Mesmo sabendo ser como erva daninha num jardim.

Subi várias vezes à escada rolante. Único brinquedo gratuito por ali. O resto é o olho da cara. É sim. Da hora. Nunca me diverti tanto.
Estava quase me sentindo como um deles, quando na saída alguém me estirou a mão. Olhei para ele, estava sujo, desleixado, barba por fazer, fedendo a fumaça, encardido, cheio de remelas, a pobreza na cara, sem dentes, olhos opacos.

Olhei de lado, sorri intimamente e falei: Não tenho trocado agora! E ainda: Afaste-se! Não me importune! Dei as costas e andei. Sem olhar para trás. Depois xinguei, Caralho! Puta que o pariu! Não se pode ser feliz um dia? Um dia. Dia. Diabo!

Observei-o. Segui-o de perto. A sombra de mim mesmo. Ele entrou numa rua escura, parou, olhou em volta, deitou-se sob uma marquise. Aproximei-me devagar. Com receio, talvez com pena. Olhei de perto. Uma ruga surgiu em sua testa, o infeliz. E foi nesse instante quando ele parecia sonhar, pois estava sorrindo, que eu joguei o álcool e taquei fogo.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Cena


A cena é esta, cheia de anseio,
Caos, morte e devastação.
A terra seca falta o seio,
És pó e ao pó, tornarão.

O abutre e a presa, certa comiseração,
Afastado, olhos baixos, sereno,
A presa meu Deus é humano,
Curvado, uma criança negra e o pequeno

Corpo, raquíticos entregue a desolação.
Como manterei minha procriação?
Questiona o abutre, solene.
Esse é meu instinto. E completa:
O do homem não sei...

terça-feira, 23 de março de 2010

O espelho


Quando ao espelho
Vejo-me melancólico,
0lhar frio e estrambótico,
Cabeça, corpo e membros;
Crânio, boca e massa encefálica;
A voz verborrágica,
No rosto marcas de risos e raiva,
No mesmo espaço
Como disfarces;
No centro o membro fálico,
Impulsionado por emoções bizarras,
O semblante pérfido às raízes
A derme modelada, noutras vidas,
Pensamentos, disformes;
Distancio-me do espelho, e choro.
E na dor imploro,
O avesso da carne.
Não sou quem eu sou, nem que vejo,
E sim a imagem invertida de mim mesmo.

A morte do escritor






De manhã o escritor morreu,
Sereno,
Solene,
Pequeno e
Só.
Sem nenhum aceno ou algo que o valha,
Terremoto,
Maremoto... Nada. O que restou,
O olhar agudo entre as flores,
Fixos,
Como a fitar,
As dores do mundo.

Último verso



Queria meu ultimo verso,
O reverso do universo.
Conciso e inciso,
No concreto.
Discreto.
Abjeto no espasmo
De um orgasmo.

sábado, 20 de março de 2010

Pindorama



Irerê quando saiu da floresta para a praia, achou que era o único morador daquele mundo. Saiu assim mesmo pelado, foi banhar-se na manhã fria, sentindo os peixes beliscarem seu sexo, e ficou ali deitado, curtindo a imagem exuberante das matas, o azul do céu, o horizonte liso. Olhou para trás de si e viu a floresta densa, escondendo sua morada, toda sua família achava-se protegida, pela mãe terra, e sorriu de tanta felicidade.

Nesse momento, olhou estupefato, duas vezes para o horizonte agora enrugado. O que seria aquilo Tupã, deus misericordioso, pensou, levando às mãos a boca. Algo grande boiava, nas águas e se dirigiam em sua direção. Pensou nos filhos e mulher na oca, inocentes em seu descanso. Desconfiado notou, que do grande bicho, saíram dois filhotes que pareciam taturanas com as pernas nadando ao seu encontro.

Saiu da água de um pulo só. Sem roupas pegou uma folha de bananeira e cobriu as suas safadezas. Os seres estranhos, “branquelos”, pararam as margens e desceram com grandes artes na cabeça, olharam para ele e pensaram: “São simples andam nus e facilmente ludibriáveis.” Andaram na praia, olhou as matas, o céu... Viu que um deles tomava nota de tudo, escrevendo.

-Caminha! Caminha! Veja que aves tão lindas. Duas araras namoravam numa árvore. Irerê não perdia nada, observava que os brancos pisavam em utensílios de couro, não andavam descalços, e cobriam suas vergonhas completamente.
-Que calmaria. Depois vieram as correntes marítimas, por sorte descobrimos esse paraíso, mais riquezas para nosso rei.
-Muito bem, desfraldem a bandeira. Declaro por Deus e pelo rei sermos donos de toda essa ilha, e de tudo que nela exista.
-Cabral: dou ordem para baixarem as velas da “Pinta” e “Nina”?
-Claro! Claro! Vamos pernoitar aqui. Montem as barracas.
Homens cortavam paus aplainava o chão e Irerê os observava quietos, no canto. Três homens que pareciam serem chefes adiantaram em sua direção.
-Raios! Falou um deles, já vi esse filme antes.
-Parece que foi ontem, hehehehehe!
-Ofereçam presentes para ele. Coloquem ali para ver se ele se aproxima.
Irerê aprofundou-se na mata e em meia hora voltou com toda a tribo. Olhavam extasiados para os objetos, espelhos principalmente, e fitavam-se olhando seus espíritos.
-Uns ignorantes. Vejam como são vaidosos, olham-se sem parar.
-Você acha que nossa civilização tem muito que ensinar para eles?
-Sem dúvidas sem dúvidas!
-Senhores: Aqui estou pensando com meus botões, se pudéssemos levar para a corte, um espécime desses, que sucesso faria.
Oh! -Oh!-Oh!-Oh! –A nossa rainha ficaria louca!
-É pena, mas não viemos para isso? Queríamos descobrir o caminho para as Índias. Deixemos para os futuros colonizadores.

Era um belo dia de abril. As araras voavam em algazarras, como crianças a brincar, gaivotas paravam no vento e mergulhavam nas águas azuis trazendo pequenos peixes no bico, as ondas quebrava em estrondos, o vento ricocheteava nas árvores cantando uma estranha melodia. Irerê pensava: “Tupã finalmente ouviu minhas preces. Será minha salvação e de todo o meu povo. Com a amizade desse povo e todo o seu poder nos protegerá de nossos inimigos.”

Foram convidados para subirem nas caravelas. Eram construções grandiosas, jamais vista pelo seu povo, sonhava conseguir todo aquele poder, toda a fortuna que a vida dá.
Nessa noite e nas subseqüentes o Pajé e toda a tribo rezaram agradecendo á benção conseguida.
Na manhã do sétimo dia as caravelas zarparam levando ouro, a casca de uma árvore com tinta rubra e presentes, prometendo logo voltarem para ensinarem toda uma cultura, mostrarem um novo Deus, e a salvação eterna.
Irerê ficara só, na praia, olhando o horizonte, até que ficasse liso e sentiu um aperto no peito, uma grande solidão lhe abatera no meio da mata, sonhava sem saber quão perigoso são os sonhos.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Sonhar é preciso




Desde criança todos os dias ele fazia a mesma coisa. À noite, orava para Deus, pedindo proteção,e depois que a mulher dormia, procurava um lugar sem luz onde pudesse contemplar o firmamento e o brilho das estrelas. Nesse momento o coração ficava pequeno ante a grandeza das coisas. Em sua fé havia muita esperança e amor; ansiava por dias melhores. Sentia-se um solitário.

Fizera noventa anos, recebera os presentes, fora um dia tranqüilo, sem sobressalto, mas havia em seu olhar algo como uma névoa sombria. Os filhos todos foram morar longe, alguns até em outros países, “tocando” a vida como dizia. Com os nós dos dedos repuxou as rugas envoltas dos olhos para enxergar melhor. Quem algum dia chegará a conhecer o coração humano? Debruçado a janela, olhos no alto, o cabelo como cachos de algodão, sacudia ao vento.

Súbito ouviu sons as suas costas, e viu a mulher arrastando os chinelos no cimento, com a cara de assombro.
-Ah! Meu bem, não conseguiu dormir também? Ora, ora, esse calor.
- Não se preocupe. Vim tomar um pouco d água.
-Porque não me pediu?
-Não queria acordá-la.
A mulher cordão de ouro no pescoço, brincos dourados, vaidosa não obstante ao tempo. As rugas eram como um terreno recém arado. Nas mãos, o terço em constante oração.
O mar jogava-se todo sobre a areia. Entrava no outono, e ao longe se ouvia o tombar das ondas.
-Veja José, as três Maria, apontava com o indicador.
-Não as aponte com o dedo, nascem verrugas horrendas, dizia em criança. É, e além o cruzeiro do sul. Baixou os olhos por momento. -Alguém mandou notícias?
-Não! Sonhei com eles hoje. Todos reunidos em volta da mesa, como no tempo de crianças.

-Tempo que não volta mais...

Sentiu-se cansado, os dias passavam, olhava na caixa de correspondência por notícias que nunca vinham. Acordava, orava, calçava os chinelos, ia escovar os dentes e ouvia o eco dos passos de Maria em direção ao portão. Se houvesse uma carta, uma sequer, ouviria os passos apressados em sua direção, e na pequena sala protegidos da claridade, bebiam juntos as palavras tão escassas. A voz saia embargada. Sem cartas, não havia ecos, só o marulhar da água, sobre as flores do jardim. Aguava-as.

