sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

O texto




"Um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas"  Ferreira Gullar-Poema sujo





                                     O texto



          Quando foi pensado o grande texto era para resolver todos e quaisquer percalços que pudesse surgir, resolver os imbróglios de qualquer natureza, sem grandes dificuldades; tinha que ser amplo abranger todos os direitos e deveres. Semelhante à bíblia para o cristão que pela fé segue  seus ensinamentos sem medo. Portanto não deveria deixar furos, nada fora do contexto, nenhuma interpretação dúbia, deveria ser enfim, tão certeiros nos objetivos como uma seta lançada ao alvo. Seria uma regra geral, uma constituição.

           A ideia porquanto, era gastar todo o tempo possível até a total fundamentação; não deixando para trás nenhum ponto a ser alinhavado. Seria necessário redação simples e concisa, sem palavras difíceis para não servirem somente aos aristocratas e juristas que sabem tão bem usufruírem das brechas.

          Pois sabemos como desagradável é, termos leis, mas que são desconhecidas da maioria. Sem falar nas diversas interpretações e pontos de vistas diferentes.

         E sempre a interpretação de um grupo é em prejuízo do outro. É enfim a dualidade do bem e do mal. 

         Quando tiveram a ideia de escrevê-lo, falou-se assim na época: o essencial era o texto reger todo e qualquer cidadão da mesma forma. Não obstante era a grande utopia.

         Com essa meta a humanidade postou-se a mesa.

         Convidaram cérebros de todos os recantos, filósofos, juristas, gente de todas as classes, e num grande mutirão iniciou-se o rascunho das primeiras frases e parágrafos. Como todo início escrevera-se como vinha a mente, mas tais textos o seu caminho é certamente os cortes e muitas vezes o lixo. Mas a prática levará ao caminho das pedras e a perfeição.

         É mister saber que está nos genes das espécies, a evolução. Até o fim, o homem buscará o aperfeiçoamento. Dizem os filósofos. Já os juristas, estes mais comedidos, priorizaram os direitos e deveres.    A gente do povo olhava mais para a subsistência. 

          E o que esperar portanto de leis criadas pela elite? Foros privilegiados naturalmente. A quem deveria servir como luva? 
  
         E assim foi se escrevendo toda a história. O texto foi crescendo assustadoramente. Era muita demanda. Um belo dia, um velho sábio, observou que a história estava mais parecendo a história das mil e uma noite. Não teria fim.  E assim dissera:que o texto ficasse pronto nessa geração!”.  Pois segundo ele, cada geração vindoura teria seus sonhos e desejos, e ia querer sempre acrescentar algo.

          O sonho era ter o texto irretocável, amplo, com todos os direitos e deveres de cada um.

          Mas até chegarem a um denominador comum, fizeram inúmeras guerras. Por qualquer motivos, triviais até: Em que língua seria editado? Quem assinaria? Quem teria direito de mudar o texto? As minorias ou a maioria? Os ricos ou os pobres? Os brancos ou os negros? Os dominantes ou os dominados? O sul ou o norte? O leste ou o oeste? Os católicos ou protestantes? O capitalista ou o comunista?

         Devido a tais questionamentos, no entanto, as guerras se prolongavam, ódios se multiplicavam, morria-se de fome, e para não compartilharem nada, construiu-se divisas, bandeiras, hinos, templos igrejas... Matou-se em nome de Deus.

         A saber, o texto ainda é um rascunho até hoje, depois de milhões de anos luz.

Ubá, 18 de setembro de 2016

Marinaldo Leite Batista   -----COPYRIGHT

"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."




Liberdade







                                   Liberdade


          
            Hoje dia 22 do ano...  Iniciei a grande viagem da minha vida. Assim icei a vela e puxei a âncora. O oceano estava cálido. O sol era de dezembro. Gaivotas voavam em pares. Ouve questões do tipo:
           - Estais louco! Deixar tudo para trás?

           A essa indagação exclamei:

           -Por acaso não sou dono da minha vida!

                Assim singrei mares. Aprendi anos após anos que o vento sopra nos empurrando furiosamente, mas quem dirige o barco na direção que queremos somos nós.

          Quando estamos no mesmo sentido do vento é fácil. Tudo ajuda. É questão de segurar o leme. Difícil é navegar contra. Aqui temos que buscar as forças e usá-las em nosso proveito.  “Cambar”, ziguezagueando em uma série de movimentos curtos e angulares. Se o vento ruge pela esquerda camba para bombordo; se pela direita camba para boroeste.

          Para alcançar as maiores velocidades temos que ir ajustando as velas.

          Ao mudar o rumo, a vela oscila na transversal, panejando por um momento ao ficar de face para o vento. O barco diminui a velocidade  na zona morta, até ser de novo colhido pelo vento, no lado oposto.

          Muitas noites escuras eu segurei forte o timão para não perder o rumo. Mesmo parecendo  que a tempestade ia me afundar. Mas todas as manhãs depois das tempestades o mar fica liso,  limpo e lindo. Dá para vê as estrelas. 

          A proa com o tempo vai gastando, as mãos enchem de calos, os olhos fixos no horizonte vão ganhando rugas, mas os olhos não se cansam das belezas.  Quando aparecem problemas jogo para a popa e ficam submersos servindo de leme, experiências vividas. Mantenho a quilha bem contrabalanceada. Em qualquer situação a vela mestra esta desfraldada. Vou devagar. Mantendo a velocidade em dez nós. Vou seguindo a luz dos faróis. Ou das estrelas.

          Aonde vou atracando as pessoas passam as mãos pelo rosto como se acordasse de um sonho.  Uma noite dessas num longínquo cais, fui abordado por três homens uniformizados.

          -É você o homem que anda nesses mares, atravessando limites, insuflando os povos nessa  orgia de liberdade?

          Não soube o que dizer. Fiquei mudo. O que eu fazia era somente viver. Como qualquer ser vivente nessa terra.

          -Tem que nos seguir disseram friamente.

          -Que crime cometi?

           Não responderam. Eram estranhos. Ombros caídos, cansados.

          Trancaram-me numa masmorra. Agora passo o dia planejando minha fuga. Um livro que li recentemente diz no final de um conto:

          -Que povo é este? Pensa também, ou apenas se arrasta sem sentido pela terra?

                                           ***

Obs. Encontrei esse escrito, dentro de uma garrafa.

Marinaldo L Batista
01 de fevereiro de 2019