sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A luz no fim














                                                            A luz no fim                                                      


          Mesmo com uma tremenda dor no peito o homem consegue chegar à porta do hospital. Faz menção de passar pela sala de espera e seguir pelo corredor até onde devia se encontrar o médico que esperançoso daria alívio as suas dores. Quando um braço o segura, um guarda apontando com o dedo:
          - Espere ali, que a moça vem fazer a triagem, diz secamente.

          -Que não demore diz, pois estou perto da morte de tanta dor.

Um instante, diz o guarda, andando até o final do corredor, e depois voltando lentamente. - não vai demorar, e oferece a cadeira ou uma água gelada o senhor queira beber.
Não quero diz o homem, agradeço imensamente mas o que eu desejo é ser atendido prontamente e depois ir embora para casa.
O guarda dá uma risada.  Um humor indesejado claro, àquela hora. Diz sério:  Tem muitos que não voltam! Depois ficou se explicando:  -Não me deseje mal, apenas cumpro ordens, e continuou fazendo suas palavras cruzadas.
Quando sentia alguma dificuldade, ficava olhando para o teto tentando recordar,  a palavra certa.
Tinha um bigodinho preto e bem aparado, as costeletas quadradas, e o cabelo que saía pelo quepe, repuxava alguns fios de cabelo para cima.

O homem rugia de dor, e levantou-se com as mãos na cabeça.

          -Por favor, senhor, me leve à presença do bendito médico! Não vê que estou morrendo?

          -Meu caro pode me chamar pelo nome. Seu Adamastor as suas ordens.

O homem na sua humildade achava que a saúde devia ser acessível a todos, sem exceção, afinal ele pensava consigo, “os impostos nos enforcam o ano todo.
 O guarda tentou ganhar tempo e começou a fazer alguns interrogatórios. De onde o homem vem se tem família se é aposentado. Era seu trabalho manter a ordem. Vai até o final do corredor. Voltou desanimado. “Ainda não posso te liberar”.
 Quando o médico se encontrar a disposição aquela luz lá do fundo vai se acender avisando que posso mandar entrar outro com certeza.

Inconformado o homem fala para si. Depois que eu morrer, deve ser.
Ouvem-se gritos de crianças. Todo dia nasce. A perpetuação da espécie.

 Depois o guarda fala do clima, e de uma novela romântica das oito e meia, que a atriz principal não tem vergonha alguma, que constantemente fica nua com os homens, uma conversa sem pé nem cabeça, indiferentes, conversa de banqueiros quando não querem emprestar dinheiro.

De vez em quando sai de trás da escrivaninha, pega o cassetete, feito de madeira dura, própria para não quebrar quando precisar bater no lombo das pessoas, e vai batendo na palma da mão no ritmo lento de seus passos até o final do corredor dá uma olhada   e volta na mesma cadência.

O homem nesse ínterim parou de suar e a dor abrandou. Assim ele levantou-se com cuidado e foi até a porta da rua. O sol brilhava lá fora, carros passavam a toda, em busca de algo que não sabiam. 
Volta à cadeira pega água e toma sofregamente. Desde pequeno não tinha sorte disse o homem. Vivo em volta de médicos. Primeiro foi uma apêndice, depois um corte na sobrancelha, depois fui atropelado por um jumento. Agora essa dor infernal no peito.  
De tanto observar o guarda, de sentir seu  cheiro de cebola, tinha ate acostumado,  Mas detestou  o jeito do guarda  passar os dedos pelo bigode a toda hora. Isso o exasperava.

Súbito o homem sentiu a vista escurecer, e por momento ele pensou que era a noite chegando, mas as pernas lhe faltou, e no último recurso olhou para ver se a luz acendia no corredor, alguém chamava bem longe, uma voz apagada e sentiu que chegara sua hora de ir para a terra dos pés juntos.

 Acenou ao guarda  com cheiro de cebola, que disse de detrás da escrivaninha mesmo: 
          -O que queres ainda homem, não vês que cumpro ordens! E alisou o bigode.
         -Leva-me, para dentro para que eu morra em paz, disse o homem por último.
         Não deu tempo. Morreu ali mesmo.

          -É sempre assim, não entendem que apenas cumpro ordens.

          O guarda empurrou a maca até o fim do corredor e a luz acendeu. 