Uma estrela cadente iluminou o céu. “Venha, vamos façamos um pedido juntos, quem sabe não se realiza?”

Olhou para fora e o silêncio era mortal. Nem atrás das longínquas montanhas sibilava sequer o vento. Só o barulho das ondas como o ressoar do tempo. Cabrum... Cabrum... Cabrum...

“Se ela soubesse, que fiquei todos esses dias, aqui quase a noite inteira, ah! acharia estranho e talvez quisesse mandar-me ao médico para mais uma consulta, diacho sei que não preciso de médico”.

Outro dia outra noite.

-Ann! Estava longe em pensamento, desculpe. O que você disse?
-Que chegou carta de Osvaldo ontem. Ele está bem, para não se preocupar, que um dia ele volta para tomar conta de nós.

“Não soube responder como chegara ali. Mentalmente revia as imagens do roteiro que fizera. Passara por vielas escuras e más cheirosas, ouviu suspiros que outrora o faria gelar, mas que ali pelo contrário, enrubescera somente, deslumbrado de felicidade. Sentiu cheiros e sons da infância. Vida que se apresentava aos seus olhos jamais imaginados. Sentiu tanto fulgor e felicidade como quando lera seu primeiro livro. Em ambos, os momentos, um clarão iluminara-lhe sua mente, acordando-lhes os sentidos que até ali se encontravam embotados.

-Estava lembrando-se da minha juventude. Como toda a vida fui um tímido.
-Não! Achei você até bem ousado. Lembra que me roubou da casa dos meus pais. Foi a maior prova de amor.

“Olhares convergiam para ele, sorrisos, dentes, línguas, gengivas vermelhas, pernas e seios fartos. Mulheres em trajes mínimos andavam de um lado para outro. Ah! Paraíso! Parou sob um poste. Olhou as estrelas. Cálidas brilhavam na imensidão. Porque tanto solidão meu Deus! Porque o homem é tão só, perguntava a si mesmo. Penumbras sobre os olhos tristes.

Uma mulher desprendeu-se do grupo e atirou-se sobre ele. Chegou com intimidade e perguntou de chofre se queria divertir-se. O cheiro de perfume ordinário penetrou-lhe pelas narinas deixando-o tonto, talvez pela emoção da proximidade, das carnes fáceis. “Coitado, tão tímido o menino.”

-Toda sua família era contra nosso namoro.
-Quando te vi chegando à igreja me apaixonei.

“Das janelas saia um halo divino. Foi puxado pelas mãos. Seguiu-a sem fitá-la. “Para onde meu Deus, se nem sei quem sou?”O medo o atormentava. As pernas, peraltas, foram adiante, ouvindo no beco o eco dos seus passos, distante, como se fossem de um espectro. No ar tenebroso o cheiro de perfume e fumaça. hipnotizado.”

- Tive insônia todos esses dias.
-Por que se preocupa demais com as coisas.
- Vim aqui para tomar um ar, estava muito abafado.

“Bem perto, ouvia gemidos, gargalhadas pérfidas, e esse ambiente de perdição davam-lhe arrepios e uma grande liberdade. Entrou numa casa e foi levada a um quarto, idêntico ao da mãe. No canto um pequeno guarda roupa, uma cama larga e lençóis amarrotados. Atrás da porta, quase escondido, um pequeno oratório, a bíblia com a página marcada, no chão uma vasilha com água. Orai por nós, mãe. As mãos frias, tanta ingenuidade. Um corredor escuro, no fundo lamparinas com luz mortiça. Na cabeceira um grande crucifixo feito de madeira escura. Ouviu o canto da mãe, onde as lágrimas molharam. Santo anjo do senhor iniciou uma oração.”

-Em que pensa agora?
-Nada. Coisas sem importância. Ele vem quando?
-Não falou. Talvez no fim do ano, não sei. Sinto tanta saudade.

“Orou em silêncio, soletrando as palavras lentamente. A pele tomou a cor do pecado. Rubro. Era como uma serpente num corpo de anjo. Ela estava ali nua e eu só na minha solidão. Uma névoa pairava sobre aquele lugar soturno e mágico. O coração apertado as mãos suadas e frias. Ouvia frases como ecos. “Seja homem! Passamos todos, “por isso”.”

-Ah! Ele não liga pra gente. Nem me lembro do seu cheiro e de sua voz.
-Criamos os filhos para o mundo. Maria alisou com as mãos o vestido enrugado-Como não vi estas coisas! Poderia te fazer companhia, relembrar nosso passado, tão lindo...

-Não quis importunar, dormias como uma criança. Olhou os pés naquela noite abafada.
“-Sente aí que já volto! A mulher saiu cantarolando alguma coisa imperceptível. A nudez era fria. Volveu os olhos para o alto além da janela e nos morros para além das casas soavam tambores e cantavam-se canções. Estava imóvel, petrificado. Voltou. Ela olhou-o com olhar evidente. ”Deite-se filho! Dito isso o puxou de encontro a suas carnes tenras. Amoldamos a melhor posição e conforto.” Riu consigo mesmo.

-Que tens?
-Recordações... Recordações...
-Pelo menos estou nessas cenas?

“Beije-me querido! Os corpos se procuraram. Corações batiam. Abraçaram-se. Os tambores calaram, e no momento em que as carnes cederam, um sentimento de posse e volúpia os atingiu tão violentamente que parecera ouvirem sussurrarem palavras de amor, e em segundos ele sentiu uma força, uma liberdade abrindo-lhe as portas para a vida. E foi, como o lampejo dos poetas em plena criação.”

-Maria me dê à mão. E puxou-a para fora. Saíram de mãos dadas pela areia.
-isso é loucura! Estamos velhos, sorria indecorosa.
-Venha! Venha! Olhe o luar, que coisa mais linda! Não deixemos para amanhã...
-Tanto tempo não fazemos isso. O sereno vai nos fazer mal, ai meu Deus que loucura!
O vento batia forte na palma dos coqueiros.

-Olhe as ondas, veja, entre, a água está morna. Crianças. Jogaram água para cima, viam as marcas feitas pelos pés na areia. Marcas! Marcas! Em tudo e todos ficam marcas. Exaustos sentaram–se na areia. Um clarão já deixava avermelhadas as ondas, viam o sol nascer. Uma luz brilhava no horizonte deixando as águas da cor de prata. Ela deitou-se no seu ombro, ardente.

- Esses últimos dias estão nebulosos, fico todas as noites me perguntando... Olhando para o universo.
-Pobre homem, deitou-o em seu colo. –Tolo! Sozinho todos esses anos.
-Veja Maria aquele navio. Sim. Aquele quase sumindo no horizonte.
-O que tem?
- Vai ele, em sua rota na certeza que um dia chegará, em seu destino...
-Sim! S-sim! Com certeza!
-A mesma coisa aquela estrada ali, ta vendo? Depois da ponte sabemos que tem outra estrada e outra e mais outra entende.
-sim.
-Mas há muito tempo, depois que nossos filhos se foram, meu coração é só um buraco aqui no meio que não tem fundo de dor.
-Deus meu, como não notei antes.
-E... Coçou o olho para não chorar – Você sabe que a maior tristeza dos pais é o esquecimento dos filhos não sabe?
-Bobo! Bobo! Os nossos não nos esqueceu. Eles são ocupados, nada mais.
-E nesses dias, que fiquei sem dormir cheguei a uma conclusão: Se queres matar alguém, não precisa de violência, de nada a não ser deixá-los na solidão...
- Mas temos um ao outro.
-Leio esses romances cheios de promessas, e que no final nada acaba bem e a mocinha fica sabendo que fora enganada, que tudo, tudo mesmo, fora um engodo.
-isso não passa de ficção.
-Viu aquele barco? E se ele jamais encontrar terra! Navegar, navegar... A esperança vidrada nos olhos dos marinheiros. Dias após dia. Pergunto: Seriam mais infelizes conhecendo a verdade? Hem! E Se todo esse tempo eles tiverem enganados, séculos e séculos sem fim, e que a terra for somente uma miragem, no único propósito de manter- nos calados a respeito das grandes aflições da humanidade? Se tudo fora urdido pelos poderosos, para que fiquemos como cordeiros sem grandes revoluções, sem atrapalhá-los em seus tronos e suas riquezas. Hem!

-Homem, tenha fé.
-Foi tudo que eu fiz todo esse tempo. Acreditar! Acreditar! Acreditar! E se acaso, for só um grande sonho. O homem sempre foi propenso a sonhar...
-Não se martirize assim.
-Deus... Agora sei, não vivemos sem sonhos...
-Calma! Homem, esse frio vai-lhe fazer mal. Tão quente tua mão.
O olhar sombrio. Levantou a cabeça como que febril.
-Que banalidade, seguir um sonho...
-Vamos para casa, vou fazer um chá e tudo vai melhorar.
- Seria tudo um sonho louco que o homem inventou, com medo da solidão das guerras, do seu extermínio? -E... Se no final nada acontecer. O que será de nós? Se depois da ponte só encontrarmos o vazio? Pobre de mim, pobres de nós...
Se a verdade fosse outra, não a de nossos sonhos...

