segunda-feira, 6 de maio de 2019

Contatos de quarto grau








Em minhas andanças por aí encontro seres humanos de tudo que é jeito. Esse que eu encontrei, vestia-se com calças jeans  toda remendada deixando-o como um retalho colorido. Usava um chapéu de palha cheio de penduricalhos, tinha até bonecas. Chamou-me a atenção. Aproximei-me. Ele fumava um cigarro que toda hora apagava com o dedo e colocava-o atrás da orelha esquerda. Sentado no banco da praça, ele dizia:
Não sou louco, juro. Nunca rasguei dinheiro. Minto. Rasguei uma única vez, mas imediatamente colei com durex. Precisava para comer. Mas como disse alguém, não me lembro quem,de médico e louco todos temos um pouco, é ou não é, ele dizia rindo. Observei que ele faltava dentes. 
Ele continuou:
“ uso essa parte lunática que eu tenho para pensar sobre tudo ou nada em lucubrações vagas. Pois veja:
“Diz os cientistas de todo o mundo,que matéria é constituída de pequenas partículas esféricas, maciças e indivisíveis, denominadas de átomos. Veja! Que o átomo tem outras partículas minúsculas, e que fazemos parte dessa matéria. É como uma sopa com todos os ingredientes, entendeu? Somos o tutano do osso. Damos o gosto à sopa, amargo muitas vezes, nesse imenso universo.” Meu velho, é isso aí.
Acende o cigarro novamente.
“E toda matéria ocupa um espaço nesse universo. Pode-se dizer seu espaço, pois segundo as leis da física, dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. É como a música disse: Cada um no seu quadrado.
 Levanta-se e dança por um momento. Um cinto segura as calças para não cair de tão magro que é. Dá para contar as costelas.
“Mas não é tão simples assim. Eu na minha ignorância imagino que entre tudo, mas tudo mesmo, entre eu e você, se não existir amor, existirá o vácuo, e  nesse vácuo  existirá o ar que é matéria. Ele aqui abre os braços para demonstrar. Entendeu onde eu quero chegar velho? Pois então. Esclareça-me se estou errado.

Esclareço sim eu disse: Entre nós não há o vácuo. Já sinto uma empatia por você.
Ele sorri. Toca aqui, estica o braço. Tocamos as mãos. Ele continua:

“O ar atmosférico é formado por vários gases, vapor d'água, microrganismos e impurezas (poeira e fuligem). Entre os gases existentes na atmosfera, temos: oxigênio, gases nobres (hélio, neônio, argônio, criptônio, radônio, xenônio), nitrogênio e gás carbônico. Um comentário aqui meio sui generis: Como todo ser vivo peida, concomitantemente no ar existam muitos desses gases. Que é simplesmente a união esdrúxula desses gases que já existem. Entendeu? Tudo são átomos, moléculas...

Enfim, independente dos estados, eu imagino uma matéria contínua. Por exemplo: Se conseguíssemos pintar o ar, veríamos uma única cor no universo, como nos programas de edição de imagem em que ao tocarmos no ícone do balde tudo fica da mesma cor.Essa comparação é para explicar que nada nos separa. Somos átomos. Eu estou ligado a você, você a outros, outros ao todo, ao espaço sideral, as galáxias. Somos um único plano. Uma grande substancia. E como substancia estamos em contato puro com Deus. Contato do quarto grau velho!”
Ele ficou calado. Deu um trago longo no cigarro. Já não me via. Sua visão me ultrapassava. Recolhe seus jornais e vai andando. Olho-o dobrar a esquina.

Ele não deixa de ter um pouco de razão, penso.

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