sexta-feira, 17 de maio de 2013

A voz do povo

                A voz do povo


Essa coisa de profissão, coisa danada de errado. Pia só. Quem trabalha pouco ganha muito e quem trabalha muito ganha pouco. Eu trabalho que só cachorro, ganho, mal, mal dá pra comer. Meu serviço é roçar pasto.  Ô serviço excomungado de ruim. Corpo arde, dói e dói.  E quando de morro acima, ui- ui moço, com embira, pior é.  Sol a pino, meio dia, quentura dos diabos, inferno.   Exame de maribondo, vixe, ai -ai.  Deus acuda. Trabalho honesto, bem sei.  Não se ganha o merecido.
E as professorinhas.  O que ganham? Amém. Pouco com Deus é muito. A primeira minha foi na rua do rio. Assunto que pais não entendiam. Hoje toda escola ensina.  Sexo. Foi assim.  Cheguei lá desconfiado sabe. Movimento fraco.  A nêga Fulô ouvindo umas músicas lá dela. Na janela, olhar perdido.  Baixinha, nariz grande e anca larga. Um bundão ó.  No quarto, bobão ela foi logo dizendo pra mim:
              -Não se avexe não bichinho. Tire a roupa vai. Coloque ali no canto.
 Devagar, envergonhado. A cueca eu fiquei.  Dois buracos.
             -Mais menino! Deixe de besteira!Eu falei tu-do.
Tirei e joguei em cima da mala com a ponta do pé.  O pinto dormia! Pois ela pegou assim pelo pescoço como se fosse um passarinho e ficou um tempão alisando, beijou até. Aí eu esqueci que tava na presença de uma mulher, num sabe. Faz de conta que eu to no mato com os bichos, pensei.  Isso de ensinar é muito importante. Serve pra toda vida. Se serve. Mas que ganham mal, ganha.
Agora tem esse tal de esporte menino.  No Brasil é futebol. Nos Esteites é basquete. Na índia gostam de deitar-se em cima de pregos.  Aqui no sertão nosso maior esporte é sobrevivência. Pois pegue um desses caras do sul e coloque aqui pra eles verem! Não agüentam nem uma semana.
Mas no futebol  os hôme ficam taludos, umas pernas ó, parecem cavalo. Mas o salário, ai quem dera! Quem dera! Uma fortuna. Mais com eles não implico não, vôte. Tem precisão pra nós divertir, pra largar essa tristeza que de vez enquanto aperta em nós. É ou não é? Ficamos olhando vinte e dois home correndo atrás de uma bola, e quando a bola entra na rede gritamos que nem louco. Essa é nossa principal diversão.
E esse ano é ano de copa num sabe. Gastaram uma nota pra construir os campos. Quando pequeno eu me vestia de amarelo e ficava o tempo todo dizendo que eu era Pelé. Isso na escola. No recreio ficava o bucho roncando, pro mode que nem merenda tinha. Nem tinha carteira também. Parei de estudar por isso. Acho que foi o sonho de querer ser jogador. Mas como ser jogador sem nada para comer.
Eu fico tiririca da vida é com os políticos, num sabe. Ou raça de gente excomungada, sebosa mesmo.  E para ser político não precisa grandes especializações não. Ainda mais com essa “democracia” e qualquer um pode se candidatar. Só precisa de uma cara de pau e a arte da mentira. Oxente!  Significa: Demo(Diabo), cracia (não sei não,mas num deve ser coisa boa não).Tiro por exemplo o Vereador Babão.  Daqui mesmo da cidade. Nunca estudou na vida, não tinha nada, andava procurando biscate pelos cantos, sempre falando, isso ele era falante. Quando instalaram aqui esse tal de sindicato dos pescadores e afins ele comprou uma vara de pescar e nunca tinha pescado nada, espie. Não sabia amarrar o anzol numa linha. Mas em vez de peixe começou pescar voto, e logo se tornou presidente. Para a política foi um pulo. Agora tem casa própria, comprou umas terrinhas e os filhos todos estudam na capital.  Mais olha mesmo! Não fez nem o Mobral.