-Esta é a fé. Nada além nem aquém.
-Ah! Como sofro com essa incerteza. É como chorar nossos mortos sem corpo presente. Sempre o vazio. O cadáver pelo menos nos dá consolo, mesmo na tristeza. Abandonaríamos os sonhos, a ficção, não seríamos ludibriados pelos escritores, esses criadores do engodo. Existirá alento?
-Creio e só.
- Acho que perdi a fé em tudo, e isso esta me trazendo uma grande tristeza. Passou a mão na barba por fazer. E você francamente acredita?
-Quem sou eu para duvidar? Não penso nisso. Veja a natureza, que esplendor! Alguém muito poderoso a criou.

-E... Se for apenas um sonho... Um lindo sonho... Minha grande tristeza é que a partir daí veríamos as estrelas... somente como pontos reluzentes. Teríamos nossa única certeza inexorável. O fim... E dormiu exausto no colo da amada.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Estorvo


“Meu nome é Rita, mais conhecida por “Ritinha do sinal”. Vendo balas e chicletes para sobreviver. Sou filha de “ninguém”. Sou órfã de pai e mãe. Pareço forte mais por dentro sou frágil e necessito de carinho. Tem dias que me sinto tão só que pareço que não existo. Nem minha sombra costuma me acompanhar. Agora tenho dez anos mais ou menos, não tenho certeza, pois não tenho certidão de nascimento. Às vezes tenho fome que me dói o estômago, mas o que me dói mesmo é quando vejo famílias, cruzarem meu caminho, dentro de carro com os vidros fechados, que inveja me dar, dói-me aqui moço aponta o peito, e começa a chorar.

No dia que me senti assim, tudo doía dentro de mim. Minha pele queimada pelo sol ardia. Minhas pernas trêmulas me arrastavam sem vontade de ir a lugar nenhum. Os transeuntes me olhavam talvez com dó e seguiam seus caminhos. Ninguém pára para ajudar.

Chegava perto de uma lanchonete e logo o dono sinalizava para afastar-me. Não queria assustar os clientes, moço. Uma criança sorria ás vezes e eu devolvia o sorriso cariado. Um senhor de bigode me deu um pacote de biscoito-nunca tinha comido algo tão saboroso. Como foi bom. As dores passaram e eu já conseguia sorrir.
Saí dali e fui para o sinal. Tenho que ganhar meus trocados, moço, pois logo estarei com fome novamente. Muitos carros quando me vêem, sobem seus vidros, com medo de mim, como se eu pudesse feri-los. Eles é que estão me ferindo. Abaixo os olhos. Já estou acostumada. Agradeço aqueles que me compram as balas com gritos de alegria. Sei que a vida está feroz. Vi muita gente morrer neste sinal, mas não tive escolha ou a vida me escolheu, não sei.

Um dia encontrei meu anjo ou demônio. Usava óculos escuros, sapato de couro fino, depois vim saber que era pelica, ele mesmo que falou camisa de linho, cabelo bem cortado e uma bonita mala preta. Parou no sinal pedindo informação, e do interior do carro veio uma música baixinha, uma brisa fria e um cheiro gostoso de conforto. Ajudei com informação ele perguntou meu nome, me deu biscoito e prometeu um dia voltar, quando tivesse mais tempo.

Enquanto ele não voltava sofri muito, usei droga, passei fome, vi a vida passar com incrível rapidez. Envelhecemos mais rápido na rua sabe. Talvez por falta de afeto. Chorei e como. Depois vi que lágrimas não regam flores.
Mas o homem do carro preto voltou e, todo dia passava ali e me deixava comida. Conversava comigo, dizia que qualquer dia me levaria para conhecer a praia. É meu sonho, sabe moço. Já vi na televisão. É água que não acaba mais. Quando cheiro cola, tenho esses sonhos. O sonho de ver o mar, de ter uma família esses sonhos impossíveis. Tenho amigos que já morreram. Hoje as drogas são muito misturadas, faz muito mal, mal mesmo. Acordei quantas vezes , tremendo, suando frio, parecia que ia morrer.

Volto a falar do meu anjo. Foi num dia assim que o vi pela primeira vez. O carro preto sempre reluzente parou e me comprou balas. Nesse dia estava com febre, e quando ele abriu os vidros saiu um ventinho frio de dentro. O ar era perfumado. Que cheiro bom. Perguntou pelos meus pais, onde eu morava, se preocupou comigo. Deu-me biscoito e ficou me observando. Eu gostei até. O seu olhar parecia atravessar-me. Lembro que ouvi muitas buzinas. Os moralistas eu sei. Comi devagar me deliciando.
Às vezes sumia meses e nesse tempo era ruim doutor. Tinha dia que chovia e fazia um baita frio, e não conseguia vender nada. Tinha que cheirar para enganar a fome. Dormia em cima de papelão. Um belo dia ele reapareceu. Tinha bebido, vi pelos seus olhos. Estavam tristes por incrível que pareça moço, tinha tudo e tava triste. Foi nesse dia que ele me levou. Feliz, fiquei olhando as nuvens.

Deixei o vento entrar pela janela, soprar meus cabelos, aquilo me dava uma impressão de liberdade. As nuvens tinham formas variadas. Vi bonecas, ovelhas, casas, muitas casas. Queria ter uma com tudo dentro. Um Pai, uma mãe e muuuuitos irmãos. Sim, uma família grande. Cachorro também. Um jardim na frente. Cheio de rosas vermelhas, Eu amo rosa vermelha. Os postes passavam rápido.

Quando olho ele esta sorrindo para mim, com aqueles dentes branquinhos, pareciam fileiras de coelhinhos. Olhei envergonhada para o chão. Senti um calor estranho e a face esquentou, parecia desejo. Quem mora na rua sabe dessas coisas. Não há como fugir. O ar é convidativo. Toca uma música lenta, peço para colocar um funk. Ele acelera. Um poste dois postes, três postes... Levanto o vidro. A película negra escurece o interior. Sinto o poder. Quando estamos confortados, protegidos, o medo some. Vi meninas como eu no sinal. Abri o vidro para que me reconhecessem em vão. Queria mostrar-lhes que eu não era a mesma de outrora.

Vi ele ficar sério. Era um homem bonito, destes que aparece na televisão, usava relógio, celular, camisas de mangas compridas, e os braços peludos e o peito também. Vi tudo de relance, pois o que me importava era os postes passando rápido lá fora, as pernas pelas calçadas nos passeios de final de tarde, o movimento calmo do carro.
Foi aí que senti a sua mão fria passar sobre minhas pernas e sorri. Sabia que nada nesse mundo era de graça. O que eu dava a ele era o que ele não tinha: amor, atenção, em troca teria comida e o brilho que o dinheiro dar. Aquele passeio poderia sair caro. Cruzei as pernas fugindo das carícias.

Lembro a primeira vez que tentaram comigo. Foi um garoto lá da rua. Tive medo. Ele não veio com carinho, era só aquele pinto duro encostando-se a mim naquele momento o cheiro de sexo me aborreceu. Empurrei-o e saí em disparada. Depois ri muito dele. Ele ficava me rodeando como cachorro.

Esse ricaço agora era diferente. Tinha estilo. Bala na agulha. A primeira vez que fui ao motel com ele, ele teve que dar grana para o porteiro. Sei que existem essas coisas. Eu sou “de menor”. O dinheiro abre portas, abre pernas, abre cabeças, talvez abra até o céu se existir. Subimos pro quarto, um quarto maneiro, com espelhos no teto. Eles gostam de ver suas safadezas. Filmam, tiram fotos. Eu ficava só rindo.
É estranho o que eles nos pedem. Teve um que pediu para eu fazer xixi nele. Não vacilei, dei a maior cagada no puto, era minha vingança, com esses ladrões. Só saio com grã-finos, eles gosta de meninas novas, virgindade, essas coisas. Teve um há muito tempo que me ofereceu uma boa grana pela minha, mas na época era boba, tive medo essas coisas. Depois dei para um carinha comum que soube me pedir. Nesse tempo acreditava no amor.

Depois fui pegando as maldades. Sei que não há amor, só sexo. Teve um deputado, cheio de influência, sei por que ouvi falar no celular, e fiquei quietinha escutando o safado. Ele falava em suborno numa tal de empreiteira, essas coisas que não entendo bem. Esse tal me pediu para penetrá-lo com o dedo, fiquei com nojo, peguei um pau, dos maiores e enfiei sem dó no cu do puto. Ele gemia e eu enfiava mais. Faço isso para me vingar dessa bandidagem. São os maiores culpados de tudo isso que acontece por aí. As cidades enchem de favelas, as favelas têm gente como nós, e só queremos viver em paz, mas eles não deixam, tomam tudo de nós, nossas casas, nossos alimentos, nossas almas.

Acho que já perdi a minha quando nasci. Se houve um sopro de esperança passou longe de mim. Nasci órfã como já falei. Comi o que o diabo amassou. Teve um que queria me comer, falava o tempo todo quando lhe vendia bala no sinal. Um dia saí com ele. Ele queria cheirar a branquinha, peguei com um amigo do morro, misturei pimenta para ver o desgraçado gritar. Queimou toda sua narina. Quis me bater, falei que era “de menor” e o puto ficou com medo da polícia.

