quinta-feira, 3 de novembro de 2016

O Programa




             
             
                              A rua


Eram seis da matina. O vigilante Severino vinha subindo a ladeira em direção ao centro. Trabalhava a noite e vinha morto de sono. No sentido contrário vinham os irmãos Ariosvaldo, Reginaldo e mais um menor.
          
          -E aí mano como vai?  Batem-se as mãos como o usual.
          -Tô morto cara! Estou vindo do trampo. Vinte e quatro horas sem dormir. E aí quem é o intruso?
          -De menor cara, ele tem umas idéias aí, ta afim?
          -Porra estou fora de órbita, mas coé?
          -Vamos fazer um ganho agora. 

Mostra o tresoitão, por baixo da camisa. De menor saiu hoje, da casa de custódia, mostra aí mano. De menor levanta a calça. Usa uma tornozeleira eletrônica. Sorri. Ariosvaldo pega no ombro do outro como fazem os amigos. Fala no ouvido do outro:
          
          -O amigo tá duro pacas, entende precisa arrumar uns para a sobrevivência e aí demos a ideia da loja lá do centro. Mesma coisa de tomar doce de criança. Tem uma mina e um segurança otário entendeu!
          -Sei! Mas como vai ser a comissão?
          -Pô cara dividimos em quatro! Sem apelação!
          -Aí! Tô dentro! Qual minha função?
          -Pô meo, De menor vai chegar na cara dura, arma em riste entendeu. Qualquer coisa de errado ele toma a frente, sabe como é a lei! Eu vou com a mochila guardando os cobres, meu irmão fica na esquina e tu fica de retaguarda, certo. Sem vacilo! Qualquer movimento avisa.
          -Falou mano! Conheço a mina lá de vista! Uma bunda, porra! Se der mole como. Deixa esse agrado pra mim?

          -Qual é malandro, nós é bandido mas temos ética, não somos estupradores não! Mas se tu quer, depois de pegar nossa grana, pode fazer o que quiser!

          -Quero muito! Já tentei ficar com ela, mas a fila da puta não quis! Tá na mira!

                           A loja


Lúcia tirou a blusa e deixou à mostra um seio. Duro. A auréola escura. Pegou outra blusa com um tom azul turquesa e vestiu com certa dificuldade, já que usava uma só mão. As pernas longas e malhadas dificultavam o trabalho. Ao mesmo tempo tirou a calça, a bunda bem torneada, e vestiu de diferente cor para combinar.

Marlon o segurança, a olhava de meio jota há muito tempo, talvez dali surgisse um romance, pois ambos se olhavam, e não segurou o riso ao ver Lúcia com tanta destreza em trocar as roupas dos manequins.
Ele por seu turno pegou todo o dinheiro do caixa, colocou numa bolsa de plástico escura e se dirigiu a sala onde guardava as notas maiores até o horário do depósito na rede bancária. Foi quando ouviu o grito:

          - Assalto! Todos quietinhos e de mãos para cima. 
Marlon só teve o trabalho de fechar a porta por dentro. Porra! Porra! E agora pensou. Lembrou-se que deixara a arma na gaveta. Assim o que podia fazer era ficar quieto e rezar.

De menor veio com a arma e apontou para a cabeça de Lúcia.

          -Aqui seu pilantra! Abre essa porta e passa todo o dinheiro senão vou estourar o crânio da mina aqui! Lúcia estremecera.
Enquanto isso Ariosvaldo ia rapidamente enchendo a mochila com peças de roupa.

Lúcia estava fria. O cano do revólver machucava sua fronte. “Pai nosso que estais no céu... Não me mate! Por favor!

         -Só depende do seu parceiro! Abre essa porta aí! Vou contar até três. Depois o bicho vai pipocar!

-Um...Dois e Pum!

Quando o capitão chegou, tinha cérebro espalhados por todo o teto. 

                             Rádio

O locutor dando ênfase à fala:

          -Estou aqui com o Capitão Dagoberto, boa noite capitão! Agradeço sua presença aqui.

          -Boa noite, Áureo, boa noite ouvintes!
          -Capitão, conheço seu trabalho, um trabalho árduo, competente, fazendo o que pode para a segurança do município, queria saber do senhor o que podemos fazer para melhorar estas estatísticas de terror que hora ou outra aparecem como esse agora da morte da senhorita Lúcia, vendedora, esse crime bárbaro...
          -Olha Sr Áureo, até que esse ano as estatísticas estão favoráveis, estamos combatendo esses crimes e outros, eu criei  a guarda de bairro, coloquei mais homens nas ruas, dita números, continua:  -Mas esses crimes é de difícil prevenção. A lei é frouxa. Logo os indivíduos estarão soltos!

          -Eles, os assassinos, já estão presos?
          -Sim. Meia hora depois do comunicado, saímos em diligencia, e pegamos os quatro meliantes...
          -É verdade que existe um menor?
         -Verdade! E como sempre eles confessam o crime! Assumem tudo! A pena para menores é branda!
O Locutor fica em silêncio. Faz algumas observações a respeito das leis, do ser humano, da maldade...
         -Como se sucedeu a prisão Capitão, eles tentaram fugir? Responda por favor no segundo bloco. Propaganda.

         -Ah! Sempre tentam. Sempre que ocorre crime nessa região sabemos que podem seguir pela rua do rio. Então montamos bloqueio no acesso a uma estrada vicinal  ao Centro. Já havíamos recebido as características do carro, um fusca ano meia nove, branco, que logo avistamos.
 Fizemos a abordagem e conseguimos prender todos eles ainda com a arma do crime.
Ele destacou que todos têm antecedentes criminais, exceto o vigilante.
          -Eles iniciaram alguma reação?
          -Não Sr Áureo, é sempre assim. Quando são cercados parecem criancinhas, até choram, chamam pela mãe...
         -É isso, infelizmente a moça morreu, e agora? Dá sinal para baixarem a musica. Continua: Logo logo advogados, usarão as brechas da lei que são muitas, colocam esses salafrários em liberdade e presa mesmo estará a menina Lúcia, dezesseis anos, uma vida inteira pela frente. Obrigado Capitão Dagoberto, pelo seu trabalho, uma luta constante, que oxalá um dia consigamos viver em paz. O capitão tece os últimos comentários e...
          -Obrigado! Amém!
O contra regra aumenta o volume da música de fundo. O locutor imposta a voz:
         -Vocês acabaram de ouvir: Ronda policial. O programa que não tem medo de falar a verdade doa a quem doer.
Entram as propagandas.







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