sexta-feira, 21 de junho de 2013

Nossos medos








Tenho muitos amigos com diversas opiniões sobre o medo.  Esse tirano que nos acompanha até o fim. Aliás, começa bem cedo quando ainda estamos na barriga de nossas mães protegidos pela placenta. Talvez por isso quando a futura mamãe se acha sonhando com nossa vinda, com a vida do filho, ou esquecida em outros pensamentos nós a chutamos para avisá-la: Não se esqueça de mim. O medo do abandono.
Depois que nascemos não sei se por estarmos na faze oral, só sei que quando nos sentimos afastados do seio materno logo choramos. Temos medo de ficarmos sem o aconchego e principalmente sem o nosso alimento. Medo da fome.
Depois na faze das primeiras letras, temos medo do escuro, medo do bicho papão, medo disso, medo daquilo e daquilo outro.
Na juventude temos medo do primeiro beijo, da primeira namorada, da primeira vez, medo da solidão, medo do nada, do tudo, do grande do pequeno, da altura, do elevador, de assalto, do sombrio, do diabo a quatro.
Em todas essas fazes da vida tivemos medo da morte. Só que na velhice ela é mais plausível, mais próxima e certa.
A respeito do medo lembro-me de uma poesia de Drummond que fala tão bem assim desse sentimento que nos caça no dia a dia é nossa sombra:
“cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”
E todos sem exceção temos medo: Os amigos, os inimigos, os pais, os filhos, os parentes, aderentes, fulano e sicrano.
Tenho um amigo, que morria de medo de se tornar corno. Por isso como ele dizia, só pegava mulher feia. Segundo ele, as mulheres belas todos desejam, são muito requisitadas, caçadas até a exaustão. Já as feias ficam mais resguardadas.  E ele acrescentava ainda: E as feias são muito, mais muito melhores. Completava: As feias quando faz amor, parece que ciente da plástica, na hora do vamos ver, se interessa muito mais, vai com gás e nos oferece noites memoráveis. Já a bonita acha que só beleza basta. Finalizando: São muito mais quentes dizia. Hoje já não sei dele.
 Outro ouvindo essa história me disse que desse medo passava longe. Se corno fosse, corno era e ponto final. Mas sem essa de não cobiçar mulher bonita. E arrematava: É preferível dividir mel com outros a comer merda todo dia. É ou não é? Perguntava.
Fiquem sabendo que não compartilho nenhuma dessas opiniões.
Mas o medo dele mesmo é comum. Não era medo da morte, do fisco, da mulher nada disso. Ele é advogado, não vou dá nomes aos bois, vou contar só o fato. Ele me disse que tinha uma secretária que era um estouro. Seios durinhos, pernas longas e torneadas, boca carnuda e aqueles pelinhos louros na nuca que arrepia ao longo do pescoço. Certo dia depois de muitas cantadas e presentes incontáveis ela aceitou ficar com ele. O escritório estava vazio, só o barulho do ar condicionado e uma música ao fundo. Tirou a roupa tudo nos conformes. Ela vestia calcinha azul turquesa, usava uma colônia que deixava a pele fresca e brilhosa, e ele estava como o Vesúvio em erupção. A visão dela ali em pelo em sua frente foi algo assim do outro mundo. Ela tinha até aparado, assim como o cabelo de Neymar, ele disse. Estava tudo no bem bom, ele mão naquilo, ela boca nisso e estava uma loucura. Quando chega naquele momento para colocar a camisinha, plim!   Nada aconteceu. Seu maior medo era broxar.  Logo àquela hora impossível. E teve que ouvir essas frases costumeiras: Isso é assim mesmo. Não dá importância!  É o cansaço, o stress. Dizia Milene sua secretária. Ela foi tão compreensiva.  E ele não se deu por vencido. Separou-se da mulher e casou-se com ela. Mas esse não era seu maior medo.
Depois ele me contou:
Eu morro, mas morro mesmo é de viajar de avião. Sinto pavor.  Você sabe. Mas duma certa feita fui obrigado a voar. Havia pressa em tal compromisso.  Assim fiz um mês de tratamento com um psicólogo. Ele dizia que eu tinha de mudar minha forma de pensar, ser mais positivo, mudar as imagens de minha mente, essas coisas que um mês inteiro treinei a fio. Ainda mais que minha mulher é aeromoça agora, pensei, e voa quase todo dia, não era motivo de preocupação, as estatísticas dizem que é o meio de transporte mais seguro do mundo. Mas sabe como é o medroso.  Pensa que justamente o dele é que vai cair. E tentem mudar sua opinião.