Sei que essa vida não me levará para lugar algum, mas quem disse que tenho rumo? O que eu quero é mostrar a cara da sociedade, tirar sua roupa, mostrá-la em pelo. Também não ligo felicidade só em novela, mesmo assim só no final quando o mal é descoberto, mas aqui na real não é assim como na ficção, as coisas demoram, tem vagabundo que vive a vida inteira sem castigo.

E se existe Deus ele só observa. Foi como vi na televisão, adultos estuprando crianças, pela tela minha emoção veio embotada, largada. Não fiz nada. Se eu visse ao vivo e a cores, tomava minhas resoluções, não deixaria barato para eles, jogava pedra na cara, furava o bicho na faca, pois esses não merecem perdão nem minha nem de ninguém a não ser Deus que dizem perdoa tudo, e aí não creio, como pode desculpar esses bárbaros, puros animais. Pensando bem compreendo Ele. Visto de longe, as coisas perdem sua importância além do mais deve ter muito problema para resolver.
De onde vim, vou te contar se tiver tempo de ouvir. Puxa a cadeira e escuta.
Imagine o sertão, o sol a pino, meio dia a sombra embaixo dos pés. O calor molha a camisa e a alma. Assim sempre. Calor, suor e as cigarras cantarolando ininterruptas, deixando nas pessoas uma moleza só. O jumento procura a sombra de algum juazeiro, contrastando com os galhos secos e esquálidos da caatinga. No céu o farfalhar das asas pretas dos urubus a procura de carniça.

Bem ali atrás do morro a casa de pau a pique, coberta de palha como manto de retalhos. Às paredes, deixam a mostra galhos entrelaçados, cheios de rugosidades, como chagas abertas. Há duas janelas, uma para a cozinha, onde sai uma lufada de fumaça escura, outra do único quarto, no parapeito manchas nodosas de corpos que se recostaram ali a ver o horizonte cinza e vazio. Foi aí que dizem que nasci.

O piso de terra batida, no interior, um fogão de lenha ardia, requentando a pouca comida, uma mistura de feijão e água, alimento para aquele dia. Na sala uma rede onde dormia uma criança, mosquitos acordavam-na de minuto em minuto o semblante triste. Todo o sofrimento do mundo. Na curta vida já deixaram grandes marcas. Dois olhos profundos em três anos apenas. São os mesmos que olham para vocês agora estupefatos. Mãos longas e finas jaziam sobre o ventre flácido essas mesmas que não se cansa de pedir. Novamente os mosquitos passeiam sobre a testa estreita. Acorda-a. Chora. Um choro pequeno, sem grandes aflições. Como um grunhido de um pequeno cão.

Meus pais já sabem, morreram na grande seca. Sobrevivi por milagre, talvez por eu ainda for obrigada a pagar todos os meus pecados. Ou vingar todas as minhas dores, eu não sei. Como e porque o matei foi assim de repente. Estávamos nos amando como diz, ele me penetrara por trás, e fungava que nem cachorro foi quando veio com essa idéia que me enlouqueceu. Disse no meu ouvido o depravado: “Me chama de pai, vai minha filha”. Fiquei zonza com aquilo. Ele tinha bebido, estava meio grogue e aí não conseguiu se desviar das estocadas que lhe dei com uma faca. Piquei todo como se mata um porco. Jamais pensei em ser sua filha. Filho da puta era o que ele era. Acho que somos como gado no pasto, soltos na vida.”

segunda-feira, 8 de março de 2010

O retorno



Adão acordou com uma dor apertando-lhe o peito. Docemente olhou para dentro de si perscrutando, os sentimentos que volta e meia o atormentava. Sombrios. Tentou conectar-se como fazia todos os dias à internet, conversando com pessoas representadas por avatás, sem conseguir seu intento. Havia um vácuo, um vazio que a cada dia aumentava tornando-o estranho e melancólico.

De um dia para o outro sentiu, saudades do tempo remoto, quando as pessoas conversavam pelas manhãs, em bares e esquinas. Imaginou-se entrando, bem cedo naquelas padarias de outrora, o cheiro de pão quente, onde nas filas se falava de nada ou de alguma coisa sem importância, as notícias do dia a dia. Se não conhecesse a pessoa iniciava-se falando do clima, mas que logo se falava da mulher, dos filhos, da vida.

Começou abominar esse modo de vida moderno, trancafiados em apartamentos, fugindo das contaminações que diariamente aparecia nas doenças raras e por isso, tudo era feito através do computador pessoal, desde a mais simples coisa a mais complexa, como estrelar um ovo ou fazer sexo com uma parceira.
A família há muito perdera a referência, já não era a base, havia coisas mais sérias como o prazer e a fantasia. Os filhos eram encontrados em grandes magazines, todos adquiridos na grande rede, descriminados de acordo com a cor, raça, sexo e perfil físico e psicológico.

Era só escolher, produto altamente acabado, concebidos em provetas e laboratórios sem deformidade, seja físico ou psicológico. Assinava-se um termo de compromisso, se responsabilizando pela total educação daquele novo ser, e que declarava jamais o utilizar em benefício próprio se comprometendo a criar um cidadão livre para no futuro saber fazer suas escolhas sem amarras.

Havia a educação primária secundária e definitiva, seguindo-se a risca apostilas disponibilizadas em sites feitos pelos maiores educadores da “administração”, conteúdo estes pragmáticos para uma vida correta e ditosa sem sentimentos dúbios e tentadores. Pois, tais sentimentos fragilizavam o ser humano tornando-o mais propensos a infecções e pensamentos danosos ao próprio desenvolvimento.

As doenças a muito que fora extinta, e vivia-se em espaços estéril sem bactérias e vírus. O sexo era todo automatizado e as partes sujeitas a toques eram revestidas por materiais plásticos e lubrificantes bacteriostáticos. No ato só poderia dizer poucas frases como “nos adoramos simplesmente para o nosso crescimento e prazer” ou alguns gemidos próprios para despertar a libido do parceiro, porém jamais demonstrar paixão como abraçar longamente ou puxar os cabelos ou xingar, indecorosamente.

Era nesse mundo criado pelo homem, que Adão se encontrava perdido, lembrando-se de imagens passadas, que não expiraram ainda de sua alma. E nessas cenas como em flashes rápidos, se via pedindo a benção aos pais, reunidos em torno da mesa, de manhã o cheiro do café fresco, as brincadeiras na rua, como jogar pião, soltar pipa, futebol no campinho e tantas outras.

Namorar de mãos dadas numa pracinha qualquer, trocarem beijos em público sem protetores, sentir a saliva doce, exalar os feromônios gritar “eu te amo” ouvir uma canção alta, dançar na chuva.
Quando saia de carro, a rua branca e sadia lhe davam uma tristeza sem fim, as árvores sem cheiros, os pássaros voavam num túnel de vidro, sobre os edifícios, para não contaminarem o ambiente. A brisa era soprada por grandes aparelhos de ar condicionados tratados e purificados.

O sol a muito extinto, a luz vinha de um teto de aço, de lâmpadas poderosíssimas.
Os gramados eram de plásticos para não nascerem ervas daninhas nem insetos. Tinha uma diversidade de cores e formas. Nunca as crianças foram tão silenciosas. Os sentimentos eram cruzados pelo olhar, pois não se podia tocar, a não ser com os braços robóticos por trás de grossos vidros. A carícia fora descuidada em prol da saúde e da longevidade. Como os olhares eram tristes esse tempo.

Foi por um acaso que encontrou este arquivo de Word em seus documentos secretos:
“Quero te conhecer, correr todos os riscos. Procura-me nas salas de conferências, Eva.”
Foram longas noites acordados. Eram representados por dois desenhos simples, chamados de avatar- Na teogonia bramânica, cada uma das encarnações de um deus, especialmente de Vixnu, segunda pessoa da trindade bramânica; Ícone gráfico escolhido por um utilizador para representá-lo em determinados jogos e comunidades virtuais. Estes representavam eles.

Depois veio o desejo de se ver pessoalmente.
No início olhavam-se de longe. Ele tentava adivinhar seu perfil, loura ou morena, seu cheiro, a cor dos olhos. Ela queria ouvir o timbre da voz, saber de seus sonhos. Ficavam a uma distancia segura, mais ou menos mil metros, umas vezes ficavam em pé, acenavam, sopravam nas mãos beijos invisíveis, outras desenhavam corações com as mãos e riam em gargalhadas que terminavam em lágrimas.

Um belo dia ele desceu da montanha e chegou ao vale. Ela fez o mesmo caminho ao encontro dele. Olhou o pequeno riacho passar sob os pés, coberto por placas de vidros. Como gostou de pescar noutras épocas. Ela olhava as flores artificiais, sem abelhas nem borboletas atrás de seu néctar.

Aproximaram-se. Já não agüentavam tanta emoção. Um lampejo no céu como um clarão de metal. Deram-se as mãos. Tão macias notaram. O coração borboleta presa na mão. Pulsar de animal aprisionado. Beijaram-se. Deus que suavidade. A pele pêssego maduro. Fecharam os olhos e ficaram na delícia do tato. Maciez, pelos, músculos...O côncavo no convexo, aguçaram os sentidos, os cheiros, o sabor, os sons de aconchego,saliva, líquidos, molhando, retesando, lubrificando, acoplando, despejando, sugando, amando, gozando e sussurrando “eu te amo”.

