quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A gata de minha mulher






                                                      A gata de minha mulher


Amanheceu nublado. Da janela vinha aquele ventinho com cheiro de terra molhada balançando a persiana entrando aquela semi claridade tímida do ar.
A mulher vestia um robe rosa, fazia à toalete e mirava- se no espelho virando-se vez em quando para visualizar sua melhor face.
Eu com o celular há meia hora tentava a todo custo escrever algo para postar no blog. Mas as ideias fugiam como ratos. Foi quando ouvi um ruído semelhante à vidro arranhado.
-Ratos me mordam! Eu disse.
Tomei minhas precauções e levei o que tinha de melhor, um rolo de massa da madeira maciça.
Corri para a porta da frente,
único lugar que tinha vidro.
O outro era o espelho no banheiro onde há cinco minutos eu observei contrariado algumas rugas no canto dos olhos, na comissura labial, e o cavanhaque completamente branco.
Olhei de soslaio e comentei o inexorável: O tempo passa, eu disse, enquanto escovei os dentes e penteei os cabelos cada vez mais ralos.
Minha mulher foi fazer café.
Tivemos dois filhos. Quando chegaram, tudo ficou mais colorido e ao mesmo tempo trabalhoso pois educar filhos está cada vez mais difícil.
Vinicius de Moraes já dizia:
Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Enquanto pequenos o trabalho era diário e não nos deixava pensar no que viria, o futuro , o incerto a distância dos dias sonhados.
Mas adoro o silêncio. Já a solidão, graças a Deus é descartável.
Não paramos de sonhar. Sonhei ser astronauta, sonhei ser médico... tantas coisas... hoje sonho ser feliz.
Mas essa coisa de felicidade é bicho difícil, é ave rara, é figurinha que faltou nos álbuns incompletos.
E filhos afinal criam asas e vão viverem suas vidas.
Nesse intervalo Veio uma neta. Isabela. Mais linda que um pôr do sol, mais bela que uma Flôr. Para todos uma grande felicidade.
Mas Mudaram. Novos horizontes.
Assim a casa ficou imensa e vazia.
Ao chegar a porta deparei-me pasmem, com um lindo filhote de gato tricolor que depois viemos a saber que era uma gata, sem casa , sem dono, sem nada.
O que fazer, não poderia deixar morrer tinha que recolher, acolher e alimentar.
Ia chamar a mulher mas o cheiro do café foi mais forte e disse:
-Por hoje fica!
Arranjei uma caixa de sapato e um trapo e coloquei-a para comer e dormir na varanda mesmo.
Tomamos o café. Falamos da vida. Na rotina. No tempo. Ficamos em silêncio.
Com o tempo as coisas não precisa serem ditas. Um olhar nos entendemos.
Quando cheguei ao trabalho lembrei que não tinha falado nada sobre o bichano.
Quando voltei ela correu ao meu encontro e ronronou para mim. Trançou varias vezes sob minhas pernas. Atrás dela veio minha esposa toda sorridente.
No pescoço tinha uma coleira amarela e um guizo para alertar onde ela tinha se escondido.
Fora até batizada.
-Ela chama-se Josefina! Disse minha esposa.
“Essa noite fez frio. Por isso de madrugada fui fechar a janela e encontrei essa caixa de sapato com ela dentro coitada. Só uma pessoa má faria tal coisa”.
O que eu poderia dizer agora? Que já tinha arranjado um lar para ela, que não podíamos ficar com ela que bicho dá trabalho que gato não é como cachorro que é independente toda essas coisas que poderia mudar a ideia de ficar com ela.
Não disse. Deixa pra lá. Seria a pessoa má que ela havia falado. A verdade muitas vezes é irrelevante.
Para encurtar a história agora ela tomou conta do pedaço. Dorme no quarto. Deita no meu travesseiro e sou acordado todos os dias às seis em ponto com massagem nas costas e fungados carinhosos na orelha e nariz .
Trabalho dá muito mas em compensação com todo esse carinho o texto agora ficou fluido e fácil.
E aí saiu uma crônica curta e simples com o gosto e o cheiro da felicidade das pequenas coisas.
17/08/2018

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