De política não entendo muito coisas, como também nunca vi um honesto bem de vida, rico. Isso nunca vi. Até home honesto ta difícil hoje em dia. No tempo do meu pai sim os home era diferente.  O negócio naquela época era fechado na palavra. Não precisava assinar papel algum. Era no pelo do bigode. Hoje tem cheque, promissória, cartão de crédito... Mais óia, ninguém paga ninguém não. Deus mesmo que não era besta criou logo os dez mandamentos.  Era para se precaver.  Que o home é um ser cheios de sentimentos e tale e coisa e coisa e tale.  Tem a inveja, arrogância, egoísmo, gula no todos sete pecados capitais. Mais quem tem medo do pecado é só o pobre.  O político não. Geralmente ele quer só eles e mais ninguém. Sem concorrência na praça. E depois do pecado, eles têm dinheiro pra comprar o padre, o pastor e paga todos os centavos de seus pecados.
 O político é bem semelhante à puta, quenga mesmo. Óia só.  Tá vendo as filhas de seu Justino. Pois intão! Aquelas gostosuras mesmos. Foram para a capital e de lá mandavam sacolas cheias de dinheiro. Trabalho honesto? Umas sonsas. De onde vinha o dinheiro? Da prostituição certo é. E os pais queriam saber? Neneca de piripituba. Poucos olham de onde vem o dinheiro. Isso é a pura verdade. Aqui mesmo quando moravam foram sempre umas enxeridas.  Aquelas saias apertando as carnes, os seios quase pulando fora! Se dessem um pum rasgava tudo.  E olhavam pra qualquer homem, solteiro ou casado. Não faziam distinção. A distinção que fazia era se rico ou pobre. Não foi uma delas que teve um caso com o juiz? Confirma? E que por isso mesmo acharam por bem que elas fossem estudar fora( a sociedade do povoado, arre!),  que não podia atrapalhar a santa família essas porras todas que o padre falou no sermão. Pois então. Lá nessa profissão delas, recebe homem de todo tipo. É ou não é como os políticos?
Por isso tenho minhas dúvidas. Não sei não mais esses estudos dos meninos não vai ter serventia não. É dinheiro jogado fora. Tem exemplo aqui na família mesmo, home.  Não precisa ir muito longe não. O Cardo meu irmão mais velho, coitado, estudou tanto para ser piloto, chegava aqui, quando era estudante novo, com aquele uniforme branco, até briava no sol. Pois intão.  Aqueles óculos ray-ban na cara parecia ator de Hollywood e as mulheres ficavam doidinhas nele. Pareciam umas éguas em volta do potro. Potro alazão. Ele tinha aqueles mapas, dizia que voar era um sonho, essas coisas de romantismo mesmo.
Aí seu menino, veio à guerra e ele foi para a Itália, alegre e nunca mais voltou.  Que dó me deu. Nem viveu.   Aproveitou a vida por pouco. Depois a guerra acabou, inventaram os heróis e aí ele ganhou um busto no centro da praça até. Mas para que serve? Hem! Hem!  Poleiro de pombos, isto sim.  Vive todo cagado, o coitado.
E aí, nos dias festivos (Dia da independência ou padroeira da cidade), vem neguinho de anel no dedo, diploma na parede reverenciá-lo. O que adianta isso?  Os filhos por muito tempo passaram por necessidades. Fome mesmo, menino.
Aí digo: Isso de ser herói é uma merda só. É bom no cinema. Nas novelas.  Lá na fita o mocinho vive todo tipo de aventura e no final ainda come a mocinha. É ou não é? Eu sempre gostei de filmes de índio. E torcia para eles. Batia palma quando conseguiam arrancar escalpos. Quem mandou o americano querer possuir suas terras? Bem feito. Os americanos é um povo metido seu menino. Em tudo eles põem a colher.