Os carros dos patrulheiros os cercaram. Fizeram um círculo grande deixando as marcas no gramado verde. Falaram pelo rádio alto-falante. “Mãos para o alto!” A brisa que soprava agora era morna com cheiro de querosene. “Desrespeitaram as leis e serão castigados”. “Vão, saiam pelo portão, no final dessa estrada, seguindo a grande muralha. Sofrerão as conseqüências dos seus atos, e assim a partir de agora não serão mais imortais, perderam esta prerrogativa; a partir de hoje ficam sujeitos a todas as doenças e dores; se amarão como os animais, e os filhos nascerão de parto.

Eva olhou Adão, mirou os homens atrás de si, puxou-o pela mão que se encontrava fria pelo anseio, desamparado, sentiu toda a brisa fria, as cores berrante da natureza, o canto dos pássaros, o perfume das flores e atravessou o portal.

quinta-feira, 4 de março de 2010

A Praia


Acordei cedo. Era dia de ir à praia. Férias. Eu, minha mulher e dois filhos adolescentes. Peguei o fusca, pois o carro novo ficaria na garagem protegido da maresia. Bem cedo organizamos a tralha. Entramos no carro e o mais novo foi logo ligando o rádio. O trânsito estava intenso, parecia que todos tiveram a mesma idéia.

Chegamos à orla, coqueiros, areia branca um belo bar ensombrado foi logo o que procurei que tivesse umas cervejas geladas e um bom ambiente. Os garotos não deixaram. “Como assim, vamos ao bar “burburinho” onde ficam as gatinha” eles falaram em coro. A mulher concordou: “Se for para ir numa praia deserta, Osmar, melhor ficar em casa” Sentenciou. Olhei em volta. “Tá certo” e acelerei. Como estava de férias, em paz, relax toquei sem reclamar.

Era numa praia bem mais distante, tinha algo de peculiar: O mar era azul, a areia limpa, pelo menos àquela hora, as ondas quebravam mais perto e as mesas ficavam dispostas como se tivessem em nossos quintais. Aprovei.

A “flanelinha” nos acenou para uma vaga ali, bem próxima. Franzi a testa, não sou de acordo lotearem assim as áreas públicas, afinal é de todos. Mas aceitei, não tinha outro jeito, pois o estacionamento em frente estava cheio e custar-me-ia bem mais caro. Ele desejou-nos um bom dia, falou que olharia o “carango”, que eu ficasse tranqüilo e espetou um papelão sobre o pára-brisa, disse que era para proteger do sol. Torci o nariz, mas aceitei. Estava em paz comigo mesmo.

Abri o porta-malas e peguei a tralha: Uma caixa de isopor com a cerveja gelada, cadeiras, frescobol, sombrinhas, toalhas, chinelos, protetores, bronzeadores, sacos de lixo para guardar as sujeiras e livros, pois sem eles não vivo. Acampamos propriamente dito.

Aproveitamos uma mesa montada, com cadeiras e sombrinhas e quando já estávamos com o pé na areia, aproveitando as delícias da liberdade e do não fazer nada, os garotos olhando as nádegas rígidas, eu lendo o prólogo de um livro à mulher se desfazendo das roupas, veio um garçom com cara de poucos amigos: “Não podem ficar aí sem consumo mínimo, são ordens do patrão.”

Eu não estava para discussão, sabia que aquilo estava errado, que quem era dono do pedaço era a marinha brasileira essas coisas, mas estava de férias, não queria estragá-la com picuinhas do dia a dia, e disse-lhe que ficasse tranqüilo, pois com um sol de “lascar” desses, beberíamos até chumbo derretido.

Eva tava bem bonita com um biquíni colorido. Achei até meio estranho ela ficar ali daquele modo quase pelada, ás investigações dos olhos dos homens. Se olharem para a minha devorarei a deles, pensei vingativo. Peguei do livro e tentei ler. Tentei, pois no primeiro parágrafo, quando o autor dizia para o que veio, um vendedor gritou no meu ouvido, talvez pelos meus cabelos brancos, “ovo de codorna senhor, amendoim torrado, castanha e camarão assado.”

Repeli-o com um aceno. O que pensa esse otário? Sou melhor do que muitos jovens por aí. Não preciso desses “Viagras ditos naturais”. Ri intimamente. Voltei ao parágrafo: “As tatuagens cobriam-lhe o corpo. Foguetes, pessoas, fontes, caminhos, cidades, flores, planícies, montanhas, estrelas – enfim, um universo em miniatura.” Sonhava com os substantivos, quando Eva sussurrou, Amor, espalha no meu corpo o protetor. Ofereceu-me o corpo, despudorada. Espalhei o óleo, extasiado com tão saboroso parágrafo. O contato do líquido com a carne macia quis despertar sentimentos vadios, mas o lugar era impróprio para certas coisas e em volta muito olhares de “cachorro morto”, vidrados no que fazíamos.

Belo escritor, Ray Bradbury, Uma sombra passou por aqui. “Os detalhes e as cores eram tão vívidos que se podia até escutar vozes e sons abafados, meio indistintos, murmurando em meio àquele fantástico emaranhado das mais belas cenas do universo.” Passei o óleo devagar, palmo a palmo só parei quando a pele branca brilhou ao sol de fevereiro. Eva se estirou languida, molhou os lábios, puxou o biquíni para lhe deixar marcas mínimas, fechou os olhos abandonada em devaneios.

Eu por meu lado ficava correndo em volta da sombrinha, fugindo do sol. Mirei o mar. Azul. Na frente um cachorro terminava de fazer cocô na areia. Crianças choravam abandonados pelos pais. Resolvi me banhar, pois estava muito calor, quando me acertaram uma bolinha na testa. Dois brutamontes jogavam e acenaram pedindo desculpas. Como não desocupá-los, aquelas montanhas de músculos.

Chateado joguei o livro em um canto e fui dar um mergulho que ninguém é de ferro. Ah! Como é relaxante, afundei na onda azul. Quando submergia uma prancha quase rachou minha cabeça. Os jet-skis passavam rentes pareciam quererem acertar os banhistas. Saía dali apressado quando ouvi uma voz:

-Tio, faz uma piscina para mim?
Vi um garotinho, com os cabelos cheios de areia até os olhos, sentado a moda japonesa com as pernas cruzadas. Como negar tal pedido? Sorri pensando nos belos tempos de criança. Sentei-me e fui puxando a areia com ímpeto.

-Será que continuando assim, chegaremos ao Japão? Perguntou o garotinho com o dedo na boca. Duvido, é muito chão até lá. Pensei. Expliquei que o Japão realmente ficava do outro lado da terra, mas o jeito melhor de chegar lá seria voando.
-Mas não temos asas ora?
A piscina ficara pronta, agradeci, pois as perguntas eram cada vez mais contundentes. Ele sentou-se e disse:
-Agora só faltam os peixes.
Dali eu via Eva, contorcendo-se no sol em busca da cor do verão, e ficava girando como carne na churrasqueira.
-Agora constrói um castelo com princesa, rainha, rei, príncipe, tudo. Tudo e abria as mãos sorrindo. Peguei outra empreitada. Busquei meus castelos da infância, coloquei fossos com jacarés, escadarias que levavam a torre, monstros amarrados em correntes, pontes elevadiças, anões, gigantes, bruxas, fadas de varinha de condão.

-Uma grande onda derrubou a parede norte. Ele gritou eufórico:
-São os bárbaros querendo roubar a princesa e sorria de ponta a ponta. Manda os espadachins e os arqueiros como faço no meu videogame. Não perco uma. Depois vencemos o chefão, gritou eufórico.
-Amor! Amor! Ouvi entre meio a algazarra. Faz favor. No que o garoto sorrindo falou:

-Game over! Game over! A chefona venceu. Sorri escabreado, coloquei os óculos escuros e deixei o garoto sonhar. Aproximei-me devagar.
-Bonito!
-O que? Respondi inocente.
-A bunda...
-Que bunda? A sua? Todos tão olhando.
-Não se faça de bobo. Aquela sirigaita mãe do pivetinho. Não tirava os olhos dela, seu pilantra!
- Euuuu!
-Canalha! Quase não ficou perto de mim. Você me paga, pode deixar! Já sabia dessas coisas. Ficava dias sem falar comigo.
-Cretino!
-Não faz isso! Não tenho culpa nenhuma olha nossos filhos, o que eles vão pensar?
Os garotos nem estavam aí, pois as sereias passavam por todos os lados.
No final da tarde saímos assados, cansados e com fome. Comemos um prato rápido, uma macarronada, e fomos dormir. Quem disse que eu dormi. Na construção da piscina, queimei a lombar esquerda, já na do castelo, as costas estavam como tomate maduro. À noite sem sono, vou chegando devagar e minha Eva me empurra:
-Vai ficar com a sirigaita! Está de castigo para aprender! E virou-se para o lado. Peguei o livro. “E, se observada por alguns minutos, cada ilustração "contava" uma estória. Estava tudo ali, esperando apenas que alguém olhasse. Mas havia um lugar especial em suas costas que estava vazio. Não havia nenhuma ilustração tatuada lá. Quem olhasse para aquele ponto veria seu futuro e sua morte...” Segundos depois estava roncando.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O estreito beco da vida


Naquela fria manhã de inverno, a brisa soprava amena como em um dia comum, a natureza explodia em beleza, foi quando tudo aconteceu. As energias universais calaram-se talvez com desdém do ódio e do terror. Porem, não se pode desprezar o maligno neste tempo nem nos remotos séculos passados, pois, ambos o bem e o mal andam lado a lado.

