sábado, 8 de setembro de 2018

O intento







                                                          O intento



             Hoje amanheci com vontade de matar. É. Não precisa olhar com essa cara de horror não. Já venho tecendo essa idéia há tempos. Uma pessoa mesmo. Um ser igual a mim.
Dizem que só o início é como um pesadelo, depois vira prazer.   Temos dentro de nós o bem e o mal. Essa crença faz qualquer pessoa ser capaz.  Os homens inventam guerras desde então, a fim de, saciar esse desejo.
Mas como seria a iniciação? Um acidente? Uma ira? Um desamor?
Procurarei começar do jeito certo.  O mais razoável possível.  Assim sendo escolhi minhas presas entre uma lista de marginais e pessoas simples, dando prioridade a pobre, preto, gays e nordestinos.    A morte de tais pessoas passam despercebidas.
Tem gente que não merece viver. A verdade é essa. Esses, temos que matar mesmo. Deixar na cadeia para comer de graça onerando o estado, o dinheiro público?  Nem pensar.  Essa  é minha decisão. Vou ser chamado de  abutre, urubu, estes animais que  limpam a natureza. Eu vou atuar da mesma forma eliminando todo o lixo da sociedade.
Saí para comprar uma arma. Porra que dificuldade.   Que complexidade, um cidadão  comprar uma arma.  Pedem endereço, telefone, tipo sanguíneo e toda uma baboseira enorme.
Preferi comprar no traficante da esquina. Toda esquina  tem um. Ele arrumou  de um policial aposentado.  Para sair do vermelho. Veja a inversão de valores.. O cidadão com medo atrás das grades e os bandidos soltos.
Aproveitei e comprei  dez caixas de balas.
Um  site explicava  tudinho, o calibre, efeito que fazia no corpo  e a forma do buraco que faria no corpo, e pasmem,  perguntava ainda ,qual minha arma preferida.    Tem várias empresas que investem muito dinheiro para  criar  artefatos cada vez mais mortais, mais eficientes. 
Não dei muito papo.  Eu queria era matar.
Pensei comprar um rifle tipo Snipes, e ficar em cima de um prédio, atirando a esmo, vendo os corpos tombarem, mas logo desisti. Matar a distância não fazia meu perfil. Quero o prazer. Quero ver o rosto da pessoa, o suor na cara, o terror nos olhos, vê ele se borrar todo nas calças. Essa é minha idéia.
 Assim comprei um trezoitão, da marca Taurus com cabo de osso polido e prateado. Precisava ver o tamanho do “trabuco”.
De noitinha, o céu ainda estava com aquela claridade rosácea e fazia um pouco de frio. Puxei o boné para encobrir meu rosto enchi meu embornal de bala. A caçada ia começar.
 Segui a minha presa. Melhor perfil impossível. Era um “negrinho” magricela, vindo do norte e ainda por cima “veado”. Era um desses ladrõezinhos que andam no escuro feito barata, com medo da luz. Conhecido no bairro.
Escolhi o local propício. Não devia chamar a atenção. O segui por mais de meia hora. Finalmente ele entrou num beco sem saída.  Quando  apareci ele assustou-se.  O ludibriei dizendo alto e em bom som que ia tirar “água do joelho”. Ele riu para mim. Os dentes podres. Nesse momento fingi abrir a braguilha e senti a adrenalina, o coração acelerar, um misto de medo e prazer. Saquei rápido. Foi um tiro no meio da testa. Ele morreu de olhos abertos e a língua para fora. Eu matava e anotava num diário. Postava tudo depois na internet.  Tinha milhares de visualizações. As pessoas gostam da miséria dos outros. Era um sucesso.  Tinha uns que davam conselhos.  Procure Deus diziam. Às vezes eu ficava quieto, sem dá resposta outras vezes respondia que “não foi eu o primeiro a abrir a porta do inferno. Está aberta há muito tempo, não é?
Era prazeroso ouvir nos bares as pessoas comentarem:
-Mataram mais um bandido! E o outro responder:
-Foi tarde!
Foi um tempo de paz. Os piores elementos sumiram. Mas o prazer é voraz.  Aí comecei a matar um desafeto ali outro acolá  e a coisa começou a desandar. Cheguei ao cúmulo de matar um só porque olhou  atravessado para mim. Estava exterminando todos que um dia me contrariou.
Quando me pegaram já havia matado mais de cem. Na maioria neguinho ruim. Só a escória.
Fui condenado, mas fiquei preso somente um terço da pena.  São as leis. Os poderosos fazem as leis pensando no “rabo” deles. Os juízes também. É toda uma malha podre.
Contratei um bom advogado. Juiz e advogados entram em acordos. Eu comprovei endereço fixo, trabalho, carteira assinada, essas merdas.  E principalmente tinha matado só negros, pobres e marginais. E eu sou branco sabe?  Olhos claros. E tenho algumas posses. Pago plano de saúde porque esses hospitais estão cada vez mais entupidos de doentes. Meu psiquiatra deu um jeito de me internar num hospital de loucos e doentes mentais. Toda semana me ligava perguntando se eu estava tomando os medicamentos. Eles,os médicos sim, são felizes. Podem matar a vontade.  
Depois que saí do manicômio, anunciei-me como cuidador de idosos. Tive  carta de recomendações e tudo . Dava para manter as aparências. Mas o prazer é outro.  Todo velho  pensa em morrer. A maioria estão jogados em asilos, longe da família, dos filhos. O dia dia  deles é de dores, muito cheiro de cocô e urina ardida. Dá ânsia de vômito.
O último me perguntou de chofre:
-Quando é que você vai me matar?  
-Amanhã de manhã. Eu disse. Ele sorriu.
Não sei se ele acreditou.
O matei de manhã, depois do café.
 Muito  tempo se  passou. Perdi as contas. Não sei quantos anos. Sofro dessas lacunas. É como uma folha em branco. Principalmente aqueles dias. Quando bate a ansiedade. A solidão.
 Isso tudo foi me cansando. Ontem não tomei medicamento algum, assim pensei dessa forma:
-E se ao invés dos outros, eu tirasse a minha própria vida? Achei a idéia brilhante.
Desde então eu fiquei imaginando. Uma adrenalina louca. Deixaria carta? Cheguei ao ponto de premeditar tudo e imaginar a melhor forma. O melhor jeito. Mas não é fácil. Oscilamos muito. Um dia parece certo, no outro não. Hoje eu escrevi num papel isso:
Um aviso importante:
Se essa escrita de alguma forma parar bruscamente é que eu

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