sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Bodas de diamante

                                            

                                                   Bodas de Diamante

Cinqüenta anos de casados. Ambos vendo televisão na sala. Ele com os pés sobre o sofá cutucando as unhas com um canivete e ela fazendo crochê.  Viam a novela das oito.
Ele: - Bem?
Ela: - Que é?
Ele: - Aproveitando que hoje é aniversário de nosso casamento...   Profícuo por sinal, afinal temos cinco filhos, dezenove netos, vinte bisnetos e cinco tataranetos vamos “entrar no clima” como dizem nossos netos e brinquemos de algo.
Ela olhando desconfiada por cima dos óculos: - Brincar de quê? Não me diga que esta gagá e quer brincar de esconde - esconde?
Ele: - Não! Estou até muito consciente.  É tipo o jogo da verdade... Assim ó: eu falo uma coisa que me irritou todo esse tempo e você faz o mesmo.
Ela: - Tipo confissão? Gostei.
“Não acredito que o desalmado vai colocar no blog toda minha intimidade...”
Ele: - Sim!  Uma brincadeirinha para passar o tempo.
 Ela: - Sério? E não acha que o tempo para nós passou tão rapidamente? E não vamos nos magoar?
Ele: - N não! Levaremos na esportiva! Juremos agora não nos magoar, afinal tudo é passado...
“Aquele fedelho amigo de infância vai me delatar mulher... Ele quer me acabar...”
Ela: - E não fôramos perfeitos? Tá bom! Juremos então.
Ele: - Não sejamos hipócritas em pensar que agradamos em tudo...
Ela: - Eu bem sei... Brincadeirinha minha...
Ele: - Foi esse belo senso de humor que me fez cair de quatro por você...e principalmente sua bunda que me deixou louco de tesão, mas que agora não passa de um monte de celulite.
Ela arremata a peça de crochê. Joga sobre a mesinha.
Ela: - Era tudo que eu queria. Já começou Antônio Carlos?
“Se ele fizer isso comigo, eu juro...  entro com um processo acabando com ele... Injúria e difamação...”
Ele: - Bom isso aí só foi o intróito. Vamos ao par ou ímpar.
Tirado a sorte coube a ele começar.
Ele: - Em primeiro lugar não fale meu nome completo quando estamos discutindo... Eu odeio isso. “Antonio Carlos!” com essa boca ridícula com os dentes trincados.
Ela: - Arrá! Sem raiva hem!  Sabe aquelas toalhas molhadas que você  esquecia sobre a cama? Meu Deus dava-me uma arrelia...Não tinha nem vontade de fazer sexo com você ...
“Meu Deus se ele falar tudo da minha infância estou acabado...”
Ele: - Ah! Eu desconfiava, mas fazia para espezinhar mesmo. Agora pelo amor de Deus mulher... sabe aquelas calcinha cor de pele?  São ridículas! Tanta cor que eu gosto. Por exemplo: Vermelha, azul turquesa, verde, branco...E você só colocava aquelas...
Ela: Tirando os óculos e esfregando a lente. - E você seu Mané, chegava para mim e falava: Hoje tem? Como se fosse uma coisa... Nunca mais use essa frase. Ganhe-me durante o dia sendo, amoroso, carinhoso... Etc e tal...Me infernizava o dia inteiro e á noite vinha com essa frase infernal! Hem! Tenha paciência!!!
“Há tantas coisas da infância que não queremos revelá-las!”
Ele: - Tudo bem! É justo!  Agora, pensa bem...  E aqueles gemidos hem! Não se envergonha? É melhor não fazer sexo do que fingir um orgasmo... E como você fingiu...
“Não! Não me venha com lorotas!”
Ela: - Ah! Fingia mesmo, mas se eu não fingisse você demorava chegar lá, não era? E você seu canalha! Pensa que não sei das suas traições? Diga que não é verdade?
“ Você sabe que não é verdade! Não sou gay!”
Ele: - Peraí! Você começou pegar pesado! Isso tudo são de sua cabeça. Sua imaginação é fértil...
Ela: - Realmente são tudo de minha cabeça esses chifres enormes...
“Mas o que aconteceu conosco aquele beijo demorado na cozinha de sua casa lembra?”
Ele: - São calúnias... Mas já que falaste nisso, e você nunca me traiu?
“ Isso que você está fazendo é uma traição! Lembra que juramos segredo...”
Ela: - Já que estamos falando a verdade, traí sim... Pura vingança! Como diz a música: Mulher não trai, mulher se vinga.
Ele: Ficou em silêncio.
Ela: - com aquele amigo seu que vinha jogar cartas aqui aos domingos!
Ele: - Não acredito!  Com Manuel? Aquele portuga filé da puta?
“ Assim você acaba com nossa amizade!”
Ela: - Não xinga! Morreu o ano passado o desgraçado...
Ele: - Por isso que no velório eu vi lágrimas em seus olhos... Sua piranha!
“ Não! Nossa paixão não se acabará assim...”
Ela: - Como dizem... Chumbo trocado não dói...
Ele: - Isso é verdade. Sabe a nossa vizinha de frente? Aninha foi minha amante até o ano passado quando morreu. E ela fazia tudo que você não fazia...
“Pelo amor de Deus, não desenterre defunto... Nosso passado é melhor continuar morto e enterrado...”
Ela: - O que, por exemplo, seu crápula?
Ele: - engolia toda a paixão que eu tinha por ela. Os olhos dela brilhavam. Dizia no meu ouvido que era o manjar dos deuses... E mais, que me amava loucamente, e mais que tinha o maior dó de ti!
Ela: - Ai ai   Por isso que a vaca morreu com aquela doença... Bem feito. Deve ser de sentimento de culpa...
“Vamos acabar com isso... Você é gay sim só precisa sair do armário...”
Ele: - Não sabia que você era tão diabólica assim... Ela morreu e está tudo acabado...
Ela: - Tão diabólica que...   Fábio não é seu filho...
Ele: - O que? Como você teve coragem? Esconder isso por vinte e seis longos anos...
Ela: - Ódio... Isso se chama ódio!
Ele: - Então ta!  Sabe Aurélio?
Ela: - S sim!
Ele: - É meu filho com a Aninha... -Por isso fiz tudo para acabar o namoro dele com a Noêmia nossa filha mais nova...
Ela: - ...E eu sempre falei que não via problema algum...
Ele: - Porque sua vaca?
Ela: - Pelo simples fato que ela não é sua filha...
Ele: - ...Mas são meio irmãos!
“ Chega! Estamos indo longe demais... O  que aconteceu conosco é passado, agora tenho família, filhos...”
Ele levantou-se do sofá, desligou a televisão.
Ela: - Chega?
Ele: -Chega!
Cada um saiu para um canto.
Toda a família encontrou-os amuados.
                                                            *********
Na igreja eles entrando juntos de braços dados. Toda a família sorrindo em pé batendo palmas.
 Ele: - Começaria tudo outra vez?
Ela sorrindo para os presentes: - Nem em outra encarnação! 
Alguém: - Não existem mais, casais como eles... Mesmo com todo esse tempo, a rotina, vê-se no rosto que ainda se amam...
Enquanto recebiam os parabéns do padre, Antônio Carlos pensava:
“Aquela brincadeira serviu para conhecermos nossos pontos fracos e... Agora temos todas as armas para ferir-nos um ao outro até o final.”
E todos responderam: Amém!