Numa alcova escura, Antônio escovou os dentes, cuspiu na pia branca, cascas de feijão e restos de verdura e observou quanto mal fazia sua higiene: pelo ralo desceu resíduos que estavam impregnados em seus dentes. Olhou-se no espelho e custou a se reconhecer naqueles olhos brilhantes, olhar de felino no escuro.

Foi ao quarto da filha, curvou-se e beijou-a na testa, viu a mulher deitada de bruços, mirou-a, encostou a porta em silêncio saindo para a rua. Olhou o céu e viu que as estrela ainda não tinham perdido o brilho, e no opaco dos seus olhos as sombras dos postes caiam esqueléticos sobre a terra amarelada pelas luzes.

Os homens para ele eram indecifráveis. Nessa estepe, havia os que eram tão amorosos, mas que de repente, quando eram contrariados por algo singelo, pobres homens, o coração explodia como bola de soprar, irados; outros iam guardando as mágoas em lugares sombrios, e esses sentimentos, represados envenenava o sangue e quando se rompia, explodiam como vulcões outrora extintos.

Com esses pensamentos pesando sobre si, olhou em volta a escuridão, os sons e cheiros monótonos do universo faziam ouvir a pequenez dos seus passos sem ecos no estreito beco da vida. Mirou o relógio. “Exatamente na hora, pensou. Como todo o sempre. Ali na esquina viu o padeiro. Em cima do pontilhão cruzou com a lavadeira. Viu-a Atravessar o pequeno rio, poluídos pelos esgotos fétidos.

A palafita seguia as margens do rio, implorava uma salvação que jamais viria. Urubus revolviam o lixo, e algumas pessoas com sacos nas costas separava coisas. “Que vida meu Deus!” Subiu os degraus, observando os pés nos passos vagos. Sentiu na pele o frio do vento, “passa morte longe de mim”, e persignou-se. Observou os braços fortes. Trabalhador braçal na construtora.

Entrou numa rua de casinhas coloridas e sentiu o cheiro de café fresco. Esse cheiro trouxe-lhe recordações. “Senta e come traste!”. Ouvia frases ditas distantes. E ai sentava e comia uma água salobra com um pouco de farinha, quieto. Morde os lábios frios pelo vento. “Agente nasce só e vive só nesse mundão. Somos como boiada, perdidos... sem rumo”. Apressou o passo em direção ao centro do pequeno povoado.
Deu uma carreira como para afastar os maus pensamentos e saltou um muro. “Bem na hora, não falei?” No mesmo instante o trem passava sobre os trilhos gemendo, as rodas de ferro batiam nos dormentes fazendo um barulho ensurdecedor. Postou-se bem perto para sentir a terra contígua afundar. Gostava daquilo, sentir-se bem perto da morte, ouvir seus alaridos o seu hálito sanguinolento. Viu-se deformado sobre as rodas, a cabeça separada do corpo, livre de todos os pensamentos ruins, e a paz.

Observou que se tomasse essa decisão, seria melhor para todos, para o mundo até, refrearia todo seu ímpeto, como um arco distendido sem força para a propulsão, e tudo se acabaria naquele instante como um passe de mágica, e o plano que arquitetou há dias, esse terrível plano, não se completaria e assim a vida correria o seu rumo, na rotina dos dias como um rio no silêncio dos vales, sem surpresas.

E esse plano que arquitetava era como as aranhas que tecia suas redes insólitas, somente no intuito de pegar suas presas. Sobravam então milhares de vítimas inocentes dos instintos maléficos dos homens. Que no silêncio, traçam as armadilhas para seus semelhantes, investidos unicamente pela cobiça e ganância, levando até o fim dos séculos suas fúrias. Pobres vítimas. Sem escapatória ou clemência. Sem lágrimas nem súplicas, nem nada. Nada.

O trem passou e as pessoas que se juntaram espalharam-se pelos caminhos em algazarras. Uns entravam a esquerda, conversando outros a direita apressados sem fitarem-se nos olhos suas tristezas. Ele em frente e em silêncio.

Como em qualquer desastre, segundos antes, tudo é normal, sem avisos de qualquer natureza, a não ser, pequenos detalhes não observados pelo olho humano. E o tempo, esse escoa vagarosamente, enchendo o silencio de sons descompassados, batendo como um coração cansado. Empurrando o sangue através das veias, aos minúsculos capilares. E no momento ímpar, do infortúnio, nada se passa despercebido, nem uma simples folha que cai. Apenas uma folha. “Ao cair da mais diminuta folha as grandiosas coisas, Deus todo poderoso tudo sabe” Pensou na frase dita pela mãe quase todos os dias.

Desceu a rua beirando o rio. Sobreveio um hálito de coisas velhas. Estava quase na hora. O sol brilhava no canavial. Parou olhando o chão. Tudo começou, há muito tempo, quando matou e decepou por inteira uma pequena ave. Pegou-a nas mãos, que ainda não eram calejadas. Curiosidade de criança. O pai falou. “Depois ele larga disso, qual menino que nunca fez traquinagem?” Nessas traquinagens sentia um prazer estranho de poder sobre as coisas, as pequenas criaturas. Cortava a cauda e ria baixinho de prazer. O pobre bicho se contorcia de dor.

Depois ia lanceando devagar, amputando-a toda. Via feliz aquele pequeno ser indefeso e frágil capengar. Os pequenos olhos do bicho piscavam e quando finalmente retirava as vísceras segurando-os nos dedos o pequeno coração da criatura, chorava; chorava de prazer. Nesse momento observava que o pulmão era como uma pequena bolha de sabão. Só largava-o quando os pequenos olhos estavam sem brilho e completamente opacos.

Sentou-se no meio do canavial e ficou parado como uma fera no cio. E nesse dia o sol parecia estático, uma eternidade que vinha rondando no mesmo lugar perscrutando o silêncio, os sons, o cheiro, ameaçador. Viu um formigueiro em fila indiana, um movimento contínuo, desesperador para ele, infernal até, pois não gostava dos ritmos, da rotina do dia a dia, perguntando-se para si que força movia esses pequenos seres, acordar tão cedo, ter todo trabalho, todos os dias, meses, anos e séculos indefinidamente para sempre. Depois escutou os pios dos pássaros, o vento tangendo as folhas e o som parecia da infância, quando assava pipocas , o estouro dos grãos, enchendo a panela com a polpa branca e macia, comer queimando o céu da boca, receber umas tapas e encher-se de sentimentos ruins. Sentir uma secura nas entranhas que água nenhuma o saciava, nem a água gostosa dos potes de barro da infância.

Num impulso de ira, esmagou toda uma fileira e as observou correrem pela sobrevivência, para lá e pra cá com as mãos à cabeça como tentando compreender aquela fatalidade, ajudando-se umas as outras, fraternas nas dores, se tocando amigavelmente, questionando o motivo da grande tragédia que as abateram. E talvez, ao anoitecer orassem aos mortos, perante um deus e chorasse suas dores e rogassem proteção e paz, porquanto, no outro dia continuava tudo de novo, a mesma fila, o mesmo trabalho, os mesmos sonhos e as mesmas aflições. Não entendia essa fé no invisível. Gostava da dor, depois de tudo o caos.

Sorriu pesaroso. “Pobres criaturas! Se soubessem que seu deus era tão surdo que mesmo com a total aniquilação jamais seriam ouvidos seus gemidos e orações.” Deitou na grama macia, entediado e fitou o tapete azul do céu. Sentiu-se livre e possuidor de todas as forças. Dias e dias caminhou o mesmo caminho. E sempre viu as mesmas pessoas, as mesmas casas fechadas, os sons que vinham dessas casas alguns sombrios como urros e gritos e choro. Muito choro de criança. As casas com seus tormentas e dramas. Foi numa daquelas vielas que a viu pela primeira vez. A menina. Pobre menina de trancinha, amarrada com laçinho de fita amarela. Um arco dourado com uma constelação de estrelas azuis.

Ela acordou como todos os dias fazia. Feliz. Correu para a cama dos pais e beijou-os no rosto. Depois se vestiu e preparou a mochila com um pequeno pedaço de bolo de chocolate e suco de laranja. Da porta acenou e ouviu ainda “Deus te abençoe filha” e saiu correndo pela mesma estrada. Os pássaros eram os mesmos, gorjeavam as mesmas canções, as flores perfumavam o campo, o aroma doce de matas frescas e as borboletas bailavam no ar furta cores. Nada diferente. A beleza é inócua, não tem sentimento. Se por acaso tivesse, as flores essa manhã estariam murchas, os pássaros silenciosos, o sol rubro ou sombrio, a brisa, não haveria brisa e as borboletas não ousariam saírem dos casulos.