Fábula curta








                                Fábula curta

O rato vinha de uma noite em claro quando se deparou com uma ratoeira. Tentou mudar o caminho quando viu em seu encalço um gato faminto. Não tendo como escapar fez uma oração:

          -Oh! deus dos ratos me guie na melhor escolha para meu fim...
No que o gato respondeu:

          -Melhor vir a meu encontro filho, pelo menos me serve como alimento, como a natureza determina. Ansiei por esse dia.
E engoliu o rato de uma só vez.

Moral da história: A história não tem moral.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

O que és?








                                                                O que és?




O que és, senão, um personagem num cenário eterno e hostil refém de uma história sem fim? Observem em volta do mesmo modo os outros. Todos habitam casas de quatro paredes, um teto, janelas e portas não importa.  Tem como principais utensílios, um fogão e uma cama para comer e descansar respectivamente e vez em quando, fazer sexo e o resto da noite as mãos enfiadas na cabeça, sem  conclusão alguma.
Toda a vida passa debatendo-se os corpos para lá e para cá na  amplidão dos espaços, nas praças, nas ruas, sem direção alguma,  realidade virtual, com escassez  de afeto,  mãos que não se tocam, que não abraçam, mentes embriagadas  num labirinto.  Meros engôdos, iscas para predadores. Predadores de si mesmo.
Nas casas, sobre colchões frios, em janelas gradeadas, em portas lacradas, sob os lençóis de suas vergonhas sentem-se seguros.  Ao amanhecer saem, à caça das vítimas prediletas, o resto são estorvos, almas perdidas.
No alto o céu cinza, sem cor, se colorido for, é frio e indiferente, terra ardente, sal da terra, que limpa, que esteriliza etérea terra. Nela o verde brota viçoso, o visgo, a vida.
Os olhos encovados de esperança, não alcançam a generosidade do ser. Um a um se recolhe e se nega a espargir o amor e sofrem, e padecem, e morrem como ilhas.
A necrópole está repleta de boas intenções.

Como bem dissera bem Zygmunt Bauman:

“O amor é mais falado do que vivido e por isso vivemos um tempo de secretas angústias”



Náufragos





                                   Náufragos

 Retirado do site ----https://suburbanodigital.blogspot.com/2017/10/ilha-desenhos-para-imprimir-e-colorir.html


         


          Naufragamos.

          Somos três. Alcançamos uma ilha perdida no pacífico. Quando a ilha deu por si estávamos sobre ela como três insetos a sugar seu lombo.
          Construímos  tocas para nos proteger das intempéries do tempo. Cada um no seu canto e ao seu modo. Um de frente para o norte outro para o sul e o outro para o nordeste.
          Depois fomos dormir.
          Ao amanhecer fomos à busca de víveres. Não nos esquecemos de acender uma fogueira um dia se quer para que nos achássemos. Passou-se anos.
         Por sorte a ilha tinha caça e pesca a vontade. Aprendemos a colheita. Não demorou dentro de certo prazo começamos a construir cercas e divisas. Tínhamos que proteger nossa propriedade.
          Até que se ficasse assim talvez vivêssemos em paz para sempre. É certo que não tínhamos nenhuma convivência. Cada um olhava e cuidava de suas propriedades.
          O inferno é que mandou um quarto. Ele nadou por quilometro e se imiscuiu em nossa ilha. E assim começou a nos incomodar. Como ensinaríamos para ele os limites? Sem falarmos um com o outro tínhamos nossas regras. E isso nos bastava. Nós três sem nenhuma comunicação nos tolerávamos. E agora com esse quarto? Não era bem vindo. Não podíamos aceitar outro já que nossas crenças, nossas éticas, eram já conhecidas e respeitadas e para explicá-las demandava tempo.
          E se o quarto pensasse diferente de nós? A primeira coisa que aconteceria eram debates cansativos, xingamentos e depois ódios exacerbados. O que ganharíamos com isso?  É preferível não aceitá-lo de cara. Por muito que seja cruel. Que arranje outra ilha para viver.
          Assim construímos um muro. Ele ficou na praia. Mas como rato passava as noites cavando túneis.
Todos os dias têm que expulsá-lo. Talvez cansado, um dia o diabo aprendeu a navegar.
          Agora anda para cima e para baixo com uma nau, olhando para o horizonte. Os olhos dele chegam a brilhar no escuro quando mira as estrelas.
          Um dia de sol quente ele colocou- se  na água e rumou  ao horizonte até a vela desaparecer.
          Enquanto nós há anos esperamos um salvador.

22 de Janeiro de 2019