Mas a realidade é outra coisa. É dura. Quando veio a noticia de sua morte toda a família ficou chocada. Só ficaram as lembranças. “O enterro foi lindo, com as salvas de tiro diziam”, como se existisse enterro bonito. Enterro é enterro ora. O sujeito fica ali quietinho, sem vontade, sem liberdade, e a terra depois vai consumindo. Depois ninguém se lembra. Aposto que ele queria era está vivo. Isso sim.
Voltando  aos políticos, na época das eleições vem com aquelas caras de paus, de tapinha nas costas, ir a enterro de desconhecidos, rir pra todo mundo.  Uns desqualificados.  Uns sem vergonhas.
Depois que são eleitos dá isso aqui pro povo, ó. Eu sofri essa humilhação.
Pois veja bem. Babão veio aqui em casa, sentou na minha sala, tomou do meu café e jurou que se eu arrumasse uns votos pra ele, ele arrumava uma colocação pra minha filha, coitadinha. A patroa fez umas pamonhas, um cuscuz, essas coisas para agradar. Arrumei uns quinze votos. Juntemos toda a família que é humilde uns cinqüenta mais ou menos contando os agregados. É certo que só quinze votaram. Na família de pobre tem os invejosos. A coitada ficou bem feliz com a esperança do cargo. Pois foi só ser eleito que ele começou a botar difiliculdades. Era um pobrema aqui outro acolá e o tempo foi passando.
Que não dependia dele, essas nomeações vem do governo estadual e muitas vezes é federal e que tem toda uma fila de pessoas graúdas essas merdas todas fáceis de falar.
E eu fui ficando arretado com ele.
Antes ele era encontrado em qualquer botequim, nas feiras livres, nas filas de bancos, nas lotéricas. Depois de eleito o safado, nem na igreja vai mais. Minto. Ele agora só vai ao boteco de seu Chico. Incrusível eu até hoje não entendi essa amizade.  Diz que adora os tira gostos de seu Chico, aquelas merdas dormidas, que as baratas passeiam por cima. Pia como são as coisas!  E eu doido pra pegar ele de jeito.
Pois num foi Seu Chico mesmo, homem, que disse na cara dele assim de supetão tudo o que eu queria dizer:
          -Olha seu Babão, você pode inté ficar com muita raiva de mim, mas agora a partir de hoje, só voto em branco?
Quando falou isso, olhou até pro chão e cuspiu de lado e todos achavam que ia dá o maior quebra pau. Eu mesmo menino fiquei cavoucando o dedão onde tinha se enfiado um bicho de pé. Fiquei curtindo aquela coceirinha gostosa e se rindo do que seu Chico tinha falado, esperando a reação dele. Isso porque todo mundo sabe, incrusível seu Chico, que ele é defensor das causas das minorias: negros, gays e índios. E eu juro menino, de pé junto, que eu não sou racista não. Inclusível meu irmão por parte de pai é bem escuro num sabe, e olha que pretinho bom.  Alma de branco. E isso de racismo dá inté cadeia hoje. Pois então. E Babão parece um tisil de preto. Daqueles que alumia. Escurinho que nem só. Pois então. Era coisa para briga ou não?
Todo mundo fez aquele silêncio esperando ele estourar de raiva. Até o bêbado Niquinho filho de Maria Helena, balançou pra esquerda e prá direita e disse somente: Êita!
Mais que nada.  Babão ficou só opiniando que não era certo, que o eleitor devia escolher um candidato para depois poder cobrar dele, essas coisas que político fala com aquela voz macia de enganador que votando em branco o sujeito está jogando o voto fora, essas besteiras todas. Incrusível todo esse discurso, ele tem aquilo, como posso dizer, “retórica” isso mesmo seu menino retórica, todo político tem.  Aí eu levantei do tamborete, calcei os chinelos e disse arretado:
         -Não venha com essa história pra boi dormir não seu Babão. incrusível só voto em branco também. Chega de votar em qualquer preto safada, sem vergonha e comunista.
Aí seu Babão foi ficando vermelho, engasgou, gritou, bufou e veio pra cima de mim. Aí entrou a turma do deixa disso.
 Cheguei à seguinte conclusão.  Babão já era um deles. Tinha tudo, na cara.
O que não tinha era vergonha. E fica dito.