Se um meteoro gigantesco entrasse na atmosfera terrestre, em fogo e colidisse num impacto grandioso com a terra o terror não teria sido tão grande. A força da gravidade impulsiona os corpos um de encontro aos outros, do menor para o maior. O rio corre para o mar. As ondas quebram na praia. Que força atraiu aquela menina?
A menina ainda olhou para trás e acenou à última vez. E esse movimento formou ondas invisíveis no espaço, como gritos e lamentos e lançou desespero e abandono na humanidade e todos começaram a chorar lembrando cada um de seus dias tristes e era tanto pranto que o espaço ficou branco e rígido e essa parede invisível abafou a todos e foi por isso talvez que as forças do bem ficaram imóveis. Havia um vazio nas pessoas, algo para se temer.

Se num truque de cinema, levantássemos a câmera numa visão geral bem de cima, segundos antes do impacto, viríamos à estrada deserta ladeadas por grandes canaviais e as pegadas de ambos, uma de encontro à outra, uma grande outra pequena, como foi Jesus ao encontro do diabo, ambas se encontrando, inexoravelmente, debaixo daquela árvore onde existiam as três cruzes de madeira pintada. A menina e o monstro.

A menina prosseguiu, ora cantando ora calada, sem imaginar jamais o que a esperava. Quando as mesmas ondas tocaram aquele ser feroz deitado, esperando a presa, tão inocente e desavisada que nem as forças ocultas perceberam, pois o dia era magistral, o sol penetrava nas clareiras, borboletas tremulavam no caminho, o riacho, o pequeno riacho, corria quieto para a imensidão do mundo e sabia que bem longe encontraria o mar. E o mar um azul escuro e profundo como a tristeza de saber-se só. E que jamais voltaria para casa, não na mesma forma, mas talvez como o rio que corre para mar e volta em forma de chuva; outras formas, outros elementos...

Naquela fria manhã de inverno, a brisa soprava amena como em um dia comum, a natureza explodia em beleza, foi quando tudo aconteceu.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

As aventuras de um menino que tinha um sonho louco: Ser escritor ou a Gênese.


Foi aos três anos que recitei a primeira poesia. Era mais ou menos assim:

Batatinha quando nasce,
Esparrama pelo chão,
Mamãezinha quando dorme,
Põe a mão no coração.

Houve críticas e elogios. O tempo passou e esqueci principalmente as críticas, os elogios ainda lembro, já que foram de minha mãe, que chegou de mansinho: “Não se preocupe, não foi tão ruim assim é inveja deles”.

Lembro-me até hoje como um suplício. Foi com muito suor e dedicação que cheguei ao fim. Enquanto declamava, enfiava a mão no bolso, suava frio, desatando o suspensório, perdendo as calças e o estribilho. Aparecera, minha ceroula de bolinhas. Silêncio mortal.

Quando terminei, abaixei a cabeça, numa reverência, como fazem os artistas de circo e esperei os aplausos que jamais vieram, e que por isso, ecoam até hoje em meus pensamentos. Petrificado olhei ao redor. A maior parte ria. Todos gargalhavam em gozo e pilhérias. Menos meus pais.

Esqueci um tempo a poesia. Aí gozei a infância. Montei em cavalo, nadei em rios, joguei pião, bola de gude e tudo que me fazia feliz.

Veio a tristeza. A doença de meu avô. Minha mãe numa viagem que fez a capital trouxe noticia de melhora e na bagagem uma revista (Gibi) que me marcou, -Tarzan o homem macaco. E foi imitando esse herói, que quebrei o braço quando passava férias no sítio, e sem nada para fazer na convalescência, no tabuleiro nas terras ressequidas e arbustos esquálidos, dos juazeiros, do açude grande, do serrote, iniciei a minha caça ao tesouro.

Numa tarde de melancolia em que as cigarras gritavam sem parar, o sol a pino, torrava a caatinga, entrei na dispensa onde os vaqueiros guardavam os objetos de trabalho como chocalhos, arreios, cangas e todos os penduricalhos e coisas sem serventias e encontrei uma arca.

Era uma velha arca guardada ali há muito tempo. Tinha um grande cadeado, teias de aranhas e muito pó. Sobre ela uma ferradura de sete furos. Marcas de ferro diziam que alguém havia tentado abri-la sem êxito.

Naquele momento a imaginação voou, com as histórias que já tinha ouvido, de fantasmas, piratas e gigantes. Seria algo parecido?Algo se mexeu e ouvi o tilintar de dentes. Recuei um pouco e a porta atrás de mim rangeu batendo com o vento. Fiquei imóvel ouvindo o tique taque do coração. Lembrei quando na infância, tremia com medo de assombração, ficava encolhido no fundo da rede. Vi ratos que fugiam para se esconderem na penumbra. Com uma barra de ferro forcei o cadeado que frágil pelo tempo não ofereceu resistência. A tampa abriu-se com um estrondo.

Galinhas D’angola fugiram fazendo um escarcéu e morcegos balançavam de ponta cabeça no teto no meio de uma nuvem de pó e fuligem. Deixei a poeira baixar, e vi tão grande era o tesouro. Revistas de todos os tipos HQs coloridas, livros, livretos de cordel, pilhas e pilhas amarrados por fitas pretas.

Ali mesmo sentado sobre a tampa, batida a poeira, li histórias contadas em versos: de princesas, dragões, monstros, anões, gigantes em terras distantes, do sem fim, do nunca.

Vieram as paixões. Julieta fora à primeira. Fui um cavalheiro da Távola redonda. Lutei com os mosqueteiros. Ajudei João mata sete salvar a princesa, montei os cavalinhos de platiplanto; compreendi o cavalheiro da “triste figura”, conheci duendes, atravessei reinos. E todas essas histórias tinham o mesmo fim: “E então viveram felizes para sempre”.

Anos depois vi que não era bem isso. Que a vida era dura, meu avô morrera e vira uma foto de um irmão que virou “anjinho” e foi enterrado numa pequena caixa. Muito tempo pensei na frase de Guimarães Rosa: “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Os livros, estes, havia lido todos. Relidos até. Não me restava nada para sonhar. E a cidade que morava não tinha livrarias, bancas nem jornaleiros. Pedi alguns pelo reembolso postal mas demorava meses para chegar.

Foi quando triste com alguns finais, rascunhei minhas próprias histórias. Inventei finais, copiei, parafraseei, parodiei. Senti-me como um semideus, tendo sobre os personagens, o poder de vida e de morte. E esse poder é inerente ao ser humano. Pensamos, se não somos imortais, talvez nossas escritas.

Sigo agora meu caminho, entre dois mundos. Estou em aprendizado, sinto as frases quebradas, mas são minhas e isso é tudo. E essas criações, saem do papel faço-os peregrinarem em terras distantes, sofrer amores impossíveis, viverem epopéias e tragédias. Talvez para o próprio aprendizado ou de ambos, sei que hoje sou melhor como ser.

O que me fez pensar longamente. Seriam os poetas sofredores? Quem me responde é o grande poeta Fernando Pessoa:

“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”.

Assim sigo sonhando e escrevendo nem que seja para meu enlevo embora sejam fúteis os meus desejos.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Da solidão


Como estamos sempre aprendendo, melhor com os grandes. Paráfrase (termo grego, paráphrasis, que significa ao lado da frase, ou melhor, reescrevemos o mesmo texto utilizando palavras diferentes. Usei como exercício o maravilhoso texto de Cecília Meirelles: Da Solidão.

A solidão atinge um grande número de pessoas. As pessoas, logo que se acham sozinhas, ou longe de entes queridos, para que se desesperem em terrível melancolia, como se não houvesse vida em volta ou pressagiassem o mais terrível tormenta.

Verdadeiramente há a solidão? O que é a brisa se não formas indeléveis de Deus; E o sol, a lua, as estrelas que são? Mesmo que não sentíssemos o tato ou a audição, o olfato a visão ou qualquer outro sentido, na nossa mente reina as imagens que retornam em lembranças podendo ser vivida a qualquer momento, basta acordá-las.

É só saber escutar a voz do coração. As emoções emanam de qualquer parte, das pequenas e singelas coisas as maiores e complexas estruturas e são interligadas no mesmo universo, erigida da mesma matéria. E aí reina o divino e nossa atenção voltada para essas sutilezas eis o segredo. Como os índios que aprenderam a linguagem da natureza, e a respeita poderemos também observá-la e esse ilusório vazio não existirá, pois nos cercaremos por grandes emanações de beleza e amor.

Artistas em geral são lapidadores que tiram da rocha bruta, sua obra de arte, buscando a essência das coisas. Mesmo a rocha tem seus segredos suas aventuras. Quem senão as montanhas que viram todas as caravanas passar, desde os faraós aos escravos, e principalmente o Rei dos reis.
No seu silêncio existem todos os segredos.

Façamos assim. Concentre-se onde estão. Use seus sentidos. Veja a textura das paredes, as cores, as luzes; escute o compasso de seu coração, sua respiração, seus pelos são como uma floresta desbrave-a, vão ver que tem muito que ver em vez de pensar que estão sós.

E onde estiveres verá os pequenos insetos. Observe-os devagar um por um, o que eles fazem como andam suas cores, como trabalham, a quietude, a paz das coisas em volta. Dê um aumento nessa imagem, imagine vendo de uma altura absurda, e veja lá de cima, sua pequenez, mas mesmo assim mantêm sua beleza, uno, por inteiro.