Só sei que um belo dia afinal estava sentado na poltrona do avião. Fui convencido pela minha mulher. Voaríamos juntos. Ela é agora comissária de bordo. Beleza. Pelo menos se eu sentir algo ela está por perto. Pois bem. Só não queria conversa com ninguém. Penso que no silêncio, as forças ocultas ajudam mais. O avião começou a taxiar. Eu observava pela janelinha o tempo. Por sorte céu de brigadeiro.  Somente alguns urubus. E se um bicho destes entrar pela turbina. Ai , ai. Milene minha esposa, chegou lá na frente e começou falar sobre o que se tem que fazer em caso de acidente. Ela já havia treinado comigo isso. Meu coração começou a palpitar. Modifiquei meu pensamento. Vislumbrei o avião pequenino e longe e o vendo de cima. Isso me acalmou um pouco. Peguei uma revista. Não consegui ler a primeira frase. A aeronave se postou na cabeceira. Ia decolar da pista 09 esquerda de Guarulhos, rumo ao Galeão. Vento calmo. Sei isso porque cheguei até a aprender a pilotar jatos no computador em vôos on line. E sei que aqui o piloto está recebendo autorização para a decolagem seguindo uma carta de saída, depois vai seguir uma aerovia, depois usará uma carta de chegada, de aproximação e autorização para pouso, tudo isso monitorado por radares. Tudo com total segurança. Mas eu continuava inseguro.
A aeronave acelerou. Os motores tremeram. Aqui meu coração queria sair pela boca. Um compartimento se abriu. Procurei ajuda olhando a poltrona vizinha. Duas freiras seguravam os terços e rezavam. Se as santas com a proteção de Deus mesmo assim tinha medo, imagine eu que era ateu! Porque depois desse vôo prometi tornar-me católico fervoroso e ir a Aparecida uma vez por ano. Olhei para o outro lado. Um jovem casal se beijava na boca como num gesto de despedida. Agora estava desesperado. Lá na poltrona da frente avistei um menino dos seus cinco anos mais ou menos. Ele carregava um skate na mão e olhava sorrindo pela janelinha. Deixa de ser cagão falei para mim. Veja aquela criança. Se espelhe nela. Mas e se com o skate o diabo do menino quebrar o vidro? Voaríamos todos para fora puxados pelo buraco. Tentei avisá-lo. A voz não saia. E o menino repetia o que eu não queria ver:
-Agora estamos pertinho das  nuvennnnns! Bruuuum! Imitava o barulho com o skate. Bendita são as crianças que não tem preocupações.
Eu sozinho e meu medo que agora se tornara terror.  Chegamos ao nível de cruzeiro. Dizem que é o momento mais tranqüilo da viagem. Muitos desabotoaram os cintos. O meu continuou afivelado. Mulheres bonitas começaram a servir comidas. Inclusive a minha com seu par de pernas longas.  Eu não queria mostrar todo meu medo. Ela me deu por baixo dos panos três dozes de uísque. Piscou para me acalmar. Sorri amarelo. Ela seguiu corredor a fora. O senhor deseja o que? Mais o que senhora? Muito educada ela.
Depois passaram recolhendo.  Milene passou de volta.  Brinquei: Belas pernas, morena. Ela riu. Devia ser o efeito do uísque. Era legal brincarmos assim sem ninguém saber se éramos casados. Fazíamos isso muitas vezes. Um dia marcamos numa praça de uma cidade um encontro como se não nos conhecêssemos. Era um jogo. Gostávamos de fazer isso. Depois eu chegava e tentava conquistá-la. Tudo acabava nós num motel fingindo sermos desconhecidos.
Dez minutos depois no avião muitos roncavam a custo de tranqüilizantes. Eu continuava aceso de ouvido nos ruído. Tinha aprendido todos. Enumerava cada um: Esse foi o trem de pouso, esse outro os flaps, agora o rádio. Sabia que a aeronave era guiada por antenas, GPS e todo um aparato. Aí quando a aeronave estava toda escura, o piloto tinha desejado bom vôo, falado que lá fora fazia cinco graus negativos à maioria dormindo ouvi um barulho que não estava no meu manual.
O piloto nos avisou que ia passar por uma zona de turbulência, mas que não éramos para nos preocupar. Ainda bem que foi rápido. Surgiram alguns barulhos estranho.
Fui fazendo a chamada. Trem de pouso não era. Flaps também não, pois estão recolhidos. Os compartimentos de passagem todos trancados. As freiras silenciosas. O casal dormindo. Um velho roncando de boca aberta. O menino comendo bata fritas. Empurrado pelo uísque levantei-me em silêncio.  Consegui andar até o banheiro. A porta estava encostada. O barulho era tipo nhec –nhec- nhec- nhec. O que seria? E se for um terrorista preparando uma bomba. Melhor avisar a comissária. Ou algum vazamento na tubulação. Algum rato. Não. Ratos gostam de navios. O que seria? E aquele óleo pingando numa das asas? Empurrei a porta. Fiquei estupefato. Estava ali uma pessoa digna de todo o meu respeito superando os maiores medos pela ordem que são:
 - medo de voar,
-de broxar e
-de morrer.
 O piloto transava com minha mulher no banheiro. E ainda falou quando me viu:
-Fique tranqüilo. Estamos voando com o piloto automático ligado.
Eu ainda pensei gritar com os dois: “Quando chegarmos à terra firme você vai ver. Mas como falar isso com o piloto? O cara que tem a missão de nos levar lá para baixo com segurança.
Voltei para minha poltrona e afivelei o cinto.


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