sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

slow motion

 

                                                                  câmera lenta



Vem um homem lá embaixo subindo devagar. 

Tem a cabeça branca e anda encurvado. No meio do asfalto, na descida um cachorro deitado dormindo. O velho entrou numa casinha sem reboco nem pintura. Uma senhora sai de camisola e pendura dois sacos de lixo num poste. Pra os cachorros não rasgarem. Olha pra o final da rua. Nada. Entra. A porta bate. Passa uma senhora gorda equilibrando-se nos tamancos. A rua é íngreme. Com todo o cuidado para não escorregar. Nos fios de luz duas pipas agarradas balançam. Fora diversão de meninos. O céu está nublado. Um avião de pequeno porte passa. Se ouve o ronco do motor. Vai se distanciando. O homem da limpeza passa recolhendo o lixo. Pega as sacolas uma a uma e coloca mais embaixo para o caminhão pegar. Os cachorros voltam a latir. É um ciclo de acontecimentos vulgares. Dois cachorros descem a rua de boca aberta. Um marrom e um branco e preto. Param na esquina e ficam olhando, estáticos lá para baixo. Donos da rua. O preto e branco morde as costas. Olham mais um pouco e voltam para onde estavam. Olho para a minha frente e vejo uma câmera apontada para mim. Deve ter alguém me observando em algum monitor. O rapaz da limpeza arrasta no asfalto um saco  pesado. Isso faz com que os dois cachorros se levantem e latam dizendo que estão presente. Eu penso em latir para a câmera. Não gosto de ser observado. Um casal de maritacas passam voando. Estou parado na esquina dentro do carro. Na frente tem uma caixa d'água virada. Tem um muro chapiscado e um Capinzal  que o verde se  sobressai do cinza do muro. Foi dali que ele saltou. Era raquítico. Mas de movimentos rápidos, precisos. Estava armado. Quando desceu o muro esfolou toda a barriga. Fez uma cara de dor mas continuou correndo. Desceu a rua. Dois policiais saltaram atrás.  Seguravam a pistola com as duas mãos e gritavam para o raquítico parar. Os cachorros saíram correndo também. No final da rua subia uma mulher com uma criança de colo. O raquítico a pegou por trás e gritou para os policiais. Se chegarem mais perto eu mato ela e me mato. Eles pararam. A criança chorava no colo da mãe.   O raquítico gritava: Faz essa criança parar de chorar se não eu estouro os miolos dela. A mulher começou a chorar.

Os policiais chamaram reforço pelos rádios. Dentro de instantes a rua ficou repleta de policiais. Depois vieram os bombeiros e a imprensa. Depois de horas de conversas em que a mãe do raquítico foi trazida a sua presença e pediu por Deus para que o filho cedesse, chegaram a um acordo e o raquítico deixou a criança ir. Ela não queria sair de perto da mãe. Mas por fim correu de braços abertos para uma policial que a pegou no colo e a retirou dali rápido. Flashes pipocaram em fotos para os jornais. Todas as poses possíveis. A televisão transmitia ao vivo. Enquanto isso atiradores de elite se posicionavam. O raquítico não dava o braço a torcer. Encostara-se no muro e fazia as suas exigências. Havia mais de seis horas. Ele queria um carro com tanque cheio e grana para fugir dali. Não se sabe para onde.  Mais por fim aceitou um advogado para se entregar.  


Ouviu-se um tiro surdo. Ele caiu para trás. A mulher saiu correndo com a boca aberta e os cabelos assanhados. Pegaram o corpo, embalaram num saco preto e jogaram na traseira de um carro. A imprensa  falava aos jornais. Cada um queria dá o furo, a notícia em primeira mão. Tudo terminou bem dizia um policial. Uma mãe chorava em silêncio. Teria que ir ao funeral.

Os cachorros  subiram a rua e foram se postar na esquina. A rua foi se esvaziando. Tudo voltara ao normal.

Na hora do almoço a tv passava o momento do tiro em câmera lenta. No vídeo via-se o projétil partir do cano da arma, voar o espaço infinito e enfim, explodir o crânio do raquítico. Semelhante a um game de tiro em primeira pessoa. Ficou impresso no muro. Muitos iam ali  vê. Olhava, olhavam e olhavam e por fim diziam lacônicos: Foi aqui o tiro?

No local já havia carrinho de cachorro quente, pipoca e lanchonete em geral. Local de diversão.


23/12/2021

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