Aprenda a olhar as coisas com olhar de criança que nas descobertas tudo se encontrava maravilhoso aos olhos, veja suas mãos, tanta nervuras, os dedos, o movimento complexo que faz, movam os olhos, esse movimento simples, movimentou todo um sistema de nervos, ópticos, e sensibilidade.

Ame você, sua alma, pois você é único. Em suas células, há o código genético, que herdastes dos pais, e isso, indefinidamente, desde a origem, fomos criados a semelhança de Deus.

Seja como as flores, que independente onde floresce se em um jardim ou num pântano, não importa, emprestam seu aroma a todos sem egoísmo, simplesmente desabrocham.
Enfim existe em volta toda uma eclosão de vida, o nascer duma estrela, uma folha que brotou. Aproveite então esse tempo, como a crisálida, que sozinha, em seu casulo, ganha a essência, e sai para a vida, numa forma colorida e harmoniosa.

sábado, 9 de janeiro de 2010

A cidade


Andando, pela beira rio, fazendo minha caminhada matinal, encontro um papel amassado, jogado no lixo. Abaixo e pego com curiosidade, talvez um bilhete de uma amante, ou alguma falcatrua. Somente algumas anotações de algum pretenso escritor. Cheio de erros de concordância e pontuação. Transcrevo aqui na íntegra.

A minha literatura é universal. Explico: Em qualquer crônica, deixo lacunas para que o caro leitor altere à sua maneira, os nomes dos personagens, cenários no intuito de torná-los mais verossímeis e, assim eles (Os personagens) se apresentarão a todos, mais autênticos e humanos e por isso mesmo, a maioria das vezes, inescrupulosos e cínicos.
Numa pequena cidade (Aqui nessa lacuna, poderão colocar qualquer uma, por exemplo, Ubá, fica ao vosso critério), logo após o pleito a ala vitoriosa, (pois nessas cidades só tem os que mandam e os que obedecem), promove o primeiro debate, se podemos chamar assim, pois nessa assembléia estão presentes somente os vereadores de um partido só e o povo (Aqui não tem como substituir, pois (“povo” é povo aqui e na caixa prego), que os elegeram. E essa reunião discutirá as principais “obras”, o leilão de cargos, enfim o desmando geral.

Não critico aqui o povo (pobre) o verdadeiro o que trabalha, este é humilde, simples, bom, por isso mesmo acreditam em tudo, na sorte, na tele sena, mega-sena, quina, e outras maldades. Até eu que sou mais bobo, naqueles dias de poesias, faço minha fezinha.

Pois bem e m toda divisão há confusão, igual à partilha de bens. Há sempre brigas e fofocas uns querem mais, falam mal, se chutam, e vira um pandemônio, mas que no final chegam a um “ponto” em comum. Prestem atenção: Esse comum não é de comunidade.
Na câmara recém construída, os afilhados prancheados, a gordura ultrapassando os limites das poltronas de couro legítimo, compradas sem licitação aquelas caras de bonachão, nunca pegaram no pesado, suas mãos são mais lisas do que bumbum de nenê, sorriem imbecilmente já imaginando a sala que vão ganhar para fazer nada, com ar condicionado e uma secretária sorridente nos quatro anos de desgoverno.

Os diálogos que virão, estes suguei, de um conto antigo, mais ou menos do século dezoito e La vai pedrada. Singular como soa atual. Tais homens por incrível que pareçam não progrediram emocionalmente. Por isso peço-vos, leiam com prazer, pois a leitura é para tal, mas não custa nada, um pouco de reflexão. Conselho gratuito: Reflitam na hora de votar, nem que seja para eleger o síndico de seu prédio, ou a garota da laje tão em moda, nas colunas sociais.

E se o tal candidato são daqueles que pagam para saírem em colunas sociais, dão tapinha no ombro, vivem com os dentes no quaradouro desconfiem. O melhor jeito de descobrir: Se o tal é daqueles que para falar primeiro coçam a garganta, imposta a voz, olha para um ponto perdido sem olhar nos olhos corram dele. Se vão a todos os velórios até naqueles que não sabem nem o nome do santo, olha para todos os lados, fingem tristeza desses fujam.

E se, contudo, com todos esses cuidados, elegemos um (lacuna), para nos governar, só nos resta rezar para que eles não tomem o que é nosso, a honra, pois o dinheiro o parco dinheiro já nos tomaram no início de ano, com inúmeros impostos, só nos resta encher a cara como faço, todos os domingos. Não faço apologia à bebida. Desculpem-me leitores, mas as que eu bebo eu pago, às vezes a vista outras no “pendura” com o garçom meu amigo e canto aquela musica “deixa a vida me levar, leva eu”.

Aí vão os diálogos ouvidos por alguém que não quis se anunciar (sicrano), naquela pequena cidade que demos o nome de Ubá para exemplificar, mas fique a vontade para trocar, aí estão às lacunas, é só preencher com o nome devido.

-Senhores, senhoras presentes! Conclamo todos para nesse primeiro dia de nossos mandatos, para unirmos esforços e trabalharmos furiosamente em prol da comunidade desta nobre cidade de povo carinhoso. Quando, um dos nossos filhos, em viagem pelo mundo, principalmente nas praias capixabas, orgulhar-se da boa terra e passarem a chamar “ubabão” ou coisa que o valha. Para isso é necessário fazermos uma obra, não subterrâneas como os opositores querem, mas algo grandioso, para nos orgulharmos de citar- La fora nossa origem, com a boca cheia, não somente do suco da manga, mas também de muito orgulho.

-Apoiado!

É inadmissível senhoras do “corte grande” bairro de nossa linda cidade que municípios vizinhos e bem menores, insignificantes, em toda essa zona, cheias de mendigos, indústrias aquém das nossas, tem em suas praças, obras magníficas...

-Vergonha!

E riem de nossa cara com toda razão. É só oferecerem algumas benesses, para que percamos algumas indústrias. E ainda nos acusam de ingratos.

Outro: - Meu caro... Pausa. Continua olhando para o teto: - essa coisa de honra, estou pouco me lixando, são todas conversas para boi dormir. Faz-se ouvido de mercador e pronto. Mas a obra essa é importante.

-Meu bom Deus! Se construíssemos em uma de nossas praças um chafariz e jorrando cascatas sobre a estátua de um de nossos vultos, iluminados por fachos de luz. Hem! Hem! Seria orgulho de nossa terra querida. Um grande benefício para toda comunidade, principalmente para a rede de hotelaria, bares e afins e principalmente para nossos bolsos.

Nisso começou umas risadas e burburinho.

-A pura verdade outro falou. Até para nossos pobres que passariam ao largo envergonhados do luxo.
Aplausos quase botam a câmera abaixo. A obra fora votada em primeira instância, urgentíssima.

O prefeito esse momento de êxtase voltou os olhos ao púlpito e além nas montanhas, prenunciando a inveja dos municípios vizinhos. O vereador conversava com o vizinho: “Todos os cargos foram repartidos”. O padre impostava as mãos, pois a igreja matriz fazia parte do complexo central. O único jornal (lacuna) deu manchete, extraordinária, de página inteira; aumentaria seus comerciais.

E tudo chegou aos termos ou quase. Depois de construído o chafariz se descobriu que a mina de onde retirariam a água tinha secado e pior não acharam um vulto da cidade verdadeiramente honesto.

Não haveria a grande inauguração, falada aos quatro cantos através da rádio e colunas sociais? Como saciar as senhoras que fizeram seus vestidos em confecções de fundo de quintal, e pediam segredo, como se fosse de grandes estilistas? E o colunista que já fizera sua lista de “mulheres luz” amealhando uma boa “grana”, pois todas pagaram à vista? E os discursos que já foram escritos por um rimador que se dizia poeta, e sentava-se na primeira cadeira da academia? E a benção do pároco, que já havia recebido de antecedência, e já tinha separado litros e litros de água benta? E os pastores que iam fazer um descarrego, livrando a praça do mal?

Inauguraram assim mesmo. Cortaram a fita, que por sinal foi à primeira dama, com uma tesoura banhada em ouro, seguida por aplausos e discursos. Na hora de benzer quando o padre jogou a água benta, dizem que ela fritou como se fosse um ácido sulfuroso, e no descarrego, ouviram-se vozes do além. Disseram que foi um mendigo que com raiva de ter sido deslocado de sua morada, pois vivia ali no banco da praça, tinha jogado água oxigenada e as vozes eram os filhos gritando atrás do muro onde foram jogados.

O dito por não dito, não desconfio nem acredito. Só sei que todos que estavam presentes hoje são todos louros com os cabelos oxigenados. E a praça, essa já tentaram de tudo para revitalizá-la, mas não tem jeito. Servem somente para os apontadores de bicho, mulheres da vida fáceis e aposentados e esses dificilmente pagam impostos.

Até hoje, ao entardecer um velho homem, - igual ao filósofo que andava com uma lanterna na mão, e quando questionado respondia: Procuro um homem honesto, passa sob o chafariz, ilumina o próprio rosto, dos outros e cabisbaixo, olhar perdido, some na escuridão.

Autor(lacuna).