quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O mar


   



                                  O mar


 Para uns, são coisas insignificantes; para mim são retalhos de vida que lanço como o faz bem o senhor que atira pão aos pombos  -Etiel Oldlaniram






Eu descobri minha paixão pelo mar, aos doze anos, quando tive que viajar a capital com meu pai, em visita a meu avô internado com uma doença incurável. 
A visita foi estranha porque não pude entrar no hospital e fiquei na sala de espera olhando os rostos sérios passar naquele ambiente insalubre. 
Ele ficaria internado por tempo indeterminado soube depois pelo meu pai, ele explicou como seria o tratamento, um monte de palavras médicas difícil de entender. 
O que eu entendi é que ele não voltaria para casa esse verão.

Depois fomos almoçar e até o ônibus retornar para a cidade natal, tínhamos umas quatro horas a toa. Foi aí que meu pai disse:

          -Diacho!  Já estamos aqui, não custa nada conhecermos o mar!

Não conto a emoção que senti ao ouvir isso. Foi a mesma quando li pela primeira vez um romance de Joseph Conrad. E ele ama o mar. Ou parece amar. Comigo foi amor a primeira vista.

Então pegamos um lotação ali na lagoa, que cruzou quase toda a cidade.

 Passamos pela roleta e pagamos a passagem. Por sinal roleta não existia de onde tínhamos vindo. Mas não eramos bobos, isso não, observamos os outros passageiros para não haver erro. Meu pai também era viajado, já tinha morado um tempo no Rio, quando era solteiro. Na década de trinta.

 Eu estava extasiado com o movimento, o povo andava apressado, quase correndo, pareciam que tinham perdido alguma coisa importante. Talvez o sossego que tínhamos de sobra no pequeno povoado que vimos.
Olhava os prédios com curiosidade.  Como conseguem viver assim um sobre o outro, eu ia pensando curtindo  a viagem.

E assim foi uma meia hora olhando pela janela.  O vento forte fazia-me fechar os olhos  vez em quando. Observei que quando as pessoas chegavam onde queriam puxavam uma cordinha e soava um som estridente indicando que o motorista teria que parar no próximo ponto. Apontei para meu pai. Ele sorriu de volta.

Foi quando eu vi. 
Primeiro veio uma aragem avisar pela janela, um vento pesado, um ar branco que depois soube que era maresia. Depois um braço comprido o manguezal. A vegetação de gramíneas, arbustos pequenos, cajueiros e principalmente coqueiros. Depois veio toda uma amplidão. Um azul esverdeado profundo, parecendo engolir a terra. Estrondo de brumas brancas correndo até a margem. Uma faixa clara onde poderíamos correr descalços sobre a areia.

Que prazer senti quando tirei o sapato apertado. O olhei sem arrogância. Até onde sabia pelos romances, ele era temido. Carecia de respeito.
Tiramos a camisa. Meu pai persignou-se e jogou um punhado de água sobre a nuca. Era para não pegar resfriado. Fiz o mesmo. Fomos eu e meu pai, saltando as ondas, que se aninhavam entre nossas pernas empurrando-nos para trás e para frente.

          -Venha mais Artur! Não tenha medo, ele disse!

Eu estava tremendo de frio. Mas a água era morna, o frio devia ser a emoção, de está ali, naquela grandiosidade de água. Curioso, enchi a concha da mão e perguntei sorrindo:
          -Que gosto tem?
Meu pai sorriu.
          -Só se provar que vai saber, falou.
Eu tomei um gole. Arrepiei.
          Ai! É salgado, falei.
Ele não falou por maldade. Isso não. Era mais por galhofa. É tanto que nunca vi meu pai sorri tanto.
Perguntei depois que ele parou:
          -Aonde vai dá toda essa água?
Ele olhou para o horizonte, fez alguns cálculos e disse:
          -Acho que, se nadarmos seguindo aquela nuvem ali, está vendo?
          -Sim!
          -Chegaremos ao continente africano.
          -Ah!

Não perguntei mais nada. O mar bastava. Não queria perder aquela emoção que estava sentindo. Imaginei os piratas, os personagens dos romances singrando esses mares, em grandes aventuras.

Depois fomos nos enxugar. Enquanto olhava algumas gaivotas no horizonte, pensei no meu avô, sozinho ali naquele hospital frio, e aqui toda essa natureza explodindo, as ondas quebravam bem perto de nós.

          -A maré esta subindo, meu pai falou.

Um mês depois meu avô faleceu. Isso foi há muito tempo.

Até hoje, mesmo adulto, gosto de ver as ondas explodindo na areia, nas pedras, e quando quero recuperar minhas energias, vou de encontro ao